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Ele disse, ela disse: Salta Ceia.

| Desfavor | | 36 comentários em Ele disse, ela disse: Salta Ceia.

As festas vão se aproximando, e com elas as tradições comercial-cristãs do Natal começam a entrar em voga na vida de todos. Inclusive dos ateus. Enquanto alguns não se importam de fazer parte do jogo, outros acham uma tremenda incoerência. Um peru para quem adivinhar qual ateu pensa o quê aqui no desfavor.

Tema de hoje: É hipocrisia ateu participar de ceia de Natal?

SOMIR

Sim, até por causa da postura que se acaba tomando ao se considerar ateu. Já disse e repito que ateísmo não é clubinho e que não existe nenhuma presunção sobre inteligência ou ética automática só pelo fato de não acreditar em deuses. O cidadão pode ser ateu e acreditar em cura por cristais, por exemplo.

Mas a partir do momento em que você se posiciona contrário às crenças da grande maioria da humanidade, não dá só para usar a carta da “minha opinião”. Do ponto de vista do ateu, uma pessoa rezando e uma pessoa levando para passear um cachorro imaginário (com coleira arrastando no chão e tudo) estão fazendo basicamente a mesma coisa.

E mesmo que esse ateu tenha a decência de compreender que não existe uma hierarquia obrigatória de capacidade intelectual entre ele e o religioso, ele ainda está enxergando um aspecto da realidade desabonador para o crédulo. E isso é uma coisa que marca o ateu com o passar do tempo, gerando a visão “Animal Planet” para qualquer ritual ou tradição religiosa a qual se faz testemunha.

Você pode até entender como as pessoas acabam acreditando nessas maluquices, existem estudos interessantes explicando que religião é um “bug esperado” no cérebro humano. Um subproduto da incrível capacidade de empatia e imaginação. Agora, mesmo entendendo, não dá para desligar aquela parte da sua cabeça que diz que não faz a porra do menor sentido.

Você ainda pode e vai formar relações, algumas de extremo afeto, com pessoas que enxergam a realidade a partir desse “bug”, mas é importante explicar que ser ateu não é um caminho. É uma linha de chegada. Quer dizer que acabou essa palhaçada de “busca espiritual” e que o tempo livre pode ser usado para coisas mais bacanas, como aprender sobre o mundo ao seu redor (ou encher a cara e fazer merda… não existe caminho pré-definido).

O cérebro aplica o “patch” contra esse defeito específico e ele não retorna. Eu nunca acredito em quem diz que virou ateu e depois se converteu para alguma religião, existe um ponto sem volta depois de realmente pensar sobre o assunto…

E o que isso tem a ver com a porra da ceia de Natal, você deve estar se perguntando…

Bom, da forma como eu vejo as coisas, ser ateu e participar ativamente de rituais e cerimônias de fundo religioso é ainda mais escroto e arrogante do que dizer que elas são ridículas e que todo mundo que as faz tem o cérebro bichado. Se uma pessoa como eu fica no meio de um bando de pessoas rezando, ou eu participo e torno inevitável o escárnio (mesmo que inconsciente), ou eu fico parado, evidenciando minha visão sobre quão malucas são essas pessoas.

É a mesma coisa que lidar com uma criança que afirma ter visto um unicórnio mágico. Se você entra na jogada, está brincando com ela. Se você ignorar, ela pode ficar chateada ou exagerar para chamar sua atenção. Como é saudável e esperado que crianças baguncem um pouco a linha entre realidade e imaginação, pode ser até positivo entrar na dança.

Agora, se um adulto te diz a mesma coisa sobre o unicórnio mágico, alguma coisa não está funcionando como deveria na cabeça dela. Concordar com essa pessoa é no mínimo preguiçoso. Sendo que em boa parte das vezes é sacanagem mesmo. Com adultos, essa brincadeira de faz-de-conta deve ser tratada com muito mais cuidado.

Eu não respeito a religiosidade de outras pessoas, mas eu posso respeitar as pessoas. Se não adianta explicar que o unicórnio mágico não existe, que pelo menos eu não transforme isso num deboche ou numa desavença.

E o que religião tem a ver com a ceia de Natal? Ok, quase todas as tradições natalinas são puramente comerciais, mas não podemos ignorar que o feriado é cristão e que vivemos numa parte do mundo infestada deles.

Você quer mesmo comemorar o nascimento de Gezuiz com alguém
que acha mais provável que o Zumbi Judeu é uma coleção de histórias de vários profetas malucos condensadas numa personalidade mais comercial… Vai comemorar o Natal com quem acha que religião deveria ser tratada como transtorno mental passível de tratamento? O que diabos eu estaria fazendo na ceia de Natal além de encher a cara de comida e achar tudo ridículo?

E esse lance de reunir família… Boa parte dessas famílias que se unem no Natal se detestam mesmo. Para quem não compra essa história de “época do perdão”, é ainda mais desabonadora a visão que se tem dos que comparecem com uma expectativa infantilóide de comunhão só por causa de um número no calendário. Perdão é mérito, não obrigação.

E vou além, depois que a minha infância acabou, acabaram as possibilidades de presentes baratos que eu mesmo não possa comprar se quiser. Acho brega dar presentinho por causa de ranço de tradição religiosa. Ou faria de coração em qualquer outra época do ano, ou é babaquice ritualista.

E por fim, acho MUITO BABACA ir para um lugar onde você SABE que vai achar ruim e ainda ficar reclamando. Então sim, acho hipocrisia participar de algo mala e religioso por natureza, considerando que eu teria que fingir estar achando bacana ou estragar o momento para quem acredita nessa pataquada toda (experiência no assunto…).

Para dizer que está esperando seu convite para a grande ceia do Dia da Mentira na República Impopular do Desfavor, para me chamar de extremista ateu (wat), ou mesmo para dizer que comparar assistir religioso com o Animal Planet é ofensivo (para os animais): somir@desfavor.com

SALLY

É hipócrita por parte de um ateu comparecer a uma típica ceia de natal? Não, não necessariamente.

A razão que leva a pessoa a este rito religioso pode ser de ordem alheia à religião. Pode estar lá para rever pessoas queridas ou apenas para se divertir. Infelizmente Somir não consegue conjugar a idéia de pessoas queridas com pessoas católicas, porque quem não pensa como ele é burro, idiota e não merece atenção, mas eu consigo ver um lado positivo nas pessoas, independente de suas religiões.

Ceias de natal típicas costumam ter rituais católicos: se reza, existem figuras decorativas da religião católica e coisas do tipo. Não vou dizer que é agradável, porque não é. Fazer cara de paisagem porque não sabe rezar uma Ave Maria ou um Pai Nosso desperta uma cara de bullying silencioso nos presentes. Mas, quem se importa? É o tipo de programa que você vai sabendo que acontecerão momentos meio chatos (como quando ligam a TV para ver o Papa falando) mas mesmo assim topa porque crê que no cômputo geral valha a pena.

Não é o meu caso, que tenho ateísmo de berço, mas pessoas com pais e avós religiosos podem querer estar perto dos entes queridos nessa data. Não é hipócrita querer estar perto da sua família, pois o sentimento de afeto por aquelas pessoas é verdadeiro, e é ele que te une a elas na ceia e não a religião. Existindo um sentimento verdadeiro que justifique o comparecimento a aquele evento, não vejo como falar em hipocrisia. O fato de estar lá não quer dizer que você tenha que participar da parcela religiosa do evento.

Talvez se o ateu for espírito de porco e for na cerimônia só para fazer merda e debochar, possa ser chamado de hipócrita, afinal, se não gosta, não vá. Mas, se a pessoa matem a civilidade, mesmo não acreditando nos rituais religiosos que está presenciando, está dentro dos limites éticos. O fato de entrar em uma Sinagoga não te faz judeu. O fato de usar uma guia não te faz pai de santo e o fato de estar presente em uma ceia de natal não te faz católico. Não há razões para esse radicalismo.

Hipocrisia é pregar uma coisa e fazer outra. Indo a uma simples ceia de natal você não deixa de desacreditar em Deus. Você não está lá para louvar um Deus nem para fins religiosos. Você está lá para passar uma noite com seus amigos ou parentes (ou ambos), por gostar dessas pessoas. Se, para eles tem caráter religioso, para você não. Se comparecer a cerimônias religiosas católicas te tornasse católico, ateu não poderia ir nem a casamento nem a batismo.

As coisas tem a importância que a gente dá a elas. Pouco importa a que título é feita aquela cerimônia. É um jantar bacana com pessoas bacanas. Tire o melhor da situação. Catolicismo não é vírus, não contamina nem passa pelo ar ou pela comida. Quem vai a uma festa GLS (ou quantas siglas estejam de moda usar hoje em dia) vira homossexual por causa disso? O Homem que acompanha a esposa ao ginecologista vira mulher?

Vamos combinar também que hoje em dia ceia de natal virou um mega-evento mundial praticado por pessoas de diversas religiões. Em muitos casos até transcende a religião. Dia 25 de dezembro é feriado nacional em vários países, inclusive aqui na República Impopular do Desfavor, onde se comemora o Dia da Mentira. As pessoas se reúnem mesmo. Quem quiser que se reúna voltado para religião, quem quiser que encare o programa como mero lazer.

Não comparecer a uma ceia de natal seria como dizer que você não vai se misturar com aquelas pessoas quando elas estiverem realizando cerimônias de suas religiões. Isto é feio, mesquinho e preconceituoso. Mostra uma grande falta de consideração por quem te convidou. É arrogante preferir estragar a noite de um ente querido a fazer cara de paisagem e se manter alheio a uns poucos rituais idiotas sem qualquer importância para você.

Sim, essa é a palavra-chave: importância. Eu não dou a menor importância para religião. Por isso não sigo nenhuma e não deixo que nenhuma me incomode. Se incomodar com religião a ponto de deixar que ela determine onde você vai e onde você deixa de ir é dar tanta importância quanto os próprios religiosos dão.

Façamos um exercício de imaginação: se o seu filho te chama para brincar com ele no quarto dele mas avisa que tem um dragão azul atrás do porta, que você sabe ser inexistente, você se recusa a entrar no quarto apenas por não acreditar no dragão azul? Não. Pessoas normais não se incomodam para aquilo que acreditam não existir. É simplesmente irrelevante.

Não custa nada rever pessoas queridas (se de fato forem realmente queridas) e ignorar quando for inserido no contexto qualquer ritual religioso. Faz tempos que o ritual religioso ficou em segundo plano na ceia de natal, basta ver as pessoas bêbadas falando palavrão para constatar isso. Estes sim são os hipócritas! Aqueles que se xingam o ano todo, falam mal uns dos outros, pregam uma religião da qual não seguem os preceito e uma vez por ano querem posar de bonzinhos e impor perdão a tudo e a todos.

É burrice ser rígido a ponto de não poder estar debaixo do mesmo teto onde estão entes queridos, só porque eles estão praticando algum ritual religioso.

A rigidez é apenas a outra face do fanatismo na moeda da intolerância.

Para fazer algum trocadilho com peru, para dizer que o público alvo deste texto está em extinção ou ainda para parabenizar o vasco por MAIS UM vice-campeonato: sally@desfavor.com

Comentários (36)

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