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Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 1: Respiração.

| Sally | | 51 comentários em Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 1: Respiração.

Durante muito tempo relutei em fazer esta postagem, porque acho que ela pode causar mais mal do que bem: ensinar as pessoas a prestarem primeiros socorros estimula um bando de Zé Ruela a brincar de “jogo da operação” com feridos que podem terminar ainda mais feridos depois de sua intervenção. Mas daí eu pensei: quem lê esta porcaria? Só gente alto nível. Porque gente que brinca de corta e cola com feridos não lê quatro páginas por dia, lê apenas 140 caracteres (onde metade é “kkkk”). Então, diante do público qualificado que cultivamos a ferro e fogo nestes três anos, Desfavor Explica: respiração artificial, popularmente conhecida como “respiração boca a boca”.

Daí você deve estar se perguntando porque merdas eu não fiz um texto sobre primeiros socorros no geral. Eu explico: porque ia ficar enorme ou então, para caber em quatro páginas, ia ficar superficial demais. Prefiro fazer um sobre cada procedimento bem explicado. Em breve soltarei outros sobre o tema, se for do agrado de vocês. Se não for, soltarei também porque o Somir vai me obrigar a desagradá-los.

Vamos lá. Deu merda. Alguém se machucou. Primeira providência é entrar em contato com as autoridades responsáveis: se o machucado estiver na rua ou em algum desastre como incêndio, acidente de carro ou similares você deve ligar para os BOMBEIROS (193) e se o ferido estiver em casa, para o SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (192). Ambulâncias de plano de saúde também devem ser acionadas, quem chegar primeiro leva. A ligação é gratuita, pode ser feita de qualquer aparelho, inclusive de telefones públicos e celulares sem crédito.

O ideal é não mexer na vítima e esperar pelo socorro. Mas, dependendo da situação, é necessário abrir uma exceção, e é justamente sobre essa exceção que vamos tratar hoje. A primeira coisa é tentar descobrir o que aconteceu: traumatismo, choque, queimadura, mal súbito, problemas fisiológicos, etc. Procure saber com o que você está lidando. Se a pessoa puder responder ou se alguém puder te dar esta informação, você pode pedir orientação por telefone aos bombeiros ou ao SAMU sobre como proceder até que eles cheguem ao local. Esta informação vai ser muito importante para que você saiba o quanto pode manipular a vítima sem causar-lhe ainda mais danos. Se comporte como gente, aproxime-se da vítima e explique que você vai tentar ajudá-la, peça para ela ficar calma, ainda que você ache que ela não possa te ouvir. Não saia metendo a mão nos outros sem avisar.

Primeiro cheque os sinais: respiração, temperatura, cor da pele, pupilas, pulso, batimentos cardíacos, pressão arterial. Procure passar suas impressões sobre estes sinais a quem está te orientando pelo telefone. Depois, se a vítima estiver consciente, pergunte o que esta está sentindo (enjôo, dor etc). Pode parecer um tanto quanto escroto e inconveniente perguntar a uma pessoa com uma faca enfiada na cabeça “Dóóói?”, mas se recomenda isto porque a audição é um dos últimos sentidos que apagam antes do cérebro entrar em colapso. Você pergunta não apenas para saber a resposta como também para saber se a pessoa está te ouvindo. Caso você pergunte e a pessoa não manifeste nenhuma reação, tente estimular a vitima pelo toque. A recomendação é que se cutuque de leve a região do esterno (leve fricção na parte de cima do peito, não vai sair metendo a pata com força, animal) para verificar se há reação, mas, bom senso, se a pessoa tiver ferimentos na área, favor cutucar outro lugar.

Então, temos duas opções: pessoa fodida porém respirando e pessoa fodida sem respirar. No caso da pessoa fodida respirando, se sua condição e seus ferimentos permitirem, tem que virar ela de ladinho (PSL – Posição de Segurança Lateral). Esta posição permite que a pessoa respire melhor e previne que ela se sufoque em caso de vômito. Mas atenção, ANIMAL, nada de virar alguém que possa ter uma lesão na cabeça, na coluna ou qualquer outro ferimento que possa ser agravado, caso contrário ela pode ficar Superman para sempre. Esta vítima pode esperar pelo socorro se estiver respirando e estiver com batimentos cardíacos fortes. Senta e espera ao lado dela, sempre atento para ver se a sua condição não vai piorar.

Vamos para a parte importante, que é a pessoa fodida que não está respirando. Se a vítima não responder nem à voz nem ao toque, é de se presumir que ela esteja inconsciente, em razão da total falta de reação muscular à dor. Em uma situação como essa não se pode esperar muito tempo, pois pode ser que o cérebro não esteja recebendo oxigênio. Verifique se ela está respirando: flexione a cabeça da vítima para trás (se isto não for agravar sua condição) e encoste seu ouvido na boca e nariz, enquanto observa o tórax. Tente perceber se há ar entrando e saindo e se o tórax se movimenta. Mas porra, bom senso. Não é para acocorar e ficar ali 40 segundos esperando um sopro de ar. Cada minuto é precisos. Deu cinco segundos e a pessoa não respirou? Mexa esse traseiro gordo! Caso constate uma parada respiratória, saiba que é o tipo de situação que não se pode esperar nem meio segundo. Até um nobody como você está autorizado a mexer, porque a outra opção é a morte.

Preste atenção: a partir do momento em que uma pessoa para de respirar, você terá SEIS FUCKIN´ MINUTOS, no máximo, para reverter esse quadro sem que ela fique com danos cerebrais. Se passar disso, provavelmente ela vai ficar meio Flávio Silvino. Se passar de dez minutos, é quase certo que ficará meio Diogo Mainardi, ou seja, morte cerebral completa. Por isso, é muito importante estar atento à respiração. Muita atenção ao próximo parágrafo, respiração artificial não é como nos filmes, faça direito se não você vai matar a pessoa. Eu disse SEIS MINUTOS, esperar não é uma opção. Se esperar você vai estar matando a pessoa.

Antes de começar a assoprar que nem um desesperado, você deve verificar se existe algo obstruindo as vias respiratórias (pedaço de dentadura, pedaço de comida, sangue ou qualquer coisa) ou quaisquer objetos que estejam na boca da vítima, tais como dentaduras, aparelhos ortodônticos, chicletes etc. Para isso afaste o queixo da vítima gentilmente do peito, deixando-o erguido e abra sua boca. Se houver iluminação suficiente, olhe. Caso contrário, apenas procure por algo com os dedos. Pressione a língua da pessoa para baixo e tente retirar o que quer que esteja lá.

Não fique esperando por um objeto grande, você não vai achar uma bigorna. Uma simples poça de saliva pode ser o problema. Tire tudo que encontrar. Mas atenção, certifique-se que a vítima não está tendo convulsões, caso contrário você vai ter que recolher seus dedos no fundo da goela dela. Pode ser que apenas removendo o corpo estranho ou reposicionando a língua e colocando a pessoa na posição correta ela volte a respirar sozinha. Se não voltar, prossiga. Não se esqueça, SEIS MINUTOS, nada de ficar esperando feito um bocó um minuto inteiro para ver se ela volta a respirar sozinha depois de cutucar a língua dela. É jogo rápido!

Agora que a vítima está com as vias aéreas desobstruídas, cabe a você salvar a vida dela. Afrouxe as roupas da pessoa, caso elas estejam muito apertadas na região do peito ou abdominal. Normalmente, em condições ideais, se usa uma “máscara de respiração”, para proteger o socorrista de contágio de doenças. Nunca se sabe com o que você vai ter contato metendo a sua boca na boca da vítima: vômito, sangue, saliva etc. Provavelmente você não vai ter esta máscara nas mãos. É uma decisão sua prosseguir ou não. Não é considerado omissão de socorro se você não fizer nada (apenas negue que soubesse fazer para prevenir).

Supondo que a vítima seja alguém que você quer salvar mesmo correndo riscos, você deve fazer o seguinte: deitar a vítima com a barriga para cima em uma superfície dura e lisa, que ofereça resistência e não se deforme com o peso do corpo do acidentado. Depois eleve o queixo da pessoa para abrir as vias aéreas (caso contrário você corre o risco de assoprar ar no estômago do infeliz), alinhando sua coluna e se possível mantendo-a imobilizada. Preste atenção porque o posicionamento correto é mais difícil e o mais crucial: o pescoço da vítima deve ser flexionado para trás, como se ela estivesse tentando colar a cabeça nas costas. Queixo para cima, nuca sai do chão, cabeça para trás.

Nada como sentir na própria pele para nunca mais esquecer. Deite de barriga para cima com o pescoço reto e respire pela boca. Agora jogue a cabeça para trás deixando o queixo para cima e respire novamente. Sentiu como fica mais fácil? Procure a posição na qual fica mais fácil respirar quando se joga a cabeça para trás deitado de barriga para cima. É isso que você vai ter que fazer com a vítima. Mas faça isso HOJE, não na hora do acidente. Lembre-se: SEIS MINUTOS.

Feche as narinas da vítima usando seu dedo polegar e indicador, abra a boca da vítima (é para abrir mesmo!), cole a sua boca na boca da dela de modo a não deixar nenhum buraquinho e sopre com força por duas vezes seguidas. É sopradão mesmo, daqueles de ter que tomar fôlego antes de soprar.Não venha pãodurar com oxigênio, cacete! Vai deixar a vítima meio Osmar Santos!

Olha, é para meter o bocão aberto, tipo beijo de casal apaixonado de novela. Não ouse fazer biquinho ou ficar com nojinho. Para dar certo tem que parecer que você quer engolir a outra pessoa. Você vai saber que está fazendo certo ao olhar para o peito da vítima. Se você assoprou que nem macho na posição correta, encheu os dois pulmões e o peito da vítima vai se elevar. Será o mesmo movimento que realizamos naturalmente ao respirar.

Afaste-se enquanto o ar sai naturalmente. Muitas vezes o ar sai pela boca, por isso é importante que você tire a sua boca da boca da vítima. Repita o processo, em média, 12 vezes por minuto, em intervalos regulares. Isso dá um assoprão a cada CINCO SEGUNDOS. Como você vai estar nervoso pra caralho, afasta, conta até cinco em voz alta, respira fundo e repete o processo. Não demore mais do que cinco segundos ou a vítima ficará meio Gerson Brener. Se não houver batimento cardíaco a respiração artificial deve ser alternada com massagem cardíaca, mas ela vai ganhar sua própria postagem.

Porém, podem ocorrer casos onde não seja possível fazer esta respiração boca a boca, como por exemplo situações onde a vítima está com a mandíbula quebrada ou lesões na boca ou qualquer outro problema que inviabilize o processo. Hora de partir para o plano B: respiração boca-nariz. Mesmo esquema da anterior, só que você manter as vias aéreas abertas elevando o queixo com a mão por baixo do maxilar, de modo a manter a boca da vítima fechada e a outra mão exercendo pressão na testa do acidentado. Você vai cobrir o nariz da vítima com a sua boca, assoprar durante um segundo e depois abrir a boca da vítima para permitir que o ar saia. É como encher um balão cheio de melecas. Nem tudo na vida são flores.

Obs: uma merda ter que falar isso, mas desgraça desconhece idade. Se a vítima for um bebê, a boca do socorrista deve cobrir o nariz E a boca do bebê e você deve ventilar (= assoprar) com uma freqüência maior: uma vez a cada três segundos se a vitima tiver até três anos de idade (neste caso, assoprando boca e nariz) ou uma vez a cada quatro segundos se a vítima tiver entre 4 e 8 anos de idade (assoprando boca a boca). No caso de crianças, você não deve fazer a respiração com força, pois uma pequena quantidade de ar bastará para encher os pulmões. Enquanto assopra, pressione delicadamente o abdômen da criança para impedir que o estômago se encha de ar e observe se os pulmões estão inflando. Não assopre demais nem em quantidade nem em força. Como a boca da criança é muito pequena, em alguns casos para desobstruí-la se indica virar a criança de cabeça para baixo e sacudi-la pelos tornozelos. Não, eu não estou de sacanagem, você tem poucos minutos, vale qualquer coisa que acelere o processo sem matar a vítima.

Ao longo do processo verifique se, em algum momento a vítima não começa a respirar sozinha. Caso comece, continue alerta, pois da mesma forma como recomeçou, pode “reparar”. Não saia do lado da vítima, fique de olho em sua respiração. Lembre-se: SEIS FUCKIN´MINUTOS. Se ela parar de respirar sozinha, reinicie o processo. Se o paciente receber respiração artificial nos primeiros DOIS MINUTOS que sucedem a parada respiratória, as chances de salvamento são de 90%. Por isso qualquer dois minutinhos que você sai para dar um telefonema podem ser a danação da pessoa que está nas suas mãos. O mundo à sua volta acabou, você vai ficar apenas em função da respiração da pessoa.

Como você terá poucos minutos para salvar a vítima, é sempre bom te deixar preparado para qualquer imprevisto. Se você fizer a respiração artificial mas perceber que os pulmões não estão inflando (você perceberá pelo movimento do tórax e da região abdominal), é sinal que as vias estão obstruídas. Na hora do estresse é comum que as pessoas se desesperem e fiquem tentando assoprar cada vez mais forte. Pare. Não vai adiantar. Pare e tente descobrir o que está impedindo o ar de entrar. Você já desobstruiu as vias respiratórias, pois foi a primeira coisa que combinamos aqui, portanto, é provável que a causa não seja um corpo estranho. Ainda assim, verifique novamente, pode ser que você não o tenha percebido. Caso não encontre nada, pode ser que a língua esteja atrapalhando o processo. Coloque a língua na posição correta e retome a respiração.

Importante: em caso de parada respiratória por substâncias ou gases tóxicos, nem sempre se recomenda a respiração boca a boca, porque ela pode acarretar o envenenamento do socorrista. Avalie bem a situação e quais são os riscos aos quais você está disposto a se expor por aquela pessoa. Se houver sinais de envolvimento de gás ou substâncias tóxicas pense duas vezes.

Se por alguma desgraça fuderosa não for possível fazer a respiração boca a boca em nenhuma das formas narradas, como é o caso de algumas queimaduras na face, por exemplo, existe um último recurso chamado Método Holger-Nielsen. É último recurso, mas existe. Você vai fazer o seguinte: deite a vitima de barriga para baixo com os braços dobrados acima da cabeça, cotovelos para fora e a cabeça apoiada nos braços de lado (posição de mulher pegando sol na praia, compreende? Posição de aluno dormindo durante aula chata, só que em vez de estar sentado, está deitado de barriga para baixo).

Coloque seus joelhos entre a cabeça da vítima e espalme suas mãos nas costas dela. Seu pulso deve ficar na altura da axila da vítima, mãos abertas, polegares tocando um no outro. Daí você joga o peso do seu corpo o suficiente para que a pressão faça o ar sair dos pulmões e depois pega os braços da vítima pelos cotovelos e puxe delicadamente para trás. Isto vai dilatar o peito e puxar algum ar para os pulmões. Repita a cada cinco segundos. E se não entendeu as instruções, deixa de ser Mané e gasta vinte segundos da sua vida procurando um vídeo no Youtube que mostre como fazer. Isso é muito mais importante do que muita besteira que a gente perde tempo vendo diariamente! É basicamente empurrar e puxar o pulmão pelo lado de fora do corpo.

Para finalizar, você também pode salvar seu animal de estimação realizando respiração boca a boca nele. Não difere muito da realizada em humanos, fora o fato de que você deitará seu animal de lado: desobstruir vias respiratórias, inclinar a cabeça para trás levantando-a um pouco, colocar sua boca no focinho do animal vedando saída de ar, assoprar até sentir que o pulmão inflou, recolocar a cabeça do animal alinhada ao corpo e pressionar delicadamente seu peito para que o ar saia. Repita entre oito a dez vezes por minuto. É provável que tenha que fazer massagem cardíaca também, por isso você deve deitar o animal sobre o lado direito. O coração dele fica logo abaixo da primeira “axila”, a da pata dianteira. TENTE, mesmo que não saiba bem como fazer, cães e gatos costumam responder surpreendentemente bem, mesmo quando é meio malfeitinho.

Voltaremos a falar no assunto em breve. Esta merda deveria se ensinada nas escolas. Em vez de aula de religião, um desfavor contra a biologia que fala sobre uma moça que engravidou virgem de um ser mágico, podiam ensinar a salvar vidas, já que o sistema de saúde público é um cocô.

Para dizer que não gosta de textos educativos, para dizer que não gosta de assuntos médicos ou ainda para dizer que não gosta de mim: sally@desfavor.com

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