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Plantão Desfavor: Na chón! II

| Sally | | 120 comentários em Plantão Desfavor: Na chón! II

Olhem bem para esta imagem, porque em poucas semanas ela será esquecida.

Aviso: Esta postagem está propositadamente ofensiva. Se você tem entes queridos envolvidos no desabamento dos prédios do Rio de Janeiro, sugiro que não leia pois vai trazer ainda mais dor. Não, não é sadismo, não quero provocar dor em ninguém. É que algumas coisas precisam ser ditas para que as pessoas tenham dimensão do que aconteceu.

Impressionante como em questão de horas a coisa muda. Já retiraram cinco corpos dos escombros, apesar de que a Defesa Civil mudou de ideia e diz que são 3 corpos (spoiler: estão achando partes de corpos, o que dificulta os critérios de contagem), 6 pessoas estão feridas e hospitalizadas e, até onde se tem notícia, 21 famílias buscam por pessoas desaparecidas. Ah sim, o prédio tinha mesmo DEZOITO andares, como a gente noticiou aqui ontem, não 12 nem 21 como os sites com centenas de repórteres para cobrir notícias divulgaram. E, antes que eu me esqueça, um terceiro prédio menor, com quatro andares, desabou sim, ao contrário do que diziam ontem. Tudo que a gente falou ontem se confirmou. Portais de notícias: CONTRATA EU!

Fiz questão de ir até o local, porque nada como bater um papo olho no olho com populares para obter informações privilegiadas. Logo na saída do metrô eu e várias outras pessoas simplesmente ficamos paralisados. Muita gente, inclusive eu, começou a chorar. O cheiro que se sente no local é indescritível. Um cheiro de cimento misturado cheiro de queimado e com outros cheiros que não sei narrar. O cenário é de desolação. Parece que jogaram uma bomba atômica no local. Vendo aquela cena a gente visualiza como a vida humana vale merda para esses filhos da puta.

No local, bombeiros, agentes da Prefeitura, funcionários de diversas Secretarias e todo tipo de agente público se entreolham com um misto de vergonha e medo. Centenas de pessoas que apensa fazem figuração para tentar fazer parecer que se importam, mas que na prática não conseguem fazer nada. O Secretário de Estado de Defesa Civil comenta que as chances de encontrar alguém com vida são muito pequenas. Um Fulano da Prefeitura comenta baixinho com o outro: “isso não podia ter acontecido agora…”. Atentem para o AGORA. Se fosse em uma outra época, não tão próxima das eleições, podia acontecer, né? Parentes dos desaparecidos choram e gritam sem parar e ouvem que não se pode fazer nada. Quem está trabalhando de verdade são os quatro cães farejadores que procuram por sobreviventes.

Eduardo Paes está tentando desesperadamente negar a questão do vazamento de gás. Moradores afirmam que o prédio vinha apresentando um cheiro forte de gás e que teriam tentado agendar uma vistoria da CEG no local diversas vezes, mas que os técnicos sempre faltavam. Eduardo Paes diz que o prédio caiu por danos estruturais. Como ele pode descartar o vazamento de gás? Se não havia vazamento de gás, porque solicitaram uma vistoria para CEG? Que falta de humildade, hein? Que tal um “vamos apurar” ou “vamos fazer de tudo para descobrir a causa”? Não, ele quer meter a culpa na obra, para não se sujar. Está tentando jogar a culpa na tal obra que faziam no prédio, que segundo ele, seria “ilegal”. Livrou o Poder Público mas meteu a trolha no CREA. Ano de eleição, sabe como é.

O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA, por sua vez, disse que as obras realizadas no prédio eram “ilegais”, na verdade, ele quis dizer “irregulares”, pois não possuíam nenhum registro do CREA. Vale bosta para mim essa declaração, já vi o CREA fazer coisas que até o diabo duvida. Fácil afirmar isso quando o prédio desaba. Acompanha comigo: pessoa registra a obra no CREA, uma cópia fica com o CREA, outra cópia com a pessoa. O registro que está com a pessoa deve ficar no local da obra, para o caso de bater uma fiscalização. O local da obra desaba e vira uma pilha de escombros, o CREA destrói o registro e diz que ele nunca existiu. O dono da obra, se estiver vivo, não vai ter como provar que a obra foi registrada, uma vez que é certo que sua cópia estava no local que desabou. Já vi isso acontecer mais de uma vez.

Daí vai o CREA e passa adiante a responsabilidade, mas não sem antes meter uma trolha de volta na Prefeitura. Danos estruturais são improváveis, diz o CREA. Explica afirmando que era um prédio muito antigo, feito em uma época onde não se economizava com material e por isso seria muito resistente. Além disso, por falta de recursos técnicos à época da construção, ela era feita com uma margem grande de segurança, ou seja, para perfurar uma viga por erro humano a cagada teria que ser enorme. O CREA aposta que foi um “fator externo”. É preciso passar a responsabilidade adiante! Será que “fatores externos” seria um vazamento de gás? Estaria o CREA devolvendo a culpa para Eduardinho? O Presidente do CREA disse com todas as letras que não descarta o vazamento de gás.

Não se trata de uma busca desesperada para encontrar culpados. Apenas gostaria que desta vez, só desta vez, o filho feio não ficasse sem pai. Qualquer que seja a causa, a responsabilidade será de alguém. Ainda bem que não estava chovendo, se não iam culpar a chuva, como fizeram no Bumba, e ia mais uma desgraça para a conta de Deus. Pela cara dos agentes públicos que estavam lá, todo mundo tem sua parcela de culpa. Estavam todos se cagando de medo, cochichando, combinando o que iriam dizer à imprensa. Sim, eles são amadores o suficiente para fazer isso.

Medonho ver o que antecede a uma entrevista na TV. O agente público que será entrevistado passa por um ensaio com seus assessores, recita um textinho do que vai dizer, é corrigido. Sua postura é coreografada. Mandam que coloque a mão ali, que vire o rosto de tal jeito. É tudo falso. Tudo que vocês estão vendo na TV é falso e ensaiado para passar credibilidade e bondade. As pessoas à sua volta estavam desesperadas demais para reparar nesses detalhes, mas, sabe como é, tem sempre uma filha da puta que vai lá só para fiscalizar a atuação do Poder Público.

A área está toda coberta por uma névoa. Apesar de estar cheia de gente, tem momentos de um estranho silêncio. Parece que tem mais prédios prejudicados. Outros edifícios nas proximidades estão sendo evacuados. A questão é: estão sendo evacuados porque precisam da área livre para resgatar as vítimas ou estão sendo evacuados porque o cu da Prefeitura piscou e ela resolveu dar uma olhada na condição dos imóveis no local? Eu voto na segunda opção, pois muitos ficam relativamente distantes do local do desabamento. Oficialmente os prédios em volta estão interditados para não atrapalhar as buscas, mas várias pessoas, inclusive um engenheiro do CREA, me disseram que não é esta a razão, que eles também estariam correndo risco de desabamento.

Curioso foi o ajudante de obras contando como se salvou. Disse que estava saindo do elevador, no nono andar, quando começou a sentir o prédio tremendo e desabando. O que ele fez? Voltou para o elevador. O elevador despencou com ele dentro mas acabou protegendo-o e ele se salvou. Sabe aquela história de nunca usar o elevador em situações de desastres? Esquece, se você achar que o prédio vai desabar, entre no elevador. Fica a dica, que eu espero que vocês nunca usem. Ele simplesmente puxou o celular, ligou para um dos amigos do lado de fora e disse “Fulano, eu estou no elevador” e foi resgatado. Não sofreu nenhum ferimento. Escada meu ovo! Nunca mais sigo essa maldita orientação de usar as escadas. Quem usou escada virou patê.

Conversar com os parentes das vítimas e dos desaparecidos é praticamente insuportável. O sofrimento de pensar que alguém que você ama está soterrado, morrendo aos poucos só não é pior do que ter que ficar parado na beira dos escombros ouvindo seres humanos desesperados gritando por socorro debaixo daquele entulho e ver que os bombeiros não estão conseguindo efetuar o resgate. A coisa está tão feia que tem até incêndio nos escombros. O Rio de Janeiro está de luto. Você não tem a real dimensão do que está acontecendo. Fico me perguntando o que teria acontecido se esses prédios tivessem desabado em horário comercial.

O Instituto de Hematologia do Rio de Janeiro – Hemo-Rio montou um posto para doação de sangue no shopping Downtown e fez apelo para que se doe sangue “para as vítimas dos desabamentos dos três prédios”. Assim, sem querer desmerecer o trabalho do Hemo-Rio que sempre se mostrou muito sério, mas… são SEIS vítimas. Eu entendo iniciar campanha para doação em um grande desastre com dezenas ou centenas de vítimas, mas porra, SEIS FUCKIN´ PESSOAS não cheira mais a “vamos aproveitar a comoção para encher o banco de sangue”?  Até tu, Hemo-Rio? Que vergonha… Todo mundo quer se dar bem. Só eu que não tiro uma casquinha dessa tragédia e continuo aqui trabalhando de graça!

Daí vem o momento CADE SEU DEUS da postagem. O número de pessoas que estão repetindo frases escrotas e insensíveis com o nome de Deus está me enojando. “Estamos desprotegidos, só Deus para nos amparar”, “Foi Deus que fez o prédio desabar depois do horário comercial” ou ainda “Eu ia para a aula naquele prédio, mas faltei, foi Deus”. Estão querendo dizer o que? Que Deus virou as costas para quem estava lá dentro? Bacana esse Deus, hein? Cuidado, amanhã ele pode virar as costas para você!

Chega de dizer essas merdas, isso sim é ofensivo, e não piada de “comeria ela e o bebê”. Se você perdesse um ente querido nessa tragédia e ouvisse um imbecilóide dizendo que “foi Deus” que fez o prédio desabar naquela hora não ficaria nada feliz. Deus não tem nada a ver com isso, isso é obra de corrupção e descaso do Poder Público. Se você quer pensar que foi Deus quem te salvou, então se pergunte porque esse mesmo Deus deixou morrer mais de vinte pessoas. Será que elas mereciam salvação menos do que você? Sério mesmo, parem de falar em Deus. Se o seu Deus fosse tão bom, não tinha deixado o prédio cair ou ao menos ele teria caído sem ninguém dentro. Não é porque VOCÊ se salvou que Deus é bom, seu egoísta filho da puta!

O que vai acontecer é previsível, aquele clássico jogo de empurra: explosão de gás x dano estrutural x culpa da obra. Quer saber? Devem ter sido os três. O problema é que essas investigações demoram e quando sair o laudo, meses depois, a revolta das pessoas esfriou. Dentro de semana ou meses sai uma notinha no canto do jornal, mas ninguém vai ler, porque vai estar todo mundo pulando carnaval, fazendo marcha da maconha, marcha das vadias ou qualquer protesto de cunho pessoal. Apensas as famílias diretamente afetadas vão se indignar. Burrice, pois prédio desabando é um risco que afeta a todos, amanhã pode ser o seu. Uma pena que não tenha morrido nenhum famoso, nenhum filho de político, nenhum filho de Eike Batista. Porque no Brasil a importância da vítima e a repercussão do evento estão atrelados à conta bancária.

Quero falar também de algumas vítimas que não perderam suas vidas mas que perderam muito. Não podemos esquecer que pessoas trabalhavam ali. Quem sobreviveu perdeu seu trabalho. Muitas pessoas me contaram que compraram uma sala no prédio com as economias de uma vida para abrir seu negócio próprio: um escritório, um curso etc. Perderam tudo. Perderam seu local de trabalho, seus instrumentos de trabalho e todo o material de uma vida de trabalho. Eu sei que isso não é tão grave quanto perder a vida ou a vida de um ente querido, mas não é pouca coisa não. Imagina se alguém explodisse seu local de trabalho, todos os seus instrumentos de trabalho e toda a sua produção de uma vida toda.

Estas pessoas serão indenizadas. Mas… quando? E em quanto? E até lá, vão viver como? Pergunte às vítimas do Palace sobre a espera por uma indenização nos tribunais do Rio de Janeiro. É por isso que eu sempre digo aqui que o Judiciário não é para picuinha, só deve ser levado ao Judiciário  uma causa séria impossível de resolver entre as partes. Mas neguinho quer levar tudo para o Judiciário: cada vez que se sente ofendido entra com uma ação, briga com o vizinho e entra com ação… até quem dá um chute em cachorro estão querendo levar para o Judiciário (Te dou uma dado? Muito mais eficiente estipular multa do que criminalizar com a “Lei Lobo”, pois pena inferior a 4 anos não dá cadeia e ninguém vai estipular uma pena acima de 4 anos para quem bate em bicho). Enquanto isso, pessoas que realmente precisam do Judiciário se fodem aguardando por anos um direito que era para ontem.

Três prédios, um de 18 andares, um de 10 andares e um de 4 andares. Calculem o número de pessoas afetadas. Mesmo quem não morreu, perdeu não apenas seu trabalho como também seus instrumentos de trabalho e toda a sua produção de trabalho de uma vida. Pagando um IPTU caro, um condomínio caro, um aluguel caro. Estas pessoas nem ao menos estão tendo o direito de se desesperar e se indignar publicamente. Uma mulher chorava aos prantos e quando fui consolá-la ela disse “Eu não posso nem chorar em público, se não fico parecendo uma ingrata, porque eu não perdi ninguém, mas perdi meu escritório”. Reprovação social dando as caras até na tragédia. Só pode chorar em caso de morte.

A imprensa internacional tomou conhecimento do desabamento. Claro, por fontes duvidosas, fazendo parecer mais uma fatalidade do que uma irresponsabilidade. Uma pena que a Republica Impopular do Desfavor seja de fato impopular. Fiz a minha parte e mandei cartinhas para os principais jornais, vamos ver se alguém vai publicar. Duvido. Ninguém se importa tanto assim com o Brasil.

Segundo me informaram no local, de forma extra-oficial (ok, não me informaram nada, eu que fiquei ouvindo acocorada em um canto) as buscas continuam até amanhã, depois disso oficialmente não haverá mais esperanças de encontrar alguém vivo e começa a limpeza da área.

Assim que tiver mais novidades que você não lê em grandes portais de notícias eu volto aqui. Pelo visto o assunto vai render. A postagem escatológica fica para amanhã.

Para dizer que as chances de eu encontrar uma bala perdida são cada vez maiores, para sugerir que eu não passe pela Av. Nossa Senhora de Copacabana ou ainda perguntar se eu autorizo o Somir a continuar com a RID depois que eu for assassinada: sally@desfavor.com

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