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Somir Surtado: Curiosidade.

| Somir | | 81 comentários em Somir Surtado: Curiosidade.

Nem Bolt, nem Phelps, o verdadeiro testemunho da capacidade humana nesta semana está rodando lentamente sobre uma superfície marciana. “Curiosity Rover” é o nome do veículo automatizado explorando e mandando imagens de Marte para nós neste exato momento. Não é uma missão realmente pioneira, não vai curar o câncer ou terminar as guerras, como o próprio nome do robô diz, é uma missão baseada na curiosidade. E se você não compartilha dessa curiosidade, azar o seu.

Normalmente eu reclamo do baixo interesse do cidadão médio em feitos científicos, Sally e eu escrevemos uma coluna só para reclamar da falta de atenção para a descoberta do Bóson de Higgs faz pouco tempo. Mas dessa vez devo dar o braço a torcer, embora nem tanto assim em terras brasileiras, o pouso da Curiosity Rover em Marte conseguiu um feito de virar notícia e “burburinho” nas redes sociais, mesmo com a farta oferta de notícias e fofocas cretinas no cardápio da grande mídia.

Não que signifique que a humanidade ficou menos fútil da noite para o dia, além de um pouso extremamente complexo de uma máquina igualmente complexa a milhões e milhões de quilômetros da Terra seja um conceito divertido por si só, a noção das pessoas sobre Marte está começando a mudar. O planeta vermelho está começando a ficar perto. Perto como a Lua já pareceu quando começou a corrida espacial da Guerra Fria.

Dessa vez não tem um componente político tão poderoso, e Marte é… como posso dizer… longe pra caralho. A vantagem dessa vez é que a nossa tecnologia já avançou bastante, e mesmo com o orçamento apertado das agências espaciais ao redor do globo, o sonho de botar uma pessoa para pisar em solo marciano começa a ser algo plausível durante a vida da geração que atualmente tem meios de financiar uma missão do tipo. E isso faz diferença.

É até inocência esperar que a humanidade se mobilize em torno de algo que demore centenas ou milhares de anos para ser realizado. Até entendo quem acha bobagem tentar achar um planeta parecido com a Terra a milhões de anos luz de distância, não concordo, mas entendo. Nosso tempo como forma de vida consciente nesta rocha perdida no espaço é curto. Queremos ver resultados, queremos usufruir dos frutos dos nossos investimentos. Razoável.

A minha impressão é que desta vez as pessoas estão sentindo o cheiro de missão tripulada num futuro não tão próximo, mas pelo menos num futuro “vivo”. Marte tende a ficar cada vez mais interessante, até para quem não se interessa por “assunto nerd”. E fica cada vez mais claro que a Nasa já sacou isso. Dessa vez o rover tem câmera colorida (antes era preto e branco pintado no Photoshop aqui na Terra) e tem até conta na porcaria do Twitter! Fizeram ações como levar o nome de mais de um milhão de pessoas guardadas num chip do robô, lançaram um joguinho para o Xbox 360… Tanto fizeram que as primeiras imagens de Marte desta missão disponibilizadas no site deles foram acessadas por tanta gente que até o servidor caiu.

Não é só o resultado de necessidade de dinheiro e atenção da agência espacial americana, que, sem puxação de saco, deve ser a instituição mais bacana da história da humanidade até hoje, é também a noção de proximidade inédita. Logo logo deve sair o vídeo do pouso COLORIDO e em ALTA RESOLUÇÃO de uma máquina que pessoas mandaram para FUCKIN’ MARTE! (momento Sally, pero no mucho)

E se você estiver SONHANDO em dizer “Grandes merdas colocar um robô em Marte”, vamos fazer um Mini Desfavor Explica para tirar essa ideia cretina do caminho, ok? Os engenheiros da Nasa não comemoraram o pouso como se fosse gol em final de Copa do Mundo só pelo medo de serem demitidos, é um feito monstruoso.

Daqui até Marte, foram vários meses de viagem calculada nos mínimos detalhes. Sabe como é, os planetas tem o péssimo hábito de ficar girando ao redor do Sol… A missão é mirar onde Marte vai estar, o que depende de saber quanto tempo vai demorar para chegar. Pode parecer maluquice, mas acertar um planeta não é fácil. O Curiosity Rover saiu da Terra em Novembro de 2011 e chegou no dia 6 de Agosto deste ano.

Mas a coisa fica realmente incrível na hora de colocar o jipe-robô no solo marciano. Tem que sair do nosso planeta com tudo planejado perfeitamente, não tem como corrigir depois. O principal problema é… adivinhem? Marte é longe pra caralho. Até mesmo os sinais de rádio demoram para chegar. O equipamento todo já pousou ou explodiu na hora em que os engenheiros recebem a confirmação que começou o processo de ate… amartissagem.

Ao começar a descida rumo ao solo, tem que passar pela atmosfera. Mesmo que não seja densa como a da Terra, ainda sim gera atrito suficiente para fritar os delicados componentes eletrônicos que formam o equipamento. Por causa disso o Curiosity desceu com um escudo de calor, cujo único objetivo é isolar o conteúdo. Mas como esse escudo é muito pesado, ele começa a ser problemático na hora de desacelerar.

Um sistema automatizado tem que trabalhar perfeitamente, sem nenhum apoio humano, para fazer as coisas na ordem certa. Assim que o pior do calor da descida estiver vencido, é hora de soltar o escudo. Assim ele até pousa longe e evita riscos desnecessários.

Aí é hora de soltar os paraquedas e reduzir o máximo possível a velocidade de queda. O máximo possível mesmo… Não dá para desacelerar o suficiente só com o paraquedas, o Curiosity se estabacaria contra o solo, já que, novamente, a atmosfera marciana não é tão densa como a terrestre. O paraquedas é o próximo a se soltar, para também cair longe. Ninguém quer um monte de pano em cima do seu robô bilionário.

Depois, entra em ação um “esqueleto” montado ao redor do Curiosity, dotado de jatos que fazem o trabalho de desacelerar a queda o necessário para que o pouso seja macio. Mas isso ainda tem um problema: O combustível dos jatos não é eterno. Eles não podem ficar em cima do Curiosity depois que ele pousa, senão podem cair e causar um prejuízo daqueles… O “esqueleto voador” solta o equipamento e voa para bem longe. Tudo isso tem que ser feito numa coreografia perfeita e sem apoio humano nenhum. Quando o controle da missão ficou sabendo disso, o Curiosity já estava lá faz tempo. E até mesmo a comunicação não é tão simples como emitir um sinal de rádio para a Terra. A Nasa tem dois satélites em Marte, que pegam esses sinais e apontam para cá. Sem eles, a “janela” de oportunidade de comunicação se fecharia toda vez que o equipamento no solo estivesse no lado oposto do planeta. E planetas giram.

Então, grandes merdas uma vírgula, pousar aquele treco em Marte é um dos feitos mais complexos da engenharia humana. E cada foto que ele manda para cá é impressionante. Neguinho atualiza o Facebook com quinhentas fotos da “balada de ontem” e o Curiosity manda para cá as primeiras imagens coloridas de um planeta há milhões de quilômetros de distância. Até por isso eu não tenho vergonha de dizer que estou sim acompanhando o twitter “dele”.

Nota: Pena que a Nasa não armou para o robô mandar direto os tweets, seria espetacular receber uma mensagem de Marte. Quem sabe na próxima?

E se você está pensando também “Grandes merdas Marte, não tem nada lá”, mais um Mini Desfavor Explica.

Tudo bem ver o homem pisando na Lua deve ter sido um momento inesquecível para quem acompanhou (uma das poucas invejas que eu tenho de quem nasceu antes de mim), mas Marte é um outro nível de grandeza. É um outro planeta.

Apesar de Vênus chegar mais perto da Terra, Marte é o planeta mais próximo que conhecemos. Próximo em sentidos que vão muito além de órbitas próximas. A estrutura básica do planeta vermelho (que é avermelhado por ter muito dióxido de ferro na superfície) lembra muito a terrestre. Gravidade e atmosfera parecidas, se não na grandeza e na composição dos elementos, na mecânica básica.

Mercúrio é um “asteróide vitaminado” atacado impiedosamente pela proximidade com o Sol, Vênus está sempre coberto com densas nuvens de enxofre e sua superfície é um mistério, Saturno e Júpiter são planetas gasosos, e dali para frente, é basicamente só gelo (e mais gás). Marte tem um tamanho respeitável e se parece muito mais com o que entendemos por planeta habitável.

Por uma série de fatores, que estão bem documentados mas ainda não foram 100% elucidados, Marte parece não ter vida alguma. Por mais que mandemos sondas e robôs para lá com esse sonho, não é exatamente provável que alguma vida seja encontrada. Mas a ideia de que o planeta já abrigou alguma forma de vida, mesmo que microscópica, parece mais razoável. Existem vários sinais na superfície de que o planeta já abrigou água no estado líquido, e uma das missões da Curiosity é checar essa possibilidade.

E se você está pensando grandes merdas achar água em Marte, pense de novo. Mesmo que sejam reservatórios congelados no subsolo, isso permite uma vantagem logística enorme para a verdadeira cereja do bolo do interesse em solo marciano: A possibilidade de mandar gente para lá.

Atualmente até dá para mandar alguém para lá, só não dá para essa pessoa voltar *insira piada sobre sua sogra aqui*. Mandar uma nave com combustível para ida e volta ainda não é possível, mas uma das escapatórias é fazer o combustível da volta em solo marciano. Água ajudaria BASTANTE nessa missão.

Melhor, talvez se possa até “terraformar” Marte e criar uma segunda casa para a humanidade. A Terra não é só nosso lar, é nosso único barco num oceano pra lá de tempestuoso. Existem vários projetos e planos para fazer algo do tipo. Utilizando a possível água que existe por lá para reforçar a atmosfera e quem sabe até criar alguns oceanos. É mais difícil por causa da escala e distância do que pela tecnologia, mas pode apostar que se fosse CERTEZA que a Terra seria destruída em uns cem anos, poderíamos pelo menos salvar a espécie com o conhecimento e capacidade atuais.

Seria dificílimo e muito arriscado, mas se muita gente boa botasse a cabeça para funcionar com apoio maciço do resto da humanidade, esses sonhos seriam bem mais alcançáveis. Na escala do universo, Marte é na esquina.

Pode parecer bobagem, mas se a viagem à Lua nos ensinou alguma coisa, é que a humanidade pode fazer muito mais do que o esperado quando está sonhando com uma dessas “bobagens”. Se voltássemos no tempo, digamos, para o ano de 1940 e disséssemos para uma pessoa que em menos de 30 anos um homem estaria pisando na Lua, ela te acharia maluco. O surto de avanço tecnológico e social envolvido ao redor da era da corrida espacial não pode ser rivalizado com mais nada na história humana. Boa parte das promessas para o futuro não realizadas que todos conhecemos, como carros voadores e ciborgues, tem suas raízes nessa era de extremo avanço tecnológico.

Os sonhos humanos dependem demais de marcos históricos e feitos grandiosos. Eu acredito que quanto mais real se torne a possibilidade de mandar gente para Marte, mais real vai ser o interesse e maiores as chances de conseguir. E são esses “surtos” de curiosidade que nos tiram de uma era e nos levam para a próxima.

Enquanto isso, eu vou agradecendo aos malucos que não deixam esse sonho morrer no mar de babaquice e futilidade que é a sociedade humana e aproveitando para babar com as imagens de um deserto vermelho e inóspito à milhões e milhões de quilômetros de distância…

Curiosidade: Eu aceitaria ir para Marte, mesmo sem garantia de voltar, num piscar de olhos. Não é possível que eu seja o único por aqui… Ou sou?

Para dizer que também adoraria me mandar para Marte, para reclamar que eu não coloquei as fotos e os vídeos (Google é seu amigo), ou mesmo para dizer que agradece pela coluna voltar a ser nerd: somir@desfavor.com

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