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Ele disse, ela disse: Desfavor até o fim.

| Desfavor | | 117 comentários em Ele disse, ela disse: Desfavor até o fim.

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A morte é parte integrante da vida… os costumes e rituais relacionada a ela também. Sally e Somir concordam que a maioria deles são chatos e/ou bregas, mas na hora de escolher o que incomoda mais a discussão ganha vida. Os impopulares ajudam a matar essa dúvida.

Tema de hoje: O que é pior, enterro ou velório?

SOMIR

Tenho a impressão que vou remar contra a maré aqui. Consigo entender por que muita gente vai escolher velório, mas há uma série de motivos que me fazem crer que enterro é bem pior. Por mim as pessoas morreriam que nem inimigo em videogame: pisca uma vez, faz um barulhinho e some. Acharia até bacana se caíssem dinheiro e experiência, mas isso incentivaria demais os assassinatos.

Voltando à realidade: Escolhi enterro porque ele é um ritual muito menos lógico do que o velório. Quando a alternativa era deixar o corpo apodrecendo por aí e virando comida de predadores, vá lá. Mas hoje em dia é basicamente um desperdício de terra e recursos. Somos mais de 7 bilhões… está na hora de adaptar-se à nova realidade da espécie.

Mesmo alguém morto por dentro como eu entende o significado emocional do velório. Não gosto, acho mórbido e depressivo; mas entendo que para muita gente é um momento de homenagem à vida de quem está lá exposto sem vida num caixão. Reúnem-se as pessoas mais próximas ao falecido, discutindo e lembrando da pessoa, suas realizações e marcas deixadas em vida. A coisa de olhar defunto com algodão no nariz nunca me fez sentido, mas a reunião das pessoas sim.

Eu sempre digo que não me sinto bem vendo a pessoa morta quando tenho que ir a um velório, e normalmente ninguém me enche o saco. Na verdade não me faz diferença, mas… honestamente: justamente por isso que eu não costumo chegar perto. Não preciso fingir comoção vendo o corpo (o que acho muito desrespeitoso) e posso muito bem me solidarizar com quem ainda tem emoções. Em enterro não dá para escolher muito o seu grau de participação. É sol na cabeça e passeio por cemitério querendo ou não.

E como alguém que acredita que somos estruturas de átomos que se reorganizam com o passar do tempo, não tenho nenhum argumento sobre o lado “sobrenatural” da coisa. A pessoa se foi, o que está no velório é só um corpo. Defendo o velório sobre o enterro pela sua função: Fazer uma homenagem ao morto com quem ficou para contar sua história. O mais próximo de imortalidade que podemos conseguir. Em algumas culturas nem é algo necessariamente triste… reúne-se as pessoas para comer, beber e socializar. O velório é sobre a vida que segue.

O enterro é sobre o corpo que se decompõe. O enterro não tem em si subjetividade que redima o ritual sem sentido: Coloca-se um corpo debaixo da terra. Tem hora marcada e roteiro definido. Você pode passar num velório para dar um abraço em alguém, você não pode passar num enterro… chegou, tem que cumprir todo o ritual. Enterro é uma coisa egoísta, uma imposição final ao mundo dos vivos. E nem estou culpando os mortos, todas essas decisões são tomadas pelos vivos.

O enterro moderno é como se fosse uma tentativa de imortalidade na marra. Uma marca duradoura no planeta praticamente independente de mérito. Quantos babacas endinheirados estão apodrecendo em mausoléus gigantes, mármore e ouro substituindo boas memórias e histórias? Vive uma vida inteira e deixa o quê como marca? Entulho. Muitos mortos são enterrados com belas roupas e durante nossa história até mesmo com seus pertences mais valiosos! Enterro é a cultura do “ter”, velório vem da do “ser”. Ainda acho que não gostaria que ninguém querido me visse morto (embora deixe de ser escolha minha a partir do momento que morri), mas no velório até se entende ficar bem vestido. Alguém vai ver! Vestir terno para minhocas e baratas que me parece uma insanidade.

Enterro é o ser humano não entendendo a morte. E cada vez mais um desperdício. Gasta um monte de recursos cada vez mais escassos e ocupa espaços cada vez mais valorizados. Como nasce cada vez mais gente, morre cada vez mais gente, matemática simples. Cemitérios famosos já estão lotados há décadas, boa parte dos túmulos abandonados. Enterro é tão ilógico que o próprio tempo deve dar conta de reduzir sua prevalência na nossa sociedade, por pura questão de custo e espaço. Vai virar coisa de rico brega, que nem condomínio fechado.

E até mesmo no gasto o enterro é mais escroto: Caixão, cova, taxas, aluguéis… Gastos supérfluos que muita gente pobre nesse mundo acha absolutamente necessários. Morrer custa caro. Enterro é sacanagem com quem fica se a família tem pouco dinheiro. Velório se faz até em casa se quiser, os meninos trazem refrigerante, as meninas os salgados… e pronto. Foi-se o tempo de encontrar um canto no terreno e começar a cavar, enterro é negócio e dos lucrativos. A indústria do enterro é basicamente um golpe… vender conforto para morto.

E é claro, tem o componente religioso. Passado o tempo da necessidade prática de enterrar os mortos, entrou a superstição para manter o costume. Velório é basicamente reconhecer a vida do (agora) morto, enterro é a crença de que vai fazer alguma diferença para quem foi e/ou para quem fica o ritual escolhido. Como se a “alma” do morto fosse ficar melhor com um endereço fixo para seu corpo…

Por isso mesmo, eu já disse e vou continuar dizendo para as pessoas mais próximas que eu abdico de qualquer poder decisão sobre velório (afinal, não é sobre o meu corpo, é sobre quem estiver vivo e interessado nisso), mas peço encarecidamente para que não me enterrem. Se não der para ajudar a ciência, que pelo menos meu corpo vire cinzas e saia de cena sem encher muito o saco de quem ficou.

Bônus fanfarrão: Velório por engano é bem melhor que enterro por engano. Os catalépticos me entendem.

Bônus insensível: Não fazem velório de animal de estimação…

Para dizer que a opção da morte de videogame também te atrai, para dizer que prefere enterro porque é mais fácil sair do trabalho, ou mesmo para admitir que não gosta mesmo é quando morrem na sexta-feira: somir@desfavor.com

SALLY

Ambos são péssimos, mas eu ainda acho que o velório é pior.

Acho chocante, de péssimo gosto e desnecessário para elaborar uma perda ter que ficar olhando para o corpo de um ente querido morto, cheio de algodão no nariz. Acho sádico. Aquele corpo sem vida, com uma coloração estranha, aquele cheiro a flores que vai ficar impregnado na memória afetiva como indicativo de sofrimento, enfim, todo o conjunto da obra do velório é horroroso. Há psicólogos que dizem que ser necessário, mas, francamente, quando eu morrer não faço questão alguma ter meu corpo exposto. Prefiro que lembrem de mim em vida, nos bons momentos.

Velório já teve uma justificativa bem plausível: em tempos de medicina rudimentar, muitas pessoas dadas como mortas na verdade não estavam mortas e acabavam “acordando”. Por isso se dava um tempo antes de enterrar, para não correr o risco de enterrar uma pessoa viva. Mas hoje é perfeitamente possível aferir se uma pessoa está morta ou não. Via de regra, não é mais necessário esse ritual “preventivo”.

Porém velórios são uma indústria que movimenta muito dinheiro e morte continua sendo tabu, então, ninguém parece ter a coragem de dizer “Ei, não tem necessidade disso”. Vão pensar que a pessoa não gostava do morto ou coisa pior. Esse ritual desconfortável continua sendo perpetrado. Repito: psicólogos acham ele essencial para elaborar o luto, então, na dúvida, escute quem é profissional. Eu não quero para mim, eu não vou no de entes queridos.

Olhar para um corpo sem vida é algo desagradável. Sempre. Ninguém gostar de se deparar com um morto, nem mesmo com um animal morto. Pior ainda quando o morto era uma pessoa próxima, querida. Reunir um grupo de pessoas em torno desse morto me parece um espetáculo que beira ao ridículo, se não fosse tão triste. Não consigo encarar como homenagem, pois não vejo qualquer produtividade em fazer isso quando o homenageado não terá ciência.

Homenagem é manter a pessoa viva na sua lembrança e manter vivo também o que ela fez de bom, não ficar rodeando um corpo frio e recheado de formol. E para quem não sabe, um velório pode custar muito caro, ou seja, além de desagradável, come um dinheiro que poderia ser usado para confortar a família do falecido de forma mais produtiva. Garanto que o falecido preferia que esse dinheiro fosse usado para o bem estar de sua família.

Quero ressaltar que estou sendo otimista, talvez até romântica, em meus argumentos. Isto porque tem muita gente que vai a velório não para honrar e homenagear o falecido e sim por obrigação social, interesse ou qualquer outro motivo menos nobre. Não raro vejo pessoas batendo papo, fazendo contatos, trocando cartões e fofocando em velório sem esboçar a menor tristeza.

Por favor, se é para isso, fique em casa. Se for a um velório, que seja para confortar de alguma forma aqueles que estão sofrendo com a perda do ente querido, caso contrário mais atrapalha do que ajuda. E em vez de caras coroas de flores, depositem o dinheiro na conta da família que ajuda muito mais. Falta praticidade nas pessoas. Falta coragem para olhar e questionar “Isso é mesmo necessário?” ou “O que isso traz de bom?”. Não. Nem pensar. Todo mundo sempre fez, todo mundo faz, a pessoa faz e ponto final.

Enterro também não é nada agradável, mas ao menos visualmente parece menos torturante. Você não está olhando para a cara do seu ente querido sem vida, há algum grau de abstração naquele caixão fechado. Além disso, enterro é um ritual que bem ou mal é necessário, afinal, é preciso dar alguma destinação a aquele corpo (só para constar, eu quero ser cremada, fica aqui o registro).

Ao contrário do velório, enterro não é dinheiro jogado no lixo, apesar de também ser um ritual sofrido. No enterro Há uma contraprestação que, por mais dolorosa que seja, é necessária: acomodar o corpo do falecido. Eu posso respeitar isso, apesar de achar apavorante a ideia de colocar o corpo de uma pessoa querida debaixo da terra. Ao menos há alguma utilidade.

Aqui é lugar seguro para ser sincero: ir a velório é um saco. A gente vai, porque né, quer dar apoio a quem perdeu uma pessoa querida, mas é um saco! Ninguém acorda e diz “que legal, tenho um velório para ir hoje!. É uma obrigação chata. É assim que você quer se despedir deste mundo? Dando uma última pentelhada nos seus amigos? Será que não tem como se despedir de uma forma melhor? Leitores psicólogos, por favor, me ajudem.

A pessoa vai ao velório, porque pega mal não ir, mas passa o velório mandando e-mail, checando o celular, enviando relatório, fazendo contatos e todas as demais funções que deveria fazer no tempo que o velório lhe consumiu. Pra que? Vai ter gente alegando que é para dar o último adeus. Porra, não pode fazer isso internamente não? Precisa de toda aquela alegoria com algodão no nariz? E mesmo quando o morto está desfigurado e fazem velório com caixão fechado, as pessoas vão! PRA QUE? Para se despedir de um paletó de madeira?

Jamais me sentiria bem colocando amigos em uma situação de irem a um evento que eu sei que além de atrapalhar suas vidas, vai ser desagradável para eles.  Está mais do que na hora de abolir esse ritual macabro que só faz cultuar o sofrimento. É indispensável para elaborar o luto? Beleza, vamos criar um novo ritual que seja um pouco menos pior então?

Morte é uma certeza, algo natural, tratemos com mais naturalidade e talvez ela seja menos sofrida. Está mais do que na hora do Ocidente evoluir e passar a ver a morte com outros olhos, como algo natural, sem cerimônias e honrarias para sofrer. Acho que é hora de pensar em uma forma nova e menos macabra de se despedir…

Para dizer que eu deveria ser cremada agora mesmo, para reclamar porque estragamos a forma socialmente aceitável como você via o velório e o enterro ou ainda para vir com um papo Chico Xavier de que o morto pode presenciar seu velório: sally@desfavor.com

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