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Publiciotários: Memórias de minhas putas felizes.

| Somir | | 29 comentários em Publiciotários: Memórias de minhas putas felizes.

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Não vou sequer mencionar Gabriel Garcia Marquez, eu só não resisti usar esse título. Ainda mais nessa semana que já começou rondando o assunto. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dirceu Greco, foi demitido ontem por causa das reações pra lá de negativas sobre uma campanha “vazada” na internet. A campanha visava combater o preconceitos contra profissionais do sexo para incentivar o uso da camisinha. Caminho meio tortuoso, admito, mas… precisava desse drama todo?

E nem estou roubando tema do desfavor da semana. O ângulo que eu vou pegar aqui dificilmente bateria com a opinião da Sally. Pessoalmente, eu acho a campanha uma BOA IDEIA mal executada. Execução capenga é um peido perto de um conceito de campanha capenga. Então, de uma forma bem culta e educada: O Ministério da Saúde peidou, mas não chegou a cagar.

Pena que meia dúzia de narizes torcidos já seja o suficiente para tornar qualquer campanha “não comercial” em drama público. Ainda mais os feitos com verba pública. Se fosse uma ONG soltando algo assim, no máximo um chororô religioso e de algum grupo feminista. Mas, Ministério? Ah, Ministério faz campanha paga com imposto dos cidadãos, e quando se faz isso, as pessoas fazem QUESTÃO de policiar a linha de comunicação para que reflita suas opiniões pessoais! Afinal, coletividade é um termo afrescalhado com o mesmo significado que “eu primeiro”.

Como ousam gastar dinheiro público para fazer uma campanha defendendo práticas sexuais seguras? Se pelos menos desviassem o dinheiro para benefício próprio, aí sim ninguém moveria uma palha. Temos um jeito de fazer as coisas no Brasil e AI de quem faz diferente! Esse surto de sarcasmo é resultado de ver o Ministério da Saúde ser forçado inúmeras vezes a NÃO tentar novas abordagens de comunicação para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis porque “ofende” meia dúzia.

Algo me diz que as pessoas simplesmente não entendem a função social da comunicação pública. Acham que é propaganda de chocolate, de carro… Empresas podem e devem pensar mil vezes antes de tomar uma posição ousada em suas linhas de comunicação: As pessoas deixam de comprar se algo as incomodar nas peças publicitárias. Boa parte dessa publicidade com fins lucrativos se baseia em reforçar ilusões e manter os consumidores confortavelmente anestesiados da realidade. Nada pessoal, são os negócios.

Agora, o poder público? Um Ministério da Saúde? A ÚNICA função publicitária de um órgão desses é falar a verdade inconveniente para o povão. Coisas que eles não gostariam de ter ou fazer. Doenças e riscos à saúde em geral. Não é seguro fingir que os riscos não existem, não é nem responsável deixar de avisar a população, seja lá o motivo. Se uma peça publicitária do Ministério da Saúde te incomoda, alguma coisa eles fizeram direito. Afinal, eles são a porra do Ministério da Saúde: Não estão lá para te dizer que a vida é bela.

Demorou muito para que eu aceitasse aquelas fotos toscas nas embalagens de cigarro. Tudo bem que hoje em dia fumante faz até piada com elas (menos do que no começo, é que com o tempo perde a graça falar que não compra o da impotência…), mas diga o que quiser: Elas chamam a atenção, elas são uma “namorada chata” buzinando na sua orelha enquanto você estiver perto de um maço. Ninguém tem que gostar ou achar bonito, a campanha é para ficar te lembrando de uma coisa o tempo todo. É falar a verdade, gostando ou não dela.

O “briefing” da campanha que resultou naquela peça do “Eu sou feliz sendo prostituta” não era ruim. A peça que ficou uma merda. Para quem não conhece esse mundinho da publicidade, briefing é um resumo de todas as informações relevantes da campanha, dizendo o que é, para quem é e o quê pretende dizer. Tem campanha que já nasce cagada por briefing ruim (ou inexistente, como costuma acontecer muito na vida real), mas tem campanha que até tinha algo interessante para dizer, só que dá errado na hora de colocar no papel (ou tela).

Pelo o que eu entendi, o ministério queria trabalhar com a ideia de que as prostitutas deveriam se valorizar mais. Não porque acham prostituição uma coisa bacana, mas porque pessoas que se valorizam mais tem menos chance de fazer merdas irresponsáveis como fazer sexo com um estranho sem nenhuma proteção. Como entidade pública cujo objetivo é cuidar da saúde da população, é uma ideia bem razoável.

Seria estupidez ignorar a existência da prostituição. Ela existe, é legalizada e ocupa muita gente no país. Não passa nem perto da função de comunicação do poder público enfiar um mundo idealizado goela abaixo da população. Tem que olhar até mesmo para as partes mais fodidas da sociedade e jogar luz sobre a situação: “Olha, isso está acontecendo e nós queremos fazer algo para resolver.”

Simplificando muito o que eu imagino ser o briefing:

O que é: Peças publicitárias em diversos meios.
Para quem é: Prostitutas (público primário) e clientes de prostitutas (público secundário).
O que dizer: Prostitutas devem se valorizar o suficiente para sempre exigir camisinha em suas relações sexuais.

Quando disseram no ministério que a peça não passou por revisão publicitária, acreditei na hora. Um estagiário perceberia que MAIS DA METADE do “o que dizer” foi solenemente ignorado, criando uma campanha que poderia ser percebida como de valorização da prostituição, e só. Valorizar prostituição por si só não tem NADA a ver com as atribuições de nenhum dos ministérios. Numa agência de publicidade, o diretor de criação tiraria sarro (ou comeria o toco) da equipe que fez a peça e mandaria ler a porra do briefing.

Pronto. O redator voltaria com algo do tipo: “Você merece proteção, seja trabalho ou diversão”. O diretor de arte pegaria a mesma mulher, faria a montagem de uma camisinha na mão dela e entregariam a peça para aprovação de novo. A campanha ainda fala de prostituição, mas foca no ponto onde um Ministério da Saúde deveria focar.

Tanto o conceito estava razoável que outro dos cartazes que apareceu não tinha nada de MUITO errado. Achei o texto brega, mas pelo menos diz a que veio:

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Claro que a que mais chamou a atenção foi a outra, a com a falha de comunicação.

Percebam que eu estou fazendo uma crítica profissional à peça que “vazou” na mídia. Foi um erro besta, mas… estava com o coração no lugar certo, assim por dizer. Com certeza não era o suficiente para demitir o diretor do setor de onde a peça se originou. Num país com mais pessoas bem educadas, passaria como uma propaganda incoerente lançada antes da hora e exigiriam uma correção, até para não desperdiçar dinheiro público.

Num país onde a crentalhada corre livre, é o fim do mundo! Terrível que essa massa de manobra de exploradores e estelionatários confira tanta força a uma das religiões mais doentias em relação a tudo que for sexual. Se eu me masturbasse cem vezes por dia, ainda sim não pensaria tanto em sexo quanto cristão. Sério, tudo que tem remotamente a ver com genitálias e/ou reprodução é pecado demais ou sagrado demais para eles.

Essa mesma obsessão também vitimou campanhas sem erros tão primários quanto os dessa: Há algum tempo o Ministério da Saúde tentou se comunicar com jovens homossexuais, mas teve que recuar por causa do chilique. “Educar jovens em relação ao sexo seguro? Só sobre o meu cadáver!”. A merda é que eles tem essa força para ferir a saúde pública. Hoje mesmo teve passeata desse povinho cristão para reclamar do aborto e chiar por causa da união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Evidente… Se não tem a ver com sexo (passado, presente ou futuro), não tem graça para eles. No dia em que os crentes e católicos se mobilizarem contra a corrupção, o inferno congela. A verdade é que eles dificilmente se importam com qualquer função social do poder público que não seja reforçar aquele livro sadomasoquista que tanto gostam.

Este texto é para a “nossa” turma aqui, de gente que defende estado laico e abordagem humanista. É um apelo para a compreensão da ideia na qual essa campanha se baseou: Entrar na pilha de que o governo estava fazendo apologia à prostituição é jogar de bandido. A peça estava terrivelmente mal feita e passou a impressão errada, acreditar que o Ministério da Saúde passou do seu limite ao fazê-la é encontrar um falso terreno comum com os reacionários religiosos.

Fazer prostitutas se valorizarem tem função na questão de saúde pública. Não importa se você é contra ou a favor da prostituição, tem muita puta e muito cliente! Tem que ser realista e entender que piora ainda mais a situação ignorar esse público. Quem se sente marginalizado acaba agindo de forma marginalizada. A função da comunicação pública é se enfiar nos cantos mais escuros e desagradáveis para falar com todo mundo.

Foi erro publicitário, mas não estratégico. Quem quer o ministério fazendo o seu papel não pode ser contra a comunicação para qualquer público que seja. Só quem quer chancela pública das próprias crenças (independentemente de mérito racional) é à favor de censura nesses casos. Não seja essa pessoa… e acima de tudo, não valide as ideias dessas pessoas sem um belo de um “porém”.

Para dizer que eu só estou tentando conquistar um cliente, para dizer que mesmo assim eu o perdi ao falar mal de religioso, ou mesmo para dizer que puta e cliente de puta que não usa camisinha tem que pegar AIDS mesmo: somir@desfavor.com

Comentários (29)

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