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Ele disse, ela disse: Falar ou calar?

| Desfavor | | 30 comentários em Ele disse, ela disse: Falar ou calar?

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O tema já está no título. Mas isso não significa que a discussão de hoje é simples… Sally e Somir abstraem bastante para decidir qual é o melhor curso de ação quando se está em dúvida. Não se resume a uma ou outra situação, é na vida em geral.

Tema de hoje: Na dúvida, é melhor falar ou se calar?

SOMIR

Se calar. E não, não vou parar por aqui… Não estou em dúvida. É muito importante entender que não estamos falando se SEMPRE falar ou SEMPRE se calar, afinal, uma das opções faria da pessoa um vegetal. Vamos com calma, colocando as coisas em perspectiva.

Todos passamos por situações de dúvida sobre o melhor caminho a se seguir quando lidamos com outras pessoas. Oras, é outra mente, separada fisicamente da nossa e acessível apenas pela nossa imaginação! Já falei disso outras vezes, mas reforço: Essa capacidade de “criar” outra pessoa na sua cabeça para prever sua reação é tanto um dos talentos mais brilhantes do cérebro quanto uma de suas maiores fraquezas.

A margem de erro em relação ao que achamos que a outra pessoa está pensando e o que ela demonstra costuma ser bem alta. Existem inúmeras variáveis fora do nosso controle, e até mesmo pela “fama” do argumento que minha CARA vai defender, temos mania de aumentar ainda mais essa possibilidade de engano.

Os mais antigos dizem que temos uma boca e duas orelhas por um motivo, e essa é uma das pérolas de sabedoria mais valiosas do ideário popular. Passamos tanto tempo preocupados em postar nossa voz para o mundo que frequentemente esquecemos de prestar atenção nele. Entendam que eu não estou defendendo passividade ou covardia, estou reforçando o valor de saber calar a boca e se conectar com a informação ao seu redor.

Numa sociedade onde extroversão é qualidade, somos incentivados a nos expressar sob o risco de virarmos párias. Gente que fala muito, que tem opinião sobre tudo e que não sai de qualquer discussão sem a última palavra costuma ser mais valorizada. A indústria cultural humana que não me deixa mentir.

Ranço de um processo evolutivo que privilegiou os mais comunicativos, mesmo em épocas onde a comunicação não era tão densa como nos dias atuais. Não estou criticando gente extrovertida apenas por se comunicar, até porque se Sally e eu temos um ponto comum nesta discussão, com certeza é sobre o valor da comunicação.

O meu argumento aqui é que cria-se a falsa impressão de que falar é sempre uma boa ideia. Mesmo em dúvida. Dúvidas são muito pouco valorizadas pelas pessoas, acabam se confundindo com insegurança, ignorância, covardia… quando na verdade uma coisa não leva necessariamente à outra. É normal ter uma dúvida, é normal não saber a resposta… mais do que isso, é parte integrante do processo cognitivo humano. Quem tem medo de ficar em dúvida acaba ficando com medo de pensar. O problema não é não saber, o problema é não ter força de vontade de descobrir a resposta.

Falar por falar é chutar na prova. É uma tentativa sem vergonha de trapacear o processo do pensar. Quando a sua primeira alternativa numa situação confusa é atirar primeiro e pensar depois, você tem um problema de comunicação. E potencial para ser policial no Brasil…

Se calar não é desistir da comunicação, não é fugir da resposta; calar pode ser muito bem justo o que você precisa para ENTENDER a situação. Escutar o que a outra pessoa diz, formular uma imagem mental dela mais precisa… de uma certa forma, é também respeitar que existe outro ser humano na sua frente. Tem hora de falar e tem hora de calar… Se você não sabe que caminho tomar, não caia na vala comum: Pense.

Toda material de auto-ajuda vai repetir o que vocês vão ler no texto da Sally: Que temos que falar, que sua opinião é importante para qualquer assunto, que é melhor se arriscar a fazer qualquer merda do que viver com o arrependimento de não ter feito… pessoalmente eu acho que isso é receita de bolo para gente com preguiça de fazer o difícil. A vida real não vem com guia, ninguém vai te ensinar a acertar sempre.

Mas é possível retirar fatores negativos do seu processo de decisão. Quem escuta ao invés de falar toma decisões melhores. Não acerta sempre, mas pelo menos sabe porque faz as coisas que faz. Tem coerência. E nessa era da comunicação, a habilidade de baixar as orelhas enquanto o outro burro fala está saindo de moda na velocidade da fibra ótica! Quem prefere falar ao se calar entra para o grupo de milhões (quiçá bilhões) que infestam os meios de comunicação com sua cacofonia de opiniões e ideias formuladas enquanto falam ou teclam.

As pessoas gostam de falar. Normalmente falamos com outras pessoas que não escutam, apenas esperam sua vez. Por isso que é tão difícil chegar a alguma conclusão numa discussão ordinária. E adivinha para quem isso é ótimo? Para quem se caga de medo do dia em que as pessoas começarem a prestar atenção. Se esse povo todo desse a mesma atenção a se calar e escutar do que dão para falar, o mundo desabaria.

Se calar quando em dúvida não é só questão de ceder a vez ou a concordância, é aceitar uma limitação momentânea e fazer o difícil: Tomar uma boa decisão, não apenas a primeira que vem à cabeça. Quem cala só consente quando se submete. Ninguém é obrigado a aceitar as condições alheias enquanto não quiser.

Mas esse falatório todo sobre o poder de se comunicar acaba deixando as pessoas inseguras sobre algo tão banal quanto estar em dúvida. Parece que é crime não dar sua opinião na hora em que pedem, de não cuspir certezas inventadas toda vez que se sente encurralado. Parece que é crime pensar. Silêncio é um conceito muito relativo: Pensamentos não emitem sons. Pode-se avançar muito numa discussão se as duas partes se PERMITIREM o tempo de chegar numa conclusão mais racional.

Na dúvida, não dê à língua valor maior que o cérebro. Quem cala, percebe.

Para dizer que concordou tanto que não vai comentar, para me acusar de Enveja de quem sempre fala, ou mesmo para dizer que eu estou ficando bom nisso de mascarar minhas inseguranças: somir@desfavor.com

SALLY

Em termos gerais, na dúvida, é melhor falar ou calar?

Por favor, entendam o tema proposto. Não adianta ir nos comentários dar trocentos exemplos de situações concretas onde falar ou calar seriam a melhor opção. A proposta é discutir o tema em abstrato. Eu sei que é mais difícil, mas vamos fazer uma forcinha?

Falar costuma ser melhor do que calar. Porque se vamos ter algum arrependimento, melhor ter de algo que fizemos. Ao menos tentamos. Sendo o caso de falar demais, pode se tentar resolver com um belo e bem fundamentado pedido de desculpas. Porém se errarmos por omissão, dificilmente isso possa ser revertido: quero ver convencer a pessoa de que você chegou a pensar naquilo naquela hora mas apenas resolveu não falar!

A palavra é superestimada. Falar não é tão grave. Palavras não valem tanto. Atos valem muito, palavras podem ser ditas, desditas e ditas novamente. Em termos gerais, não vislumbro uma situação onde falar possa ser assim tão nocivo e que gere a dúvida entre o falar e calar. Quero dizer, se você está na DÚVIDA, que é o caso do tema de hoje, é porque não se trata de nada tão bizarro que poderia destruir sua vida. Nesse caso você não teria dúvida alguma em calar a boca. Ninguém duvida que dizer ao parceiro que o traiu será uma bomba que provavelmente destruirá seu relacionamento, certo? Ninguém duvida que dizer ao parceiro que o filho que ele pensa que é dele é do amante vai causar estragos, certo?

Logo, nesse contexto de que se existe a dúvida, o estrago que fará não pode ser muito grande, se você estiver no dilema entre falar ou calar e resolver falar se poupará daquele sentimento nefasto que nos assola horas depois de “Eu deveria ter dito isso, isso e aquilo! Que raiva!”. Este sentimento é tão forte que muitas vezes nos faz inclusive procurar o interlocutor ignorando o timing da conversa e nossa dignidade só para despejar tudo que queríamos ter dito, ainda que com um delay. Confesso que já fiz, mas tenho plena consciência de que é indigno.

Claro que você pode se arrepender de falar algumas coisas. Mas nesse caso, existe uma ferramenta poderosíssima e amplamente aceita pela sociedade chamada “Desculpas”. Todos nós erramos. Se a pessoa estava com uma boa intenção, mas o que falou não saiu da melhor forma ou ofendeu ou magoou, não tem motivos para não perdoar.

Além disso, falar é menos sofrido do que calar. Quem fala desabafa, bota para fora. Quem cala engole, rumina. Falar pode dirimir eventuais mal entendidos ou gerar diálogos que de alguma forma solucionem o problema ou apaziguem a questão. Falar agrega. Calar não gera nada. Não há troca com quem se cala. Calar não dá a oportunidade de ouvir o outro lado da história, calar nega ao interlocutor o direito a defesa. Falar coloca tudo às claras, é mais honesto e mais democrático.

Falar também te expõe mais. Percebam que eu estou apontando isso como uma qualidade, não como um defeito. Quem precisa ter medo de se expor argumentativamente falando? Quem é escroto. Quem faz as coisas com bom coração não tem motivos para ter medo. Nesse caso, expor argumentação é sempre bom. Na pior das hipóteses, você aprende alguma coisa.

Expor informações pessoais costuma ser uma má ideia, expor argumentos não. Já parou para pensar que você pode até convencer seu interlocutor? Fazê-lo ver as coisas por um ponto de vista diferente? Ou, no meio da discussão, você pode perceber uma série de coisas enriquecedoras e, porque não, até mudar de ideia? Falar acrescenta, gera troca. Calar te tranca dentro de você mesmo e do seu mundinho.

Sim, eu sei, falar pode trazer uma série de problemas. Mas será que não falar evita esses problemas ou apenas os adia? Será que o custo de não falar não acaba sendo mais alto? Será que o não falar não acaba por alimentar mal entendidos? Sem dúvidas falar é, via de regra, um risco maior, mas também me parece o melhor a fazer. Calar não resolve, calar adia. Calar varre a sujeira para baixo do tapete e pode criar aquele hediondo efeito “bola de neve”, onde quanto mais você se cala, mais difícil fica falar, até que o seu silêncio se torne a nova principal razão para não poder mais falar. Calar escraviza, pois muitas vezes o “falar” prescreve.

Reparem que “falar” não é sinônimo de sair falando desenfreadamente tudo que se passa pela cabeça. Falar é uma decisão racional, pensada, avaliada. O falar pode ter tempo e hora, pode esperar por um momento apropriado. Você decide falar no momento mais propício. Falar não é verborragia, sincericídio. Falar é não calar, em qualquer de suas formas. Não suponham que falar é faltar com o respeito ou com a consideração e muito menos ser inconveniente.

O calar pode ser muito traiçoeiro. Quando nos calamos permitimos que os interlocutores presumam o que quiserem, nos entregamos à cabeça e ao julgamento alheio. Fale. Fale sempre, porque as pessoas muitas vezes entendem tudo errado se não estiver muito bem explicadinho. Alias, na dúvida, fale e escreva. Mande um e-mail também, nada como ter uma prova documental do que você disse, para que mais tarde a pessoa não possa distorcer. Mande o e-mail em tom de desabafo, mas por dentro mande apenas para se resguardar.

Seres humanos se equivocam, não são perfeitos. Calar favorece o erro, a confusão. Falar ajuda a perceber o equívoco, seja ele seu ou de seu interlocutor e, se for o caso, saná-lo. Calar sufoca o assunto, falar abre o tema para discussão e diversos pontos de vista. Calar limita, falar liberta.

Para perguntar como faz quando o interlocutor é tão burro que falar é apenas perda de tempo, para dizer que as pessoas estão precisando mais calar do que falar ou ainda para dizer que o ideal é a boa e velha carta anônima que não te compromete: sally@desfavor.com

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