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Desfavor Explica: Déjà Vu.

| Sally | | 84 comentários em Desfavor Explica: Déjà Vu.

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Você sabe o que é DÉJÀ VU? Deve saber, mas talvez não esteja ligando o “nome à pessoa”. Déjà vu é uma expressão de origem francesa (se pronuncia “dejavi”) que significa mais ou menos já ter visto aquilo antes (já visto). Não, o déjà vu não é uma falha da Matrix, saia de casa e vá malhar um pouco, seu nerd! Não espere teorias nerds, hoje é dia de Sally, bebê!

Ter um déjà vu significa experimentar uma sensação de já ter vivido aquilo anteriormente. Por exemplo, você vai a um lugar que nunca foi, conversa com uma pessoa sobre um assunto que nunca havia conversado antes ou vê um filme que nunca havia visto e do nada, surge aquela sensação de familiaridade, de já ter passado por aquilo, de repetição surge. Quando o déjà vu é muito forte, a pessoa chega a ter a sensação de que consegue prever ou antever os próximos passos do interlocutor, por já ter vivenciado isso antes. Os mais descontrolados começam a achar que tem mediunidade.

Se você nunca teve um déjà vu, é muito difícil explicar a sensação, mas eu vou tentar. Sabe quando você sente um cheiro e lembra automaticamente, em uma fração de segundos, de algo ou alguém? Pode ser da casa da sua avó, da sua infância ou de um ex-namorado. O fato é que a lembrança pipoca na sua mente quase que instantaneamente com o cheiro (memória olfativa), de forma incontrolável, trazendo uma sensação de familiaridade e reconhecimento. Pois é, o déjà vu é isso, só que em vez de te lembrar algo ou alguém faz surgir uma forte sensação de que você já viveu isso antes, como se aquele momento estivesse se repetindo na sua vida, exatamente igual, pela segunda vez.

Geralmente dura uma fração de segundos, é um instante. A ponto de depois você se perguntar se aquilo realmente aconteceu. Quando o déjà vu acaba, tudo volta a ficar desconhecido novamente. É quase que um “flash de mediunidade”, só que de mediunidade não tem nada, existem explicações muito mais coerentes. Sim, a ciência está estudando e tentando explicar os déjà vus e já tem boas teorias.

Daí você deve estar se perguntando: “Mas Sally, como pode a ciência estudar um fenômeno tão aleatório que ocorre raramente?”. O comum é que ocorra raramente, mas em algumas pessoas o déjà vu ocorre com muita frequência. Existem diversos casos registrados e estudados (o mais famoso parece ser o de Morton Leeds, nos EUA, para quem quiser pesquisar mais) de pessoas que tem déjà vus quase que diários. Estas pessoas tornam possível um estudo do fenômeno, basta estuda-las e tentar entender o que se passa em seus cérebros.

Logicamente não há conclusões absolutas, afinal, em matéria de ser humano, quase nada é absoluto. Mas há bons indicativos que bastam para que a pessoa que tenha um déjà vu não se sinta maluca, iluminada, especial ou comece a achar que tem um ser imaginário tentando se comunicar com ela. Lógico que uma explicação científica não faz a pessoa se sentir especial, então, muitos contestarão. Mas se você tem um cérebro, vai ver que o que a ciência diz faz sentido.

A primeira constatação foi que este fenômeno acontece com maior frequência entre pessoas que estão sob forte estresse, não necessariamente naquele momento do déjà vu, mas durante aquele período da vida. O estresse é tido como um fator desencadeante de déjà vu. Pode reparar, mesmo entre nós reles mortais que temos um a cada ano, geralmente ocorre em períodos estressantes. Até bem pouco tempo, a única afirmativa consistente era essa: a relação com o estresse.

Porém, com o advento de exames de imagem foi possível compreender melhor o que acontece com o cérebro de quem tem um déjà vu. Vamos para uma explicação beeem normal e acima da média: nosso cérebro se divide em diferentes áreas, cada uma com uma função. Uma dessas partes se chama “lobo temporal” (fica na região lateral da sua cabeça, atrás das orelhas) e uma de suas funções é cuidar da formação da memória, ou seja, pegar eventos vivenciados e armazenar, arquivar na categoria “eu já fiz isso”. Para que uma memória se fixe no nosso cérebro ela passa por vários estágios.

Tem a memória imediata, aquela que é quase que descartável. Sabe quando alguém te fala um numero de celular e você memoriza pelos próximos dez segundos só para ter tempo de colocar na sua agenda? Pois é. Se a informação for um pouco mais importante ou relevante, ela pode ser promovida e entrar na memória a curto prazo, que são as lembranças daquilo que aconteceu nas últimas horas ou no último dia (o que você almoçou hoje, o que viu na TV ontem, etc). Agora se for algo que mereça importância máxima, a informação pode ser promovida ao topo dos topos: a memória a longo prazo, aquela que dura anos ou até mesmo a vida toda (andar de bicicleta, falar um outro idioma, etc).

Quando se decide que ela é importante o bastante para isso, ela é armazenada no Lobo Temporal e vira memória a longo prazo. A gente sabe, dependendo do tipo de lembrança, se se trata de uma memória imediata, de curto prazo ou de longo prazo, porque a sensação que cada uma delas nos provoca é diferente. Talvez você não perceba como faz para saber, mas te garanto que você sabe se é uma memória a curto ou a longo prazo.

Pois bem, em exames de imagem, salvo engano tomografias, foi constatado que pessoas com déjà vus muito frequentes tem um defeitinho nesta parte do cérebro responsável pela formação da memória de longo prazo, o Lobo Frontal. Graças a essa anomalia, uma memória imediata ou de curto prazo é jogada no mesmo saco das memórias de longo prazo, muitas vezes em tempo real com o acontecimento.

À medida que o fato está acontecendo ele já é armazenado em tempo real como uma memória a longo prazo, gerando a sensação também em tempo real de que aquilo é uma memória antiga e não um fato que acabou de acontecer. Graças a esse pequeno defeito de funcionamento cerebral a pessoa não consegue distinguir o que é atual, pois o cérebro a engana transmitindo um sinal inequívoco de que aquilo é uma memória de longo prazo.

Existem casos severos, onde o paciente sente estar em constante déjà vu. Ele diz poder prever tudo que ia acontecer. Logo depois que acontece algo ele diz que já sabia, porém quando você o coloca em uma sala isolada com lápis e papel e lhe pede para efetuar previsões ele erra tudo. Se déjà vu fosse mediunidade, todo mundo que experimenta essa sensação ganharia na Mega-Sena. Entretanto, na hora de “prever o futuro” as pessoas falham terrivelmente.

Ele não tem mediunidade alguma, não pode prever nada, o que ele tem é a SENSAÇÃO de que já sabia porque seu cérebro teve um bug e armazenou uma coisa atual como se fosse uma memória, em tempo real. Já saber que ia acontecer DEPOIS que a coisa acontece não é mediunidade, é apenas a sua mente acessando lembranças na mesma fração de segundos em que elas são gravadas.

Em pessoas normais, o estresse pode desencadear essa falta de timing do Lobo Temporal eventualmente, depois ele volta a funcionar bem. Em pessoas com alguma anomalia ou atrofia, a sensação costuma ser muito mais frequente ou até mesmo permanente. Também se trabalha com a hipótese de outros fatores (externos e internos) além do estresse provocarem alterações funcionais da região do cérebro responsável pela memória, causando esse erro de processamento, fatores como privação de sono e até mesmo alguns tipos de inflamações.

Então, por mais que a pessoa adore a ideia de se sentir “escolhida”, “abençoada” ou com algum “dom mediúnico”, déjà vu não tem nada a ver com espiritualidade, vidas passadas ou previsão de futuro. Déjà vu é um erro no processamento e armazenamento da nossa memória. É um bug cerebral, só isso. Talvez esta explicação não seja tão atraente como as outras que mistificam o evento, mas é muito mais racional.

Mas esta não é a única explicação possível para o déjà vu. Além do bug cerebral existe outra hipótese: a do seu cérebro estar funcionando perfeitamente bem e o erro ser seu, falha humana. Isso mesmo, nem sempre o problema é cerebral, pode ser fruto da nossa mente também. Veja bem, não se trata de mentira, a pessoa de fato acredita naquilo, é a mente trollando seu dono. Isso é mais comum do que a gente imagina. Nosso maior troll é a nossa mente.

Muitas vezes nós vemos coisas que não registramos conscientemente, mas o registro está feito em algum lugar, mesmo sem que a gente perceba. Depois, quando essa coisa, lugar ou situação nos é apresentada novamente e prestamos atenção nela, temos a sensação de já ter visto com uma certeza falsa de que nunca vimos aquilo antes. Vimos sim, só não prestamos atenção o suficiente para lembrar que já vimos. Esta tese foi testada e psicólogos conseguiram induzir déjà vus em diversos voluntários. Não é porque você não lembra que viu que de fato nunca viu. Seu inconsciente já viu, se você não estava prestando atenção, problema seu.

Um experimento envolvendo hipnose confirmou esta teoria, que, diga-se de passagem, não é excludente da teoria do bug cerebral, são apenas duas hipóteses diferentes e válidas que acredita-se, sejam capazes de gerar um déjà vu. Pacientes foram apresentados a algumas palavras comuns e depois foram hipnotizados. Durante a hipnose, foram sugestionados a acreditar que palavras mostradas em uma moldura vermelha trariam sentimento de familiaridade.

Retirados do transe hipnótico, várias palavras foram apresentadas em moldura de várias cores e boa parte dos voluntários narrou ter sentido uma sensação de familiaridade com as palavras apresentadas na moldura vermelha, ou seja, em algum canto inconsciente ficou um registro de indução a uma familiaridade que não existia e isso veio à tona mais tarde. É possível, de alguma forma, incutir em alguém uma familiaridade artificial. Mas não contem isso para o Somir, se não ele vai usar contra crianças para vender produtos infantis.

Quer fabricar um déjà vu nesse esquema de “viu mas não lembra que viu”? Junte um grupo de pessoas e monte um desafio. Um exemplo imaginário: você mostra fotos de vários lugares com um Wally escondido e diz que quem achar o Wally primeiro ganha cem reais. As pessoas vão focar sua busca no Wally feito umas desesperadas (não tá fácil para ninguém, cem conto é super bem vindo) sem reparar no contexto global dos cenários. Buscarão apenas pelo Wally, de forma setorizada.

Daí uns meses depois você mostra outras fotos daqueles mesmos lugares onde você escondeu o Wally, de outros ângulos, e pergunta para elas se elas conhecem esse lugar. Muitas vão te dizer que conhecem, que sentem que já estiveram lá, que tem algum registro do local. Déjà vu induzido. De fato a pessoa já viu esse lugar, mas não lembra que o viu por causa do contexto dentro do qual o viu: ela estava preocupada demais com o Wally. Dá até para ganhar um dinheirinho: A Sagrada Igreja do Déjà Vu Divino: só os abençoados com o dom podem entrar. Passa a sacolinha!

O Déjà vu é dividido em subcategorias, conforme o estímulo que desperta a sensação de familiaridade. O mais comum é o visual: uma cena, uma paisagem, uma imagem. Porém existem outros estímulos capazes de desencadear esta sensação, como por exemplo, a sensação de sentimentos repetidos, de já ter sentido aquilo.

O déjà vu mais comum costuma estar associado ao reconhecimento de locais nos quais a pessoa tem a certeza que jamais esteve antes. A ciência explica esse tipo específico de déjà vu com mais uma teoria. Seria uma confusão cerebral por causa da disposição dos objetos ou configuração do cenário: locais arrumados com o mesmo padrão de simetria causam ao cérebro sensação de familiaridade, por mais que a decoração e localização sejam diferentes. Seria quase que uma ilusão de ótica. Vários experimentos indicam que de fato esta teoria procede.

Para fechar, porque né, quarta página, existe um fenômeno raro ligado ao déjà vu, que na verdade, é o oposto dele: o jamais vu (algo como “nunca visto”). É a sensação de nunca ter visto nada parecido com aquilo quando se sabe claramente de forma racional que aquilo já foi vivenciado. Quem já passou por ambos diz que o jamais vu é muito pior, pois é assustador sentir sua mente falhando de forma grosseira. Costuma estar associado a algum grau de amnésia, geralmente causada por problemas neurológicos como epilepsia. O cérebro apaga (ainda que de forma temporária) ou bloqueia o acesso a uma memória que a pessoa sabe que tem (ou deveria ter), causando um profundo estranhamento e medo.

Que fique claro: estas são as explicações mais aceitas até a presente data, mas nada excluí que eventualmente existam outras. É perfeitamente possível que exista mais de uma causa para um déjà vu e uma causa não invalida a outra. Provavelmente a ciência ainda descobrirá outros motivos, pois o cérebro humano e seu funcionamento são mais complexos do que a gente imagina, mas uma coisa é certa: o déjà vu não tem nada de sobrenatural, de religioso ou de místico. Lamento muito por aqueles que se achavam especiais, você não é médium, seu cérebro é que está dando pau mesmo.

Para ameaçar apagar o Desfavor porque eu questionei a mediunidade de alguém, para se chatear porque a vida inteira você pronunciou “dêjavu” e agora descobriu que está errado ou ainda para contar sua experiência de déjà vu: sally@desfavor.com

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