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Ele disse, ela disse: Ética vaga.

| Desfavor | | 51 comentários em Ele disse, ela disse: Ética vaga.

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SIM SENHORA!: A partir de amanhã volta a semana de punição para o Somir. A postagem de segunda-feira já estava “paga”, por isso uma coluna normal hoje.

Quase todos nós já passamos pela experiência de redigir e entregar currículos para conseguir um trabalho. E quase sempre disputando com outras pessoas… Sally e Somir discordam sobre as benesses da honestidade nessa competição tão cotidiana. Os impopulares se candidatam a elucidar a questão.

Tema de hoje: Vale a pena mentir no currículo?

SOMIR

Minta. Minta porque as pessoas superestimam a verdade. Provavelmente todos nós fomos criados em ambientes onde a mentira era mal vista e até mesmo motivo de punição, principalmente quando crianças. O que não é algo ruim, longe disso: Precisamos aprender esse valores. Mentiras podem nos fazer muito mal, nos colocar em risco, ainda mais quando a inocência infantil é um fator a se considerar.

Agora, a vida continua… E começamos a entender como essa relação entre verdade e mentira é bem mais complexa do nos fora previamente ensinado. A vida real não se faz de mocinhos e bandidos, certos e errados. Algumas mentiras são benéficas não só para nós mesmos como para a sociedade em geral. Sei que Sally vai argumentar que não é para ser sincericida e falar o que der na cabeça sem filtros. Sei que boa parte de vocês vai concordar.

Isso é previsível: A vida adulta nos traz uma boa compreensão da mentira. Mas poucas são as pessoas que estendem essa análise aprofundada à verdade. A verdade é relativa, ela pode ser construída de várias formas e contaminada por várias fontes. Pode-se falar uma verdade mentindo e mentir-se usando apenas verdades. Mas por algum motivo filosófico demais para nos preocuparmos por aqui, muita gente parece presa no conceito infantil de verdade: Que ela EXISTE. Pensando que a mentira é relativa, mas a verdade é absoluta.

O que é, ironia à parte, uma bela de uma mentira. A ideia de verdade depende de quem a concebe. O que importa é passar a informação relevante. E se é uma mentira que vai permitir que essa informação encontre seu caminho, que a mentira seja sua embarcação. E antes que algum de vocês morra de tédio, só escrevo isso para dar um embasamento teórico aos dois argumentos centrais do meu ponto de vista nesta discussão:

1. Currículos são péssimos para auferir a capacidade de uma pessoa.

Imagine duas pessoas: Uma fazendo um curso numa universidade de prestígio, caríssima; outra fazendo o mesmo curso numa universidade vagabunda e devendo até as calças para pagar a mensalidade. Em tese, a pessoa da universidade prestigiosa deveria ser melhor profissional do que a da vagabunda, não?

Mas se você já entrou num desses cursos superiores de alto padrão, sabe muito bem que vagabundos, desinteressados e completos imbecis acabam não só se matriculando como se formando. Se você já frequentou uma desses cursos toscos, deve saber que algumas pessoas brilhantes e esforçadas sempre acabam aparecendo no meio da turma. Como separar o joio do trigo lendo apenas uma linha num currículo?

Vamos imaginar mais: Uma pessoa que tenha trabalhado por conta própria na área da qual a vaga se trata. Informalidade é comum muito além de camelôs e muambeiros… O Custo-Brasil impede muita gente de formalizar suas experiências de trabalho. O que vale mais, um ano de experiência como estagiário numa empresa grande ou um ano de “se vira aí” num projeto próprio? Muita gente nessa vida aprende a fazer um trabalho sem suporte oficial. E normalmente são mais empolgadas e proativas por causa disso. Quem vai preencher melhor a vaga?

E por último (só porque o limite de páginas é pequeno aqui), falemos de cursos, línguas e especializações: Transformar conhecimento em diploma ou certificado tem dois custos, o financeiro e o horário. Nem todo mundo tem essa disponibilidade. Mas quase todo mundo tem um conjunto de habilidades e diferenciais. Não é só fazendo curso e pagando mensalidades que as pessoas aprendem. Aliás, a vida já me mostrou que gente que aprende por conta própria tende a ser mais interessada e propícia à evolução na profissão. A maioria das pessoas não acorda pensando que vai aprender a mexer no AutoCAD ou no Photoshop, elas precisam ou ter vontade de fazer alguma coisa com isso ou vontade de colocar uma linha no currículo. Quem vale mais para a empresa?

E sem contar que às vezes a verdade conta umas mentiras: Cidadão com bom conhecimento (aprendido por conta própria) numa língua estrangeira pode ter a noção de como é no máximo intermediário. Cidadão “faço escolinha de inglês” pode achar que é avançado. Se ambos escreverem a verdade que acreditam no currículo, podemos ter uma séria distorção de valores. E quem lê o currículo não consegue ler isso… O que me leva ao segundo ponto da minha argumentação:

2. A maioria das pessoas não se dedica ao seu trabalho.

Elas apenas vendem horas de sua vida e querem que tudo ocorra da forma mais fácil e conveniente possível. Funcionários de RH também. Currículos e filtros são uma ótima forma de não ter que se dedicar ao trabalho de contratar talentos para a empresa. A pessoa ganha salário e costuma cagar para o resto. Muito por isso que acontece o problema “vicioso” de muitos jovens (alguns muito talentosos até) de precisarem de experiência para conseguir experiência.

O que mais acontece é pegarem uma penca de currículos, pegarem algumas regrinhas arbitrárias do tipo “Formado em X, Y ou Z”, “Inglês avançado” e “2 anos de experiência” e simplesmente jogarem fora todos os currículos que não se enquadram. Se você foi honesto, provavelmente morreu nessa etapa. Se você mentiu, vai ter mais uma chance na entrevista. E aí acontece o que eu acho mais lindo sobre mentiras: Elas tem consequências. Se você não for capaz de mantê-la, vai rodar. Mas se você for… Parabéns: Ela virou verdade!

Se você for capaz de dar conta do trabalho para o qual foi contratado, NINGUÉM liga para o nome da faculdade que você fez e para experiência anterior. Em empresa grande pouca gente se importa de verdade, em empresa pequena, resultado vale mais que qualquer coisa.

Não estou te dizendo para mentir porque é melhor ou mais seguro, estou te dizendo para nunca se esquecer que a verdade é uma coisa muito mais relativa do que um conjunto exato de palavras. E como a maioria das empresas é SEDENTA por gente interessada e motivada (isso dá muito mais dinheiro), a sua mentira pode muito bem virar verdade na hora do vamos ver. E se o seu problema ético é tirar a vaga de uma pessoa mais bem preparada (o que eu não acredito, mas imagino que a maioria goste de acreditar), lembre-se que até mesmo dizendo a verdade no currículo isso acontece… Tem sempre alguém que deixou de mencionar ou valoriza algo importante. Quem “mentiu” dizendo a verdade.

Mas se for mais agradável continuar acreditando em conceitos absolutos, tudo bem… é coisa de Deus!

Para dizer que mentira é coisa feia, para dizer que o bicho papão pega criança mentirosa, ou mesmo para dizer que aprendeu sua lição da vez que ficou sem sobremesa: somir@desfavor.com

SALLY

Ser ou não ser honesto em entrevistas de emprego e na elaboração de curriculum, eis a questão.

Eu sempre defendi a honestidade antes da contratação, seja em curriculum, seja em entrevistas. Entendam que existe uma diferença entre honestidade e sincericídio. Certas coisas como falar mal do ex-empregador devem ser evitadas, por exemplo. Quando falo em honestidade me refiro a não mentir para se valorizar: afirmar que fala idiomas que não domina, dizer que fez cursos que não fez, esse tipo de coisa. Não por moralismo, mas porque acho burrice mentir nessas horas, a mentira vai voltar para te morder na bunda mais cedo ou mais tarde.

Começa que mentir é de alguma forma assumir que você não é bom o bastante para ser contratado pelo que é, pela sua qualificação. Acho humilhante. Se você acha que está deixando a desejar em algum ponto, em vez de mentir, vá estudar e melhorar ou aprender aquilo que você gostaria de ter e não tem. Melhor do que mentir dizendo que tem.

Por mais que você consiga mentir e essa mentira não seja descoberta por pessoas treinadas para entrevistar outras pessoas e dissecar sua linguagem corporal, existe uma boa chance de que em um futuro não muito distante sua mentira seja desmascarada. A habilidade que você dizia ter e não tem pode ser solicitada de forma repentina, muitas vezes até informal, causando uma grande vergonha após sua contratação. Pode nunca ser descoberto, mas só o risco constante de ser desmascarado já inferniza a vida de quem tem um mínimo de vergonha na cara.

Você pode estar pensando “Mas Sally, todo mundo faz”. Mais um motivo para não fazer. Ou você quer ser “todo mundo”? Eu quero mais é me destacar dessa grande massa e ser diferente. Todo mundo acha que sua mentira vai passar impune. Que tal, para variar, não se comportar com essa arrogância de achar que é mais esperto que o empregador? Essa postura vale muito mais do que falar outro idioma ou ter feito um curso X.

Pessoas que trabalham no RH de uma empresa estão acostumadas a ler pessoas e estão acostumadas a ouvir sempre as mesmas baboseiras: entrevistados que quando perguntados sobre seus defeitos dizem ser muito perfeccionistas e esse tipo de coisa. Uma postura diferente, digna, vale muito mais do que qualquer habilidade inventada. Uma postura verdadeira vai chamar a atenção do entrevistador, já que ser verdadeiro é artigo de luxo hoje em dia. Se você acha que não se destaca por suas habilidades, tente, em vez de mentir, se destacar por sua postura.

Supondo que a habilidade ou o conhecimento que você não tem seja fundamental para o cargo e se você afirmar que não a tem não existe a menor chance de ser contratado. Ainda assim, sinceramente, para que mentir? Se a empresa faz questão daquele requisito específico, você simplesmente não se encaixa no perfil desejado. Porque forçar sua presença em um lugar que te acha insuficiente? Porque você se acha tão foda a ponto de não ter os requisitos exigidos e ainda assim estar apto para o cargo? Não entendo. Se me derem um bisturi e mandarem operar alguém, eu vou declinar do convite porque sei que não estou apta a fazê-lo.

O bacana é ser espertão, é enganar o patrão e conseguir um cargo para o qual a pessoa não preenche os requisitos? Quem faz isso é desonesto, sem noção ou mentiroso. Quem consegue se enfiar em um cargo graças a falsas qualificações é malandro, é sagaz, é esperto. Queira mais para você e para a sua vida.

Vai ter quem diga que “tem que” mentir para conseguir uma vaga porque todo mundo mente. Não é verdade. Essa ideia de que “todo mundo faz então eu vou fazer” é coisa de quem tem cabeça pequena. Existem sim empresas que apreciam honestidade. Acho que as pessoas, na real, nem mentem para conseguir vaga, mentem por baixa autoestima e para ter a sensação de serem muito espertas. Mas não é esperteza. Mentira tem perna curta, já diziam nossas mães.

Uma pessoa que não tem os requisitos que a empresa quer tem vários outros caminhos além da mentira: correr atrás de alcançar esses requisitos por conta própria (porque internet não é para passar o dia no Facebook) ou até mesmo informar à empresa que se lhe for proporcionada uma oportunidade de aprimoramento estaria disposto a investir nos requisitos que lhe faltam (já vi empresas bancarem cursos porque gostaram do entrevistado). Mentir não é o único caminho, por mais que os mentirosos adorem defender essa teoria.

Acho até meio sintomático afirmar com a maior cara de pau que tem aptidões que na verdade não tem, olhando nos olhos de um entrevistador e continuar sustentando essa mentira no local de trabalho. Isso é feio, muito feio, eu teria muita vergonha de fazer. É uma espécie de estelionato intelectua. Fora o inferno que é viver sustentando uma mentira. Não é legal nem com você mesmo se colocar nessa situação.

Mentira não é coisa de gente esperta, mentira é coisa de otário. Não faça isso.

Para concordar em tese comigo mas na prática continuar mentindo, para dizer que correr atrás das qualificações exigidas dá muito trabalho ou ainda para não opinar por estar envergonhado: sally@desfavor.com

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