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Publiciotários: Autocompletado.

| Somir | | 67 comentários em Publiciotários: Autocompletado.

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Cada vez mais a tecnologia se especializa em “prever” o próximo passo de seus usuários. Seja num celular que completa a palavra que você começa a escrever, seja num anúncio que aparece na sua tela de acordo com o conteúdo dos seus e-mails, ou mesmo num carro que percebe que você está com sono e te diz para parar; é a inteligência artificial começando a se tornar mais proativa na relação com seus criadores. Talvez até demais…

Sou o primeiro a defender o avanço da tecnologia, como já demonstrei inúmeras vezes aqui mesmo no desfavor. Detesto o papinho de que o mundo está piorando e todos os derivados reacionários… Mas nada é de graça nessa vida: A brilhante tecnologia por trás dessas novas ferramentas de previsão e sugestão não vem sem um risco inerente ao ser que se beneficia delas.

O ser humano é terrivelmente sugestionável, tenha em vista TODO o escopo do misticismo e das superstições. Essa também é a fundação da publicidade, por sinal. É muito fácil criar e modificar ideias dentro da cabeça de alguém, mesmo antes delas serem expostas para o resto do mundo… Como o pensamento humano não é naturalmente compatível com o método científico, o que “parece” certo na escala pessoal substitui facilmente teorias e ideias baseadas em evidências.

Sem contar fatores como preguiça, ignorância e pressão social… Somos (todos nós) vítimas de enganos causados por impulsividade, falta de informações, necessidade de conformidade e tantas outras coisas que tanto fazem parte da vida cotidiana. Errar é humano, oras.

Quando um ser desses dá de cara com uma máquina que simula sua mente, existe muito espaço para manipulação. A inteligência artificial se baseia em algoritmos complexos e chips modernos para tentar acompanhar a velocidade do pensamento humano. E em vários aspectos, não só acompanha como passa à frente, bem à frente. Só que no cerne dessa “imitação de inteligência” está um problema fundamental: O programador.

O programador não é exatamente apenas a pessoa que digita códigos num programa de computador, é toda a cadeia de comando que chega até ele, imprimindo um propósito nesse código. O sistema que lê seus e-mails e decide te mandar propagandas direcionadas não existe apenas para satisfazer suas necessidades, ele existe para estimular o consumo e desonerar o ato de fazer propaganda. É melhor para quem vende (mais vendas), é melhor para quem gerencia o sistema (mais clientes), e às vezes é melhor para o comprador.

Não é teoria conspiratória, não estou dizendo que estão tentando te sugestionar secretamente… Assim como toda a publicidade, estão tentando te sugestionar descaradamente. Ainda é um anúncio, ainda está na cara que estão tentando te vender alguma coisa! Agora, uma coisa é receber uma sugestão de uma pessoa ou empresa, cuja “agenda” é clara, outra é receber uma sugestão de algo visto como imparcial tal qual uma inteligência artificial.

O computador não está pensando em lucrar com a transação financeira, ele está meramente seguindo um conjunto de regras definido por quem o programou. E é nesse “vácuo” de objetivos entre criador e criatura que reside o maior risco das sugestões da era do “autocompletar”.

As pessoas tendem a ter a guarda abaixada quando recebem uma sugestão de uma máquina. A máquina não pode ser lida tão bem quanto outro ser humano, não existe um processo intelectual automático para entender motivações e planos de um programa de computador. Afinal, seria uma besteira ficar pensando nisso, num monte de linhas de código como se fosse um humano.

Desconfia-se da propaganda, mas não de quem acabou de colocá-la na sua frente. E isso, caros impopulares, isso pode ser um dos pontos mais fracos da humanidade nas próximas gerações. Quanto mais a tecnologia avança, mais próxima a inteligência artificial fica de quem a programa. Existem muito mais possibilidades atualmente… Ainda mais com as pessoas fazendo questão de arreganhar sua vida nas redes sociais: Relações, gostos, desejos e opiniões dispostas por livre e espontânea vontade no maior banco de dados existente… a internet.

A inteligência artificial, mesmo que ainda rudimentar, já está conseguindo fazer o processo de nos ler e se adaptar de acordo. Esse sim é um dos maiores avanços tecnológicos da história… Para muita coisa, é excelente. É até necessário para os padrões de vida cada vez mais elevados que nossa sociedade permite. Quanto mais a máquina entende e aprende a nos servir, mais fácil fica a vida. E isso eu acho excelente!

O que assusta é a ideia de que teremos bilhões de pessoas nesse mundo cada vez mais crentes e dependentes da inteligência artificial. O programa de computador continuará a não ter interesse algum em nos causar problemas por ainda muitos e muitos anos, ele só vai seguir ordens, como deveria. Mas quem dá essas ordens continuará sendo alguém com motivações, planos e desejos.

E o filtro entre o que uma pessoa ou empresa quer e o que o seu programa é capaz de fazer fica cada vez menor. Com ferramentas mais precisas para diferenciar as pessoas, fica mais FÁCIL conformá-las. Pessoas diferentes reagem de forma diferente a uma propaganda, por exemplo. Vende-se carro para o Fulano dizendo que ele é potente, vende-se o mesmo carro para Sincrana dizendo que ele é econômico. Sabendo o que se passa pela cabeça da pessoa, dá para direcionar a propaganda certa para a pessoa certa, com diversas versões feitas especialmente para elas.

Esse é o sonho dourado da publicidade. Conseguir sugestionar pessoas diferentes a fazer a mesma coisa da forma mais eficiente para cada uma delas. Sabendo que você reage mal a um tipo de cena, pode-se evitá-la quando está falando com você. Sabendo do que você gosta, uma ideia pode ser vendida se adequando a isso.

E no final das contas, a mesma ideia foi vendida para todo mundo. O “que disse” é igual, só mudou “como disse”. Quanto menor for a desconfiança da pessoa sobre a forma como aquela mensagem a achou, mais poderoso o resultado. Acredito que quem está nessa grande rede de comunicação dos dias de hoje PRECISE entender como o computador está cada vez mais próximo de ser um “diabinho” sobre seus ombros: Tentando te convencer pessoalmente a fazer o que ele quer. E aumente ainda mais essa necessidade para as próximas gerações.

Quem já nasce online e nunca vai entender o conceito de privacidade da forma como nós vivenciamos nos anos pré-internet não vai ter a mesma defesa contra sugestão vinda dessa fonte aparentemente imparcial. Se começar a confundir sua existência virtual com a real, as ideias implantadas na rede vão se misturar com as ideias “naturais”. O lado positivo é a terceirização da memória (logo logo os HDs de camelô vão ter mais espaço para armazenamento do que o cérebro humano), mas com isso vem uma linha bem mais borrada entre o que é estímulo externo e o que é interno.

O programa que autocompleta suas palavras não sabe o que você está pensando, ele está considerando uma média do que outros seres humanos fazem e fazendo um palpite educado. Se a pessoa acreditar (ou aceitar) que essa sugestão é uma mera extensão do seu processo intelectual, grandes chances de se sugestionar a completar suas palavras como o computador indica. Palavras, frases… ideias…

Isso pode gerar um conformismo ainda maior entre o pensamento das pessoas, deixando a média como parâmetro mais valioso na hora de construir as próprias opiniões. Isso é ótimo para quem já está no controle ou para quem está tentando chegar lá. Mesmo que não exista uma “corporação maligna de filme” controlando cada interação da inteligência artificial com o usuário final, a mera entrega da responsabilidade sobre o controle do próprio pensamento já cria resultados parecidos.

Não falo de ficar “esperto” com vilões caricatos ou novas ordens mundiais, falo de entender o quanto de interesse humano está embutido nesse incrível avanço tecnológico. E que por mais imbecil que pareça, que de uma certa forma tem alguém sim lendo seus e-mails, completando suas palavras e analisando seu comportamento diário, mesmo que seja um amontoado de código de computador.

A imparcialidade da inteligência artificial é um conceito que tem que ser revisto na medida em que ela se torna mais poderosa e relevante nas relações humanas. Numa analogia pertinente: Armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas.

Para dizer para eu parar de assistir filmes de ficção científica, para dizer que a inteligência artificial do seu telefone não a matricularia nem na APAE, ou mesmo para desconfiar que é exatamente isso que uma máquina diria: somir@desfavor.com

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