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Criticando para quê?

Criticando para quê?

| Somir | | 5 comentários em Criticando para quê?

Com a morte de Preta Gil, pudemos ver alguns comportamentos bizarros do brasileiro médio. Foram até os perfis dela, de amigos e associados para tripudiar e ofender. Coisa baixa mesmo. Aqui no Desfavor já criticamos a pessoa várias vezes, muitas vezes pelos mesmos motivos que essas pessoas disseram ser sua motivação. Tem diferença do que fizemos para o que eles fizeram?

Tem. E Sally e eu concordamos que é a diferença fundamental: você critica para estimular uma mudança ou para informar terceiros sobre um problema, não para causar sofrimento. O sofrimento pode ser um motivador da mudança, mas sozinho ele não tem função nem para a gente nem para a pessoa criticada. Se Preta Gil morreu, o que se pode fazer sobre o comportamento e as escolhas dela?

Durante muitos anos, falamos mal do Pelé aqui. Depois que ele morreu, as críticas à pessoa não faziam mais sentido. Não quer dizer que revisamos nossas opiniões e que está tudo certo, quer dizer que a função da crítica desapareceu. A pessoa pode servir como exemplo em outros argumentos, mas bater nela não faz mais sentido.

E mesmo em casos em que as críticas continuaram pós-morte, como no caso do Olavo de Carvalho, não era sobre o morto, era sobre as pessoas que continuavam passando sua mensagem para frente. A pessoa deixou um legado ideológico que está sendo seguido e mantém validade de críticas. O povo que foi escrever coisas horríveis sobre a Preta Gil depois da sua morte estava lutando contra o legado ideológico dela? Ela deixou livros de filosofia que serão estudados por gerações?

Você pode ser contra o que uma pessoa fez em vida e entender que não tem mais função nenhuma criticar depois que ela morre. Quer bater na máquina de propaganda lacradora/petista da qual Preta Gil fez parte? Bata, tem muita gente viva e ganhando dinheiro com isso. Mas Preta Gil não tem mais nada a ver com a história. Maltratar família e amigos dela por causa disso não é posicionamento ideológico ou crítica razoável, é ser uma pessoa escrota que quer espalhar sofrimento pelo mundo.

E normalmente gente que espalha sofrimento é gente que tem sofrimento para espalhar. Desculpa a frase de biscoito da sorte, mas é a melhor forma de explicar. Pessoas com vidas complicadas e incapacidade de lidar com isso acabam tentando arrastar todo mundo para sofrer com elas. Imagina mandar uma mensagem horrível para um familiar de alguém que fez algo que você discorda e achar que isso resolve alguma coisa?

Pode chamar a gente de covarde se quiser, porque é uma questão de caráter inegociável: não vamos na casa do outro para espalhar lixo. Não vamos criticar só porque isso vai deixar o outro triste. Se você acha que é uma vitória estragar o dia de alguém, algo está torto na sua cabeça. É meio como sair batendo em pessoas aleatoriamente na rua. O que você está fazendo de verdade? Criticar não é causar dor no outro; pode acontecer, mas não deveria ser o objetivo.

E o melhor momento para fazer essa reflexão é justamente quando morre alguém que você criticou muito em vida. Se você ainda quer criticar da mesma forma, é bem provável que não seja pelos motivos que achava que era. Era apenas uma desculpa para espalhar sofrimento.

Curiosamente, é um ponto onde até um serial killer tem mais inteligência emocional que esse povo que foi falar desaforos para uma pessoa morta. Ele vai procurar outra vítima porque a troca desapareceu ali. Porque se você acha que tem mais o que fazer contra alguém que literalmente está fora do jogo para sempre, é você que tem o problema, não a pessoa.

Se você ainda sente vontade de atacar uma pessoa que morreu, vale a pena a reflexão: não tem nada a ver com deixar de ver os problemas, você pode continuar vendo as coisas como elas são, mas o impulso de ir até alguém que não existe mais? É sintoma de que o seu objetivo é só causar dor. E se você está funcionando desse jeito, o que os outros fazem ou deixam de fazer deveria ser a menor das suas preocupações.

É mais relacionado que parece: sabe quando você vê situações em que pessoas continuam batendo num adversário desacordado? Acontece em muitas brigas e é garantido em linchamentos: a pessoa que deixa de se defender ainda apanha várias vezes. Esse tipo de violência é diferente, é algo que nem bicho faz. Quando o outro para, acaba o motivo da briga e da violência.

Alguém que bate numa pessoa que não está mais se defendendo, pelo menos para mim, ou está absolutamente possessa ou já tem algo realmente quebrado dentro da mente. Duas coisas que não são bons sinais para quem vive ao seu redor. Chegar nesse nível de descontrole é algo que não deveria acontecer na vida de uma pessoa. Se você apaga de tal forma que não consegue mais perceber que está chutando a cabeça de uma pessoa desmaiada, a sociedade não é o seu lugar sem muito tratamento psicológico, e provavelmente remédios. Algo deu errado, não era para você sair tanto do controle assim.

E se a pessoa nem precisa desse grau de descontrole total para agir dessa forma covarde, pior ainda. A empatia simplesmente não funciona. A pessoa não consegue entender que está sendo covarde, porque se acha justificada a causar dor e sofrimento nos outros independendo do contexto. Não é legítima defesa, não é nem confronto mais. A criança que bate na outra para tomar o brinquedo é mais racional que isso, porque pelo menos ela termina o confronto quando o objetivo é alcançado.

Eu não estou escrevendo um texto para dizer que gente ruim é ruim, eu estou falando sobre como não se leva a sério o grau de desequilíbrio mental de quem age dessa forma, seja de bater em alguém desmaiado, seja de ir xingar pessoas mortas nos seus perfis de rede social. Não é só ruindade, é algo que está quebrado muito antes. Você tem que saber reconhecer a situação em que não faz mais sentido agredir. Não é algo que pessoas especialmente boas fazem, é algo que deveria ser pacote básico inegociável do ser humano.

Muito por causa dessa “cultura latina” brasileira, onde descontrole é algo positivo, não lidamos direito com quem passa dessa linha. E fica a dica para você que percebe o problema: quando vir gente próxima a você agindo dessa forma, não coloque apenas na conta de emoções à flor da pele, é mais profundo. É uma desconexão severa da empatia que achou seu caminho afora numa atitude da pessoa.

Todo mundo tem falhas, mas esse tipo raramente é tratado com a gravidade que merece. Por isso não chama atenção além do sofrimento pontual que causa. Não é aceitável bater numa pessoa morta diante das pessoas que estão sofrendo por sua perda, é crítica sem objeto feita de forma a causar sofrimento em terceiros. Eu não chamo de psicopatia porque nem sei se cabe na descrição, como disse antes, o psicopata tende a aceitar que o objeto de interagir com a pessoa se foi junto com ela.

Parece óbvio, mas muita gente não entende: as coisas acabam. O motivo ou o objeto da disputa pode simplesmente desaparecer, e não tem função nenhuma continuar agindo como se ele estivesse lá. Digo, função externa, porque não impacta mais o mundo. Mas se a função interna continuar lá, é porque não era crítica, era apenas sofrimento querendo companhia.

Não deixa de ser mais um jeito de falar que críticas podem ser confissões. Mas pelo ângulo que eu acho que pouca gente aborda: o ato de bater em indefeso é muito mais revelador até mesmo de que como a pessoa bateu. É o tipo do comportamento que pode acontecer sem você perceber, mas assim que você reconhecer o padrão de crítica sem objeto para causar sofrimento, pare.

Apenas pare. Pode ter certeza de que algo deu errado no seu caminho mental até esse ponto. Não era para você ser assim, e provavelmente tem algo te fazendo mal internamente que precisa ser resolvido. Criticar é normal, agredir às vezes necessário, mas você tem que conseguir parar sem fazer muito esforço.

Esse povo anda por aí sem freio e depois não sabe por que vive se metendo em acidente…

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