Desfavor bônus: Bianca das Neves. (2)

O reino encantado das Neves: Parte 2

“Não há ninguém mais bela que você, rainha. Até mais.” Hã? Oi! Eu sou o Espelho Falante, não se preocupem, estou fazendo apenas um bico em outra história. Vejamos… onde estávamos? Ah sim, Bianca acabara de sair do esgoto e encontrar um nobre homem cujas feições remetiam às de seu chefe, Júlio.

“Julius Maximo, príncipe do reino das Colinas, ao seu dispor.” – O homem, trajando uma reluzente armadura, faz um sinal para um de seus acompanhantes. “Paulino, dê algumas moedas para a pobre camponesa, sim?”

“Claro, Vossa Alteza!” – Paulino, que agora mostrava-se terrivelmente parecido com seu companheiro de caronas, Paulinho, desce do cavalo enquanto Julius e sua caravana começam a se afastar.

“Júlio! Júlio! O que está acontecendo aqui?” – Bianca, ainda com dificuldades de se cobrir, decorrência de suas vestes rasgadas, tenta se aproximar do cavalo branco do príncipe-presidente da empresa.

“Opa! Não vai sujar o cavalo do príncipe!” – Paulino segura Bianca pelo braço, apenas para perceber que alguma substância pastosa recobria a pele da jovem. Instintivamente recua o movimento e tenta balançar as mãos para se livrar de resíduos.

“Não, não vai…” – Bianca não pode competir com o alazão real. Enquanto Julius some pelas estreitas ruas do reino, nossa heroína situa-se na surreal posição que se encontra. “Que merda de sonho…” – Ela mal tem tempo de se voltar para o lacaio destacado para lhe fazer companhia quando sente o impacto de água gelada contra sua pele. “FILHA-DA-PUTAAA!”

“Você deveria me agradecer… Olha só, debaixo daquele monte de esgoto tinha mesmo uma bela donzela!” – Paulino sorri enquanto observa demoradamente a pele desnuda de Bianca.

“Você esqueceu um pedacinho…” – Bianca retribui o sorriso, enquanto passeia com os dedos pelo decote.

“Não estou enxergando, por que você não chega mais perto para me mostrar?” – Paulino tenta, em vão, parecer sedutor.

*SPLOSH!* – Bianca arremessa uma massa escura não-identificada no rosto de Paulino.

“ARGH! Pfft! Ptúú!” – Paulino realmente esquecera um pedacinho, mas não era exatamente o que esperava. “Pode esquecer… pfft… as moedas! Vocês da ralé são todos mal-agradecidos.”

Bianca, sem se importar com a reclamação daquele homem, tenta secar o que resta de suas vestimentas enquanto se afasta rumo a um aglomerado de camponeses logo à frente. “Como será que eu acordo? Normalmente acontece quando eu estou me dando bem… Mas do jeito que a coisa vai, eu nunca mais saio daqui!” – Pensa com seus inexistentes botões.

Ao se aproximar de uma espécie de praça, adornada por uma bela fonte central, percebe que o público reunido ali está prestando atenção no discurso de um senhor idoso, escondendo boa parte do rosto com um capuz, que do alto de um palanque improvisado com caixas de madeira fala e gesticula de forma contundente:

“… e enquanto pagamos impostos, aquele glutão devora nosso tesouro com a avidez de uma ave de rapina! Como se não bastassem os gastos descontrolados, ainda falha em casar sua única filha com um príncipe de reino abastado. Filha esse que prefere abrir suas pernas para qualquer um sob a vista grossa de todos do palácio! Até quando viveremos nessa imundice? Até…” – O homem para e volta sua visão para a direção de Bianca, já isolada pelos seus próximos por causa do cheiro terrível que exalava.

No mesmo momento, começa uma gritaria no lado oposto da multidão.

“GUARDAS! CORRAM!” – O grito gera um tumulto instantâneo. Cada um corre para um lado, sendo que Bianca, indecisa, gira sobre o próprio eixo enquanto recebe o choque de toda sorte de camponeses desesperados.

Até que sente um tranco e é levantada no ar. Um homem, visivelmente enojado, agarra Bianca e a coloca sob seu ombro. Ela tenta gritar, mas em virtude da situação, é apenas mais uma voz exasperada dentre tantas.

“Me larga! Me larga!” – Bianca bate nas costas de seu captor enquanto tenta se desvencilhar. O homem, um brutamontes de pele morena e roupas puídas, começa a desacelerar o passo e ameaça largar a fétida princesa dessa história. Enquanto sente que vai finalmente escapar, percebe guardas armados atacando todos os que ficaram para trás.

“Não me larga! Não me larga!” – Bianca agarra com ainda mais força no homem que a carrega, que solta um suspiro e uma interjeição de repulsa. “Eu não cheiro sempre assim, viu?”

Depois de algumas idas e vindas por entre as escuras vielas do local, o homem finalmente para e solta Bianca.

“Obrigada! É… ficou uma… manchinha no seu… no seu ombro.” – Bianca, visivelmente constrangida, tenta limpar a já imunda roupa do inesperado herói.

“Deixa pra lá… Eu vou queimar isso depois. Meu nome é Crell.” – Ele se afasta momentaneamente, procurando por testemunhas. Bianca percebe que o rapaz é bem atraente, bom, pelo menos para um troglodita. Não lhe parece má idéia entrar no clima medieval do sonho de uma vez…

“Bom, imagino que você queira sua recompensa…” – Bianca abaixa a cabeça, fingindo ser mais tímida do que realmente é. Ela começa a remover a parte de cima dos panos que a recobriam.

“Que tal deixarmos isso para uma próxima?” – O sorriso de Crell só não é mais amarelo do que a coloração da pele recém-descoberta de Bianca. “Além disso, eu te trouxe aqui a pedido de Mathias.”

“Quem?” – Bianca, contrariada, retorna ao seu estado de recato.

“Creio que seja eu quem pediu uma audiência particular com a senhorita.” – O velho que fazia o discurso há pouco, surge das sombras, para o susto de Bianca.

“Eu não estou tão agradecida assim, vovô…” – Bianca tenta esconder mais um pouco de seu corpo.

“Um homem como eu não se prende mais pelas tentações da carne, jovem. Você tem idéia de como pode ser útil para o reino?” – Mathias circunda-a, com passos curtos e semblante inquisidor.

“Não estou interessada em continuar na carreira de limpadora de esgotos…” – Bianca responde.

“Poucos de nós, da plebe, já vimos como a princesa se parece. Em alguns anos trabalhando como conselheiro no palácio, fui capaz de vê-la algumas vezes em ocasiões solenes. A princesa Bianca das Neves passa seus dias em uma torre do castelo, a espera de um príncipe que atenda seus requisitos.” – Mathias, eloqüente, continua.

“E eu sou a cara dela?” – Bianca percebe que o escritor da história não prima pela originalidade.

“Sim! Para uma limpadora de esgoto, a senhorita é muito sagaz! Nós podemos utilizá-la para levar a frente um plano deveras engenhoso.” – Mathias parece empolgado.

“Já sei, vocês querem que eu troque de lugar com ela e influencie o rei a cortar impostos… blá blá blá…” – Bianca prepara-se para contar a verdade e divertir-se com a ingenuidade do idoso conspirador.

“Pelo contrário, pretendemos matá-la.” – Mathias sorri confiante. Bianca retesa todos os músculos do corpo. “Minha jovem, a princesa Bianca é o principal motivo pela derrocada desta outrora tão próspera região. Sua recusa em aceitar um consorte de posses nos condenou ao isolamento. Com ela fora do caminho, a esperança do povo esfacelar-se-á e o caminho para um golpe ficará livre para nós.”

“E se eu não aceitar?” – Bianca tenta se afastar lentamente.

“Minha querida, essa opção não está disponível.” – Mathias gesticula, pedindo o apoio de Crell. “Mas não se preocupe, você não correrá riscos… Você é muito valiosa para nós… Ah sim, perdoe-me a falta de modos… Qual a sua graça?”

“Cinderela!” – Bianca também não é um primor de originalidade.

“Pois bem, Cinderela, você será vigiada de perto por Crell. Sugiro que cuide de sua higiene e esteja pronta para novas ordens. Lembre-se… Uma palavra e você vai ter saudades do tempo em que engatinhava pelos esgotos…” – Mathias some por entre as sombras novamente.

“Posso… posso ir?” – Bianca olha para o seu recém-proclamado vigia.

“Fique por perto. Se tiver algum problema, basta me chamar…” – Crell repete o movimento de Mathias e some das vistas de Cin… Bianca.

Bianca começa a vagar sem rumo pelas ruas da cidade. A noite cai sobre o Reino das Neves, o burburinho do dia dá lugar ao implacável silêncio da solidão. “Talvez… Talvez seja tudo uma metáfora do meu sonho… Quando eu morrer na verdade eu vou estar matando meu eu-princesa e deixando viver meu eu-limpadora-de-esgoto. Mas eles são a mesma pessoa. Acho que a moral desse sonho é que eu sou a princesa-limpadora-de-esgoto. Eu não sabia que sonho tinha moral… Acho que vi muito desenho animado na infância. Daqui a pouco aparece uma propaganda…”

Precisa de um Espelho Falante para te dizer que você é a mais bela das belas? Precisa de um conselho amigo ou uma opinião falsa sobre seu vestido te deixar gorda? Olhe para seu espelho e fale o número de seu cartão de crédito três vezes.

Voltando à programação normal, Bianca finalmente reencontra a saída de esgoto pela qual saiu de sua torre. Aproveitando a falta de vigia na área, volta a se embrenhar pelo nojento túnel até encontrar a escada de cordas pela qual desceu anteriormente.

Tentando abstrair a sensação de cócegas que por volta e meia tomava seu corpo, Bianca chega ao topo, batendo a cabeça na portinhola de madeira. “Ai!” – Bianca bate algumas vezes, na esperança de encontrar o guarda amigo.

“A senha, poooooor favooooor…” – A voz afeminada e grossa não deixa dúvidas sobre quem estava do outro lado.

“Abre-te Sésamo?” – Bianca confia novamente nos clichês.

“Engraçadinha… Diz logo, menina!” – Responde o guarda.

“Sei lá… Tem pergunta de segurança que nem e-mail?” – Bianca obviamente não presta atenção na época que está.

“Começa com Caaaa…” – A voz oriunda do outro lado parece mais afrescalhada ainda.

“Ca… Caralho! Abre logo essa merda!” – Bianca perde a paciência.

A portinhola se abre. “Carvalho! Por que você sempre esquece, princesa?” – O guarda diz enquanto ajuda Bianca a sair dali. “Que cheiro é esse, menina? Eu disse para não sair aquela hora…”

“Eu só preciso de um banho quente…” – Bianca segue em direção a seu quarto.

“Vou mandar as criadas aprontarem para você, bem. Eca…” – O soldado afeminado vai tapando o nariz enquanto desce pelas escadas da torre.

Bianca finalmente adentra seu quarto. Pamonha abre apenas um olho, faz contato visual e bufa de forma irônica antes de voltar a sua posição original.

“Se eu ganhasse uma moeda de ouro para cada vez que você volta assim…” – diz Pamonha.

“Cala… cala a boca, tudo bem?” – Bianca prepara-se para retirar as roupas sujas quando é interpelada por batidas na porta. “AAAARRRGH! O QUE FOI AGORA?”

Abrindo a porta, depara-se com três mulheres, que arregalam os olhos. A mais velha, forçando sua entrada, diz: “Princesa, você tem poucos minutos para se aprontar, o príncipe Julius mudou seus planos e está aqui para te fazer a corte!”

“Julius?” – Bianca entra no clima de desespero. “Vai demorar um mês para tirar esse cheiro!”

“Eu tenho um plano…” – Digo eu. Qual? Oras, esperem o próximo capítulo. Meu emprego depende disso.

Continua…

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