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Somir Surtado: Beijinho.

| Somir | | 65 comentários em Somir Surtado: Beijinho.

Eu sempre fico numa situação difícil quando acabo de conhecer uma mulher. Culpa do maldito “beijinho social”. E não é aquela preocupação de quem manda pergunta para algum daqueles parasitas cretinos que trabalham como consultores de etiqueta, é aversão a essa maluquice toda mesmo. Sim, vocês estão lendo certo, este vai ser um texto reclamando do “beijinho”. Neurótico pride.

Vejam bem, encostar o rosto no rosto de uma mulher não é um problema em si. Nem mesmo se ela for feia (oinc). Meio segundo da minha vida. Mas não é meio segundo de vida que está em jogo. Ao contrário de muita gente, eu já formei uma opinião racional sobre as formas de cumprimento humanas. E decidi por bem não cumprimentar ninguém com essa babaquice de “beijinho”.

Quando você acredita numa coisa, ela não pode valer só para você. Eu acredito na santidade do meu espaço pessoal e em manter uma distância saudável da maioria das pessoas. Não gosto de quem me cutuca, de quem fala com o rosto grudado no seu, de quem fica pegando, de quem fala gritando… E por esse motivo, tomo cuidado redobrado para não ficar invadindo o espaço alheio.

Acho muito digno agir dessa forma, e da mesma forma que julgo outras pessoas baseada nesse respeito, acredito estar sendo julgado da mesma forma. Se eu fosse uma mulher, acharia terrível se cada pessoa que acaba de me encontrar tentasse enfiar a cara na minha. Acharia uma violação de espaço pessoal.

Sem contar que o beijinho ainda denota uma boa dose de infantilização feminina. Criança não tem espaço pessoal, criança é inofensiva, criança precisa de mais carinho… Sim, eu sei que em outras sociedades o beijinho é também ou exclusivamente masculino, mas vamos nos ater a que vivenciamos e é relevante para nossas interações sociais comuns. Acho uma forma de infantilizar a mulher e uma violação de espaço que não gostaria que ocorresse se fosse uma.

Além desses fatores, também existe a questão de ser um ritual ridículo. Quando é uma mulher que você mal conhece ou uma com a qual intimidade não faz parte da relação, não tem nem simulação de beijo, é um ritual de encostar bochechas! Não faz a porra do menor sentido! Um beijo afetuoso não deixa de ser um ritual, mas pelo menos ele expressa alguma coisa. Dar um beijo na bochecha de uma amiga querida ou na sua mãe, por exemplo, tem sua lógica. Encostar a bochecha numa mulher que você acaba de conhecer para fazer uma reunião de negócios é uma situação totalmente insólita.

Se não é para expressar afeto, um aperto de mão faz muito mais sentido. Sim, apertos de mão TAMBÉM são rituais, mas eles tem significados embutidos na postura das pessoas e na conexão “respeitosa” que geram entre as duas partes. Permitem o olhar, a comunicação não verbal relevante. O beijinho é antítese disso!

Posto isso, tenho como forma mais respeitosa de cumprimentar uma mulher “estranha” o aperto de mão. Mas é justamente aí que a teoria não se confirma na prática. Culpa de homens e mulheres. Eu já sei que em sociedades menos “latinas” e em lugares onde as pessoas estão mais acostumadas a agir feito gente, o beijinho já é algo estranho.

Mas, novamente, o que importa é onde vivemos. Eu tento fazer minha parte para erradicar essa babaquice das relações humanas, mas vivo tendo minhas tentativas frustradas por pessoas que acham isso normal ou tem receio de tomar essa postura.

Não sei se eu assusto as pessoas, mas eu percebo claramente que em muitas mulheres há a nítida intenção de quebrar com esse costume e começarem a ser tratadas feito adultas com um respeitoso aperto de mão, só que na maioria das vezes isso não funciona. Por culpa de sua falta de coragem de estender a mão e cortar a chance de beijoqueiros habituais, mas também por culpa dos MALDITOS que só sabem cumprimentar mulher assim!

Você quer fazer o que acha certo, mas fica completamente rendido por causa da borboleta social mais próxima decidir que precisa trocar pele morta do rosto com todas as pessoas que porventura estiverem portando uma vagina no momento… Não dá para estender a mão para uma mulher depois que ela já teve que dar beijinho em quinhentas pessoas na sua frente. Eu, que estou sendo racional e educado, vou acabar parecendo grosso e possivelmente passando uma impressão de rejeição para a pessoa.

E se alguém resolver puxar a carta da viadagem, já aviso que nem ligo. Dar a bunda é viadagem, pensar no que faz e tomar decisões baseadas em algo além de “todo mundo faz” é honrar a massa cinzenta dentro do crânio. Com raríssimas exceções (Balada Nunca Mais: O Retorno), eu nunca tive nojo ou receio de cumprimentar uma mulher assim, mas acredito no direito dela de sentir isso de mim sem precisar fazer uma cena por isso.

Homem quase nunca tem esse problema, mas mulher é mais sensível mesmo. Tem dias que até a sua namorada resolve que vai ficar estressada se você chegar muito perto (talvez tenha a ver com o estilo Siago Tomir de ser, mas…). Já conversei e expressei essa minha encanação com o “beijinho” para várias mulheres diferentes, e na média não tem muitas defensoras dessa forma de cumprimentar.

A maioria delas nunca pensou sobre isso (se bem que a maioria das pessoas nunca pensa sobre essas coisas…), algumas acham normal, outras acham abominável, mas quase nenhuma toma a postura de esticar a mãozona e cortar o barato de beijoqueiros por aí. Quando eu encontro uma que não DEIXA estranhos a cumprimentarem assim, eu fico positivamente impressionado. Me sinto menos sozinho no mundo.

Lembro de uma amiga que trabalhava como atendimento de agência de publicidade que me disse que achava o máximo quando homens a cumprimentavam com apertos de mão em reuniões de negócios. Questão de respeito pela sua imagem profissional ao invés de reação motivada pelo seu sexo. Não era horror por encostar bochechas, mas ela se sentia mais valorizada daquela forma.

Sim, entendo que soa um exagero um texto sobre isso, mas não é apenas o ritual, é a quantidade de concessões bestas que ele representa. É a ditadura do “todo mundo faz”, é a repressão silenciosa a quem não se interessa por mera coreografia social. Quem é articulado o suficiente para se fazer entender por ideias não precisa ficar fazendo macaquices para se comunicar e parecer “parte do bando”.

Enche o saco ser taxado de desajustado social ou fresco porque tomou a decisão de ir além de repetir convenções e agir da forma como gostaria que agissem com você. PRINCIPALMENTE num lugar apinhado de pessoas mal educadas como a sociedade brasileira. Quando falta a capacidade de entender o que se faz, a repetição e os rituais se tornam extremamente atrativos. Quem age diferente, independentemente da motivação ou dos resultados, acaba mal visto por tentar um padrão de convivência mais complexo do que pura imitação.

Quando eu trato do tema “beijinho”, eu não estou atribuindo a ele o caráter de doença, e sim de sintoma. Todos esses rituais estranhos que no final das contas nem agradam a maioria das pessoas são sinais externos de uma infecção de atraso e preguiça na nossa sociedade. Mas chega de tentar me fazer entender, se você ainda acha que eu estou falando só do ato de encostar bochechas com mulheres que acaba de conhecer, não acho que adiante muita coisa continuar teimando.

O fácil e o comum quando falamos de vida em sociedade tendem a criar o tipo de falta de noção e egoísmo que muitos de nós notamos no dia a dia. É gente que estaciona em fila dupla, é gente que fala gritando, é gente que deixa carrinho fechando corredor de supermercado, é gente que leva criança pequena em restaurante, é gente que puxa assunto quando você está lendo… Tantos comportamentos babacas bebendo de uma mesma fonte de preguiça de entender o mundo ao seu redor.

“Todo mundo faz, então não tem problema.”

Mas tem sim. Como ser social, TUDO o que você faz comunica alguma coisa. Se você não se der ao trabalho de PENSAR um pouco antes de fazer as coisas e se conformar com repetição de comportamento alheio, vai ser visto e tratado como mais um. E as pessoas se sentem muito mais confortáveis em agir de forma errada quando a vítima não tem rosto.

Na verdade este texto é uma declaração de independência. Espero conseguir mais alguns signatários, mas o importante é dizer que a partir de hoje eu estou cagando e andando oficialmente para qualquer crítica de frescura ou elitismo geradas por atitudes que eu considero mais educadas e respeitosas. (Eu sou muito respeitoso, até quando chamo todo mundo de burro… não concordar comigo é uma das maiores causas de problema da humanidade.)

Mesmo correndo todos os riscos sociais oriundos disso, me comprometo a partir de hoje a estender minha mão para mulheres da mesma forma que estendo aos homens. E faço um apelo para quem quer que esteja lendo: Não alimentem mais essa babaquice. É digno e muito mais atencioso não dar beijinho em recém-conhecidas.

E além disso, outro ponto positivo: Diminuem as chances de eu perder completamente o respeito pela pessoa que faz aquele barulhinho ridículo. Sério, se dar beijinho for mais forte que você, pelo menos pare com o barulhinho. Faz pessoas como eu ficarem com vontade de rir.

Chega de preguiça! Chega de beijinho! Eu não aguento mais a TPC (Tensão Pré-Cumprimento) toda vez que conheço uma mulher. E durante ainda tem a questão numérica… Pra mim é irrelevante quantos são o suficiente, um já é ridículo. Mas sempre tem a corna que quer três… Saco. Agora vocês sabem porque eu escolhi escrever na coluna Somir Surtado…

Aos seres humanos evoluídos que estiverem lendo: Favor assinar a declaração de independência nos comentários. (*grilos) Tudo bem que não vai resolver o grande problema, mas… pequenos passos.

Para me cumprimentar pela coragem de escrever um texto tão neurótico, para me mandar aquele beijo ou mesmo para dizer que finalmente sabe o que comentar num texto meu: somir@desfavor.com

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