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Ele disse, ela disse: Uma boa discussão.

| Desfavor | | 30 comentários em Ele disse, ela disse: Uma boa discussão.

No creo!A atual linha de comunicação da Coca-Cola prega que os bons são a maioria. Apesar de ser mais uma mensagem publicitária vazia de uma empresa que só visa o lucro, a idéia expressada divide as opiniões dos donos do blog. Ele atribui uma certa razão à expressão, ela atribui a opinião dele ao excesso de Coca-Cola nas veias…

Tema de hoje: Os bons são a maioria?

SOMIR

Sim. E essa é uma discussão antiga entre eu e minha CARA. Sempre digo para ela que pessimismo exacerbado é tão ilógico quanto otimismo cego. A realidade dificilmente é tão extrema feito nossas opiniões.

Vale ressaltar que temos que definir de forma realista os “bons” da frase. É tentador adotar uma postura cínica e pintar essa bondade de forma caricatural, tal qual as propagandas da marca gostam de fazer. Vamos deixar a imagem mental de hippies cantando em roda num campo florido de lado, por favor. Ser um dos bons, no contexto em que essa idéia se apresenta, é basicamente ter um conjunto de atitudes e idéias “médio” que preze pela coletividade.

Porque a questão é justamente essa: A coletividade. Quando você age de acordo com a idéia de que não está sozinho nesse mundo, tende a tomar decisões muito mais próximas da noção de bondade. Ajudar alguém tem implicações sociais poderosas, tatuadas em nossas mentes por milênios de sociedade organizada. Somos seres humanos, somos seres sociais.

E eu não estou reeditando a furada teoria do bom selvagem. Não é exatamente a humanidade que nos faz agir de forma altruísta, é a necessidade gerada por não vivermos sozinhos nesse mundo. Você PRECISA levar em consideração o que os outros querem para viver minimamente bem. A empatia é uma das maiores ferramentas (se não a maior) para existir uma sociedade tão complexa como a nossa.

Desde a mais tenra infância, o ser humano treina e treina sua habilidade de imaginar o que outros seres humanos estão pensando. Crianças diferentes não criam amigos imaginários mais ou menos na mesma idade à toa: É justamente a empatia dando seus primeiros sinais de amadurecimento. Com o tempo o amigo imaginário se torna uma infinidade de pessoas com as quais seu cérebro vai se ocupar durante a vida. (E sim, essa é uma das bases neurológicas da religião…)

Digo isso porque precisamos entender, para começar a conversar sobre isso, que a empatia é um dos blocos básicos pelos quais se constrói uma mente humana. E a empatia não te dá muitas desculpas para causar danos a outrem. Mesmo uma pessoa de pouca instrução e trato social é capaz de entender o resultado de suas ações em outras pessoas. Claro que não vai ser uma ideia tão complexa quanto alguém mais bem “formado” pela vida, mas é uma noção rudimentar que já permite uma conclusão lógica de que ser bom é mais fácil que ser ruim. Ser altruísta é mais simples que ser egoísta. Criar inimigos e obstáculos em sua vida é aumentar a complexidade da sua existência.

E é justamente aqui que a maioria das pessoas começa a discutir comigo. Infelizmente fica complicado seguir, porque vai bater de frente com outro bloco básico de formação da mente humana: A forma tendenciosa como valorizamos mais NOSSOS esforços do que o dos outros. Quando eu digo que a resposta “orgânica” para a vida em sociedade é tratar bem os outros, parece que tira o valor das atitudes nobres que a pessoa tenha tomado durante sua vida. É mais gostoso imaginar que nós somos os faróis de bondade num mar de egoísmo, mas não é a verdade.

Por incrível que pareça, acreditar que os bons são a minoria É a postura confortável. Sequência (i)lógica pra lá de comum: Se os outros estão errados, eu estou certo. Se eu estou certo, eu estou seguro. Saia da zona de conforto e comece a usar sua memória sem a tendência de auto-valorização.

De todas as pessoas que você conhece, a maioria te deu motivos para acreditar que são ruins? Você já não conversou com muita gente discutindo como “os outros” são podres, mas vocês não? Você tomou mais atitudes danosas para os outros do que ajudou?

Você acha que a sociedade humana estaria de pé se a maioria estivesse nesse mundo só de sacanagem? Já se tocou da complexidade INCRÍVEL que é viver numa cidade com água encanada, energia elétrica e outros serviços básicos? Se a humanidade fosse essencialmente egoísta, não se passaria nem mesmo da primeira reunião de homens das cavernas. As pessoas se ajudam, se cuidam, trabalham em prol de objetivos comuns. Empatia em ação.

Pense, criatura, pense. Você deve sair de casa todos os dias e lida com muita gente. A maioria é boa. A maioria não vai sair do caminho habitual para te ferrar. Ei, se precisar, a maioria tende a te ajudar. Se você perguntar o caminho de algum lugar para um transeunte, pode apostar que 99% vai te indicar com o melhor do seu conhecimento. Se você tropeçar na rua, bem capaz de aparecer alguém e te ajudar a se levantar. Evidente que não podemos esperar que as pessoas se coloquem em risco para proteger um estranho, mas fora isso, existe uma tendência bem palpável das pessoas fazerem a coisa mais altruísta.

Mas eu sei que você está pensando em todas as coisas horríveis que fica sabendo. Todas as crueldades que humanos cometem com outros humanos. Difícil de imaginar um mundo onde os bons são a maioria se tem crianças sendo espancadas por sádicos por aí. Mas aí entra outra tendência de memória: Você se lembra mais das coisas ruins. É normal. O foco em desgraça é reflexo da necessidade de manter “frescas” as memórias que podem nos avisar de perigos. É mais fácil lembrar daquele cretino que te fechou do que as várias e várias pessoas que já te deram passagem numa rua movimentada. Registra-se o que mais se assemelha ao perigo. Não deixa de ser uma vantagem evolutiva.

A mídia sabe disso. Os jornais praticamente só mencionam coisas ruins. Você NÃO vai dar a mesma atenção para uma manchete sobre um homicídio horrível e uma pessoa ajudando um cego a atravessar a rua. Desgraça vende. Sem contar que a destruição é mais… notícia do que a construção. Um maluco precisa de apenas uma metralhadora e alguns minutos para destruir a vida de centenas de pessoas. Isso é muito mais notícia (mais urgente) do que alguém criando um centro de tratamento de viciados e salvando a vida de outras centenas no decorrer de alguns anos.

Eu mal vou ter espaço para escrever isso, mas só para registrar: Confundir ignorância e FALTA DE ESCOLHA com ruindade é uma coisa horrível. Muito bonito a pessoa que escreveu aquele texto do Pedrinho me soltar que as pessoas são naturalmente ruins…

Para dizer que eu sou um idealista panaca e outras dessas defesas bobas de quem prefere ser especial a ser racional, para reclamar que meia dúzia de pessoas ruins dentre as milhares que você tem acesso provam que a maioria é ruim sim, ou mesmo para perguntar se Sally é ruim (não, é teimosa mesmo…): somir@desfavor.com

 

SALLY

Os bons são maioria? Sinto muito informar que não. Boa tentativa da Coca-Cola de empurrar esse slogan idiota goela abaixo de seus consumidores, adoraria que fosse verdade, mas não é.

Preciso provar meu argumento? Olhem para o mundo em que vivemos, parece mesmo que os bons são a maioria no estado em que chegaram as coisas? Os que se fingem de bons (e alguns enganam até a eles mesmos) são maioria. Os que se acham bons (mas não são) são maioria. Os bons de verdade não são maioria.

Os bons DE VERDADE são minoria quase extinta. Os bons MESMO, aqueles que se comportam de forma exemplar mesmo quando não tem ninguém olhando, mesmo quando ninguém vai saber, mesmo quando não terão qualquer benefício com isso… estes bons são minoria.

O que tem muito por aí é babaca querendo pagar de bom. Estes são maioria absoluta. Gente que adora tirar onda de bondade mas se colocar uma câmera no seu rabo 24h por dia e filmar tudo que fala e faz, os atos com certeza acabarão contradizendo seu discurso. Tá me achando pessimista? Tá me achando azeda? Então faça o seguinte exercício: pense em quantas pessoas verdadeiramente boas você conhece e depois pense em quantos filhos da puta escrotos você conhece. Quem é maioria?

Sinceramente, muito me admira o Somir tendo tanta fé na humanidade. Acho que é mais amor pela Coca-Cola do que qualquer outra coisa. Tente lembrar de quantas coisas boas já fizeram para você. Pensou? Agora pense quantas coisas escrotas, mesquinhas, filhas da puta e egoístas já fizeram com você. Quais são maioria? Vale lembrar que no comercial, “os bons” estão bebendo Coca-Cola. Talvez fosse melhor mudar o slogan para “Os burros são maioria”, porque não tem outro nome para chamar quem bebe esse desentupidor de pia com gosto de remédio, que de quebra, ainda faz mal para a sua saúde.

Não vamos confundir as coisas. Eu acredito no poder da bondade. Eu acho que quem vive sacaneando os outros acaba se fodendo pela lei do retorno, mais cedo ou mais tarde. Eu acho que vale a pena fazer o bem mesmo sendo minoria e que ser minoria não é motivo para desistir, muito pelo contrário, é motivo para tentar mais do que nunca ser bom. Mas nada disso apaga que os bons são minoria. Eu não gosto que seja assim, eu não quero que seja assim, mas as coisas são como são, não como a gente queria que elas fossem.

Às vezes me parece que o fato de falar as coisas como elas são faz algumas pessoas pensarem que você gosta que elas sejam assim. Conseguir ver a verdade não quer dizer automaticamente concordar com a verdade. Conseguir ver a verdade é apenas um primeiro passo para modificar essa verdade. Se eu achar que a verdade é algo menos desagradável, a realidade não se transforma só porque eu passei a me enganar. Muito pelo contrário, enquanto eu me enganar, as chances de algo mudar diminuem.

Tem que ver também qual é o conceito de “bons”. Porque o meu conceito de “bons” é extremamente exigente. Isso é muito pessoal. Tem gente que basta não bater, não matar e não roubar já acha a pessoa boa. Para que eu inclua alguém como “bom” tem que ter caráter, ética, palavra, coerência e outros predicados. Quero dizer que não basta apenas não ser um tremendo de um filho da puta para ser considerado “bom”. Defeitos todos temos, mas nem todos somos sem caráter, sem ética, sem coerência…

E se você está pensando que os maus são apenas uma minoria com poder, que o povão no geral é muito bom, pense novamente. É mulher ficando com namorado da amiga, é sócio passando a perna em sócio, é pobre roubando de pobre, é prestador de serviços mentindo e enganando, é gente derrubando colega no trabalho, é gente fazendo fofoca destrutiva da vida dos amigos… é tanta merda que não caberia nem nos três anos de blog! Não são apenas os políticos e empresários que fazem merda, o povo também faz. Só que quando o povo faz ninguém fica sabendo, pois seu potencial lesivo é pequeno, afeta só os envolvidos.

Até os espíritas, os religiosos que eu considero mais otimistas, que dizem que estamos aqui para melhorar e evoluir. Que a Terra nada mais é do que uma “punição”, um “mal necessário” para a evolução. Pois é, os bons de verdade já cumpriram sua missão aqui e raramente dão as caras de volta, só em situações excepcionais. Até os espíritas admitem que por aqui só tem sangue ruim, salvo honrosas exceções. Vai ver os bons estão mesmo em um mundo melhor do que este, porque aqui o que eu vejo é pobreza, desigualdade, maldade, doença, guerra, sofrimento, ambição e cobiça. Claro que de vez em quando se vê a bondade pura, mas, repito pela milésima vez, ela é minoria.

Olhe à sua volta. Você vê bondade na maioria das pessoas? O mais perigoso desse argumento dos bons serem maioria é o conformismo que traz embutido: os bons não maioria, então, no fim, tudo vai dar certo. Alimenta uma esperança FALSA. Os bons não são maioria porra nenhuma e se a gente não tiver plena consciência disso e não começar a arregaçar as mangas para reverter esse quadro, a coisa vai ficar ruim para o nosso lado.

Em que mundo fantasioso e cor de rosa alguém tem que viver para acreditar que os bons são maioria em um lugar onde crianças morrem de FOME, em um lugar onde praticamente uma mulher é estuprada por minuto, pessoas torturam pessoas, onde pessoas matam umas às outras por motivos ridículos, onde infidelidade é regra nos relacionamentos, onde espancam mulher e criança dentro de casa, onde a maior parte das pessoas se entorpece com substâncias lícitas ou ilícitas para poder suportar suas vidas… onde acontece tudo isso e muito mais! Se os bons são maioria, porra, eles estão escondidos em algum lugar. Alguém me avisa onde é que eu quero morar por lá!

O ser humano precisa melhorar MUITO. Estamos aqui tentando, mas somos falhos, corrompidos, egoístas, nocivos (muitas vezes até com nós mesmos). Não vamos nos enganar. Os bons não são maioria. Bom não é aquele que pratica mais o bem do que o mal no cômputo geral, bom é aquele que, por seu caráter, é incapaz de praticar certas coisas ruins. Quantos de nós tem essa trava ética que impede de cruzar uma linha da maldade? Poucos.

É mais confortável e menos assustador pensar que os bons são maioria, mas eu prefiro viver em uma verdade incômoda do que em uma mentira super confortável.

Obs: Eu considero Somir um dos bons

Para dizer que minha última frase minou a credibilidade de todo meu argumento, para meter o malho no Somir mesmo sem ter nada a ver com o texto porque não suporta me ver elogiando-o ou ainda para dizer que que os bons não são maioria e ainda estão extintos: sally@desfavor.com

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