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Desfavor Explica: Drones.

| Sally | | 30 comentários em Desfavor Explica: Drones.

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Na hora de inventar formas cada vez mais eficientes de matar, o ser humano é de uma assertividade ímpar. Enquanto parte da população mundial morre de fome e de doenças curáveis, o arsenal militar sofistica-se cada vez mais e o maior exemplo disso é a nova máquina mortífera da vez, muito badalada nos jornais, porém pouco explicada. Esse novo brinquedinho sobre o qual vamos falar hoje se chama, tecnicamente, VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, ou no inglês, UAV – Unmanned Aerial Vehicle. Mas acabou sendo popularizado como “Drone”, que no inglês significa “zangão” (macho da abelha), graças ao ruído que faz ao se aproximar do seu alvo, um zumbido que dá a impressão de ter uma abelha por perto. Sendo este o nome mais popular, não cabe a mim ser do contra. Desfavor Explica: Drones.

Drone é qualquer aeronave não tripulada que possa ser comandada à distância e em tempo real. Aviãozinho com controle remoto, só que grande, podendo ultrapassar os 20m de distância entre uma ponta da asa e a outra. Nem sempre os Drones tem fins bélicos, aliás, a ideia inicial nem era essa. Até onde se sabe, foram usados pela primeira vez pelos EUA na década de 60 (apesar deles negarem) como forma de espionar, tirando fotos, filmando e gravando inimigos. Oficialmente, apenas em 1994 os EUA começaram a testar Dornes carregados com armamentos, para fins bélicos e, ainda oficialmente, só em 2001 eles começaram a ser utilizados. Tudo mentira, muito antes disso já tinha gente morrendo via Drone.

A invenção costuma nascer da necessidade. Uma breve história do passado para contextualizar a criação dos Drones. No ano de 1960, em plena Guerra Fria entre EUA e URSS (Ex-União Soviética, atual Rússia e uns trocados, para os mais jovens), os EUA queriam espionar a União Soviética. Para isso, mandavam aviões tripulados tirarem fotos, filmarem e coletarem o máximo de informações possíveis, até que um dia um deles, chamado U2, foi abatido e o piloto, Francis Gary Powers, capturado. A URSS manteve o piloto refém e o exibiu como troféu, fez bullying internacional, tripudiou. O mundo todo ficou sabendo, os EUA foram humilhados, a opinião pública se encarregou de discutir o assunto até que ele queimasse por completo a imagem do país. Os EUA perceberam que se isso virasse uma coisa recorrente, teriam muitos problemas em dar continuidade a suas atividades.

Pegam então um projeto de avião não tripulado que já existia e, até então, servia apenas como “alvo móvel” para treinamento de pilotos de caça (assim como quem atira na terra, quem atira no ar tem que treinar em alvos) e investem bilhões neste pequeno “alvo móvel” para que além de voar, faça outras gracinhas. Onde há dinheiro e há mentes pensantes trabalhando, há resultado. Rapidamente os Drones estavam em funcionamento: aviões que poderiam ser comandados à distância, sem tripulantes e poderiam espionar sem risco de cair e arranhar o nome do governo. Cura do câncer é para os fracos, os fortes investem em avião a controle remoto. Durante muito tempo os Drones foram usados mais para espionagem ou, como gostam de chamar, “reconhecimento”, mas logo perceberam seu potencial e começaram a agregar “utilitários”.

Um “Drone médio” pode voar a uma velocidade de 200km/h, a 7.500m de altitude e tem em média autonomia para 40 horas de voo. Alguns conseguem alcançar o dobre de velocidade e altura, dependendo do modelo e da tecnologia. Hoje, podem carregar mísseis, bombas, armas químicas e qualquer outra maldade que a mente humana consiga inventar. É possível dizer que a indústria dos Drones está em expansão e que eles são a bola da vez na indústria bélica. Atualmente novos modelos com novas habilidades estão sendo desenvolvidos como prioridade máxima, cite-se como exemplo um Drone que pode decolar de um porta-aviões, outro que pode aterrissar sozinho, no “piloto-automático” ou programado para cumprir sua missão e retornar sozinho ao mesmo lugar de onde saiu. Tem também um movido a energia solar que lhe dará vários dias de autonomia, outro que será capaz de atacar aeronaves em movimento e até mesmo “micro-drones”, do tamanho de insetos, que poderiam levar agentes químicos letais sem serem notados.

Você pode estar pensando: é só mais um recurso, como isso afeta o mundo? Os Drones certamente afetarão. Primeiro porque sua autonomia de voo, salvo caras e raras exceções, é baixa, ou seja, ele não tem muito tempo para agir depois que decola. Logo, se quem o usa quiser que ele vá, cumpra sua missão e volte em segurança (Drone kamikaze custa caro) ele deve ser enviado de uma região próxima à do conflito. Isso reacende uma disputa antiga por territórios “estratégicos”, coisa que já pensávamos ser passado, afinal, quem quer jogar uma bomba não precisa de proximidade. Mas jogar uma bomba, o grande temor do mundo por muitas décadas, aparentemente não é mais uma opção.

Com a orkutização da energia nuclear, qualquer Zé Ruela pode fazer uma bomba atômica. Republiquetas ditatoriais reempregaram cientistas russos mortos de fome em troca desta tecnologia e conseguir urânio ou material que o valha não é mais aquela dificuldade. Hoje a perspectiva é que o primeiro a jogar uma bomba, além de ter a opinião pública toda voltada contra si em função do número inaceitável de vítimas que faria, também receberá 30 de volta em seu país. Ninguém quer isso. É preciso matar sem chamar muito a atenção. É preciso matar sem necessariamente revelar a autoria. Fórmula atual do sucesso: matar gente que aos olhos mundiais “não vale nada” aos poucos, discretamente, sem fazer alarde. O mundo vai fingir que não vê, como está fingindo com a Síria.

E para isso os Drones se prestam bem, ele são de fato mais discretos. Não fazem um estrago global, não comovem a opinião pública. A bomba atômica seria como jogar shampoo para piolhos em uma cabeça infestada e os Drones seriam catar os piolhos um a um. Os Drones são “invisíveis”, no sentido de que seus estragos não repercutem quase nada, sobretudo em países onde aprendemos nos acostumar que morre gente todos os dias. Matam em pequenas porções e muitas vezes nem é possível creditar essas mortes aos autores, já que alguns são invisíveis aos olhos dos radares e quem os visualiza ao vivo dificilmente sobrevive a eles. Muitas vezes o próprio governo ajuda a acobertar o uso de Drones de outras nações, atribuindo a paternidade do “filho feio” a grupos de oposição, rebeldes ou qualquer um que eles queiram queimar.

Aliás, há relatos na Síria de que muitas das pessoas afetadas pelo suposto agente tóxico teria avistado Drones antes de passar mal. Quem garante que não estão jogando agentes químicos via Drones? Quem garante que não temos outro país intervindo para matar estrategicamente um grupo de pessoas utilizando outras tantas como “dano colateral”? Não se enganem, por mais espertos que achemos ser, na verdade não temos ideia nem da ponta do iceberg em matéria de acordos e política internacional. Podem estar sendo disputados recursos que nem sabemos existir. Não sabemos nada, nada mesmo, a não ser o fato de que estão morrendo pessoas na Síria e nem os EUA nem a ONU estão com a menor vontade de se meter. E claro, que a população local fala em Drones, mas não se provou nada.

Não tenham dúvidas que historicamente muitas atrocidades só não foram cometidas pelo medo: medo de capturarem pilotos e descobrirem informações confidenciais, medo de causarem incidentes internacionais voltando a opinião pública contra o governo, medo da morte de nacionais… enfim, medo. Quando não se arrisca um dos seus ou quando se perde o medo a tendência é fazer atrocidades sem limites. Quando quem controla o poderio bélico está bem longe de tudo que está acontecendo, em segurança e sem visualizar o estrago que está causando, a facilidade para cometer atrocidades aumenta. Sim, os grandes pilotos de guerra da atualidade são burocratas que passam o dia em um escritório mexendo em um controle remoto. O mundo mudou. Quem ataca agora são os nerds. Uma nova guerra está começando.

Os Drones são os navios piratas do século XXI. Trabalham com o fator surpresa e nem sempre é possível identificar de onde vieram. OFICIALMENTE, só no Paquistão, ocorreram 234 ataques de Drones, que resultaram na morte de centenas e mais centenas de pessoas – e isso é só o começo. Além de tudo, Drones são bem mais baratos que os aviões convencionais e para pilotá-los basta um cursinho de quatro anos, que por sinal, é oferecido por Universidades dos EUA. Vejamos: é mais barato, é mais discreto e não tem reprovação social… evidente que daria certo! Entre os anos de 2004 e 2010 o uso de Drones subiu “apenas” 5.200%. Oficialmente os EUA contam com mais de sete mil Drones hoje em dia.

A questão é: Drones matam civis. Fato. Matam gente inocente. E muitas vezes nem é de forma intencional. Já aconteceu de Drones dos EUA matarem soldados americanos. Por ser uma tecnologia relativamente “nova”, ainda não é 100% eficiente. As duas bases onde se controlam os Drones ficam no estado de Nevada, nos EUA (spoiler para quem quiser cortar o mal pela raiz), ou seja, bem distante de seus alvos. Por isso, em muitos casos a comunicação entre a base e a aeronave tem pequenas defasagens, coisa de segundos, mas que bastam para fazer merda, já que os pilotos são guiados basicamente pelas câmeras instaladas nos Drones. Esse delay já custou a vida de muitos inocentes.

Também por ser “tecnologia nova”, ocorrem muitos erros. Estima-se que até 40% dos Drones apresentem alguma falha mecânica ao longo de sua vida útil. Isso pode significar cair no meio do caminho, na cabeça de quem não tinha nada com isso. Ou cair bem depois do alvo, em um país amigo. Em 2009 um Drone contendo 200kg de bombas surtou e começou a não responder aos comandos, tendo que ser abatido no ar por um Caça F-15 antes que acontecesse um desastre. Sem contar que erros verdadeiros também viram argumento para justificar abusos propositados: “Desculpa aí que a gente jogou uma tonelada de explosivos no único hospital da sua cidade, sabe como são esses Drones, às vezes eles erram…”. Tipo namorado que desliga o celular para trair a namorada e depois culpa a operadora que ficou sem sinal.

Além disso, foquemos na questão do ser humano. Honestamente, se cada vez que um ser humano se emputece com o outro ele pudesse matar impunemente, de forma anônima e discreta, quantas pessoas sentariam para conversar nesse mundo? Pois é. Historicamente, se existissem Drones desde sempre, muitos acordos de paz não teriam sido firmados, muitas conversas teriam sido abortadas. Esse poder de matar o outro de forma quase que “invisível” e “anônima” é uma grande tentação para as nações que estão por cima em matéria de poderio bélico. Incomodou? Manda um Drone. Drone é uma versão letal da carta anônima, solução covarde de gente que está desesperada. Caminhamos para uma era onde a resposta a conflitos volta a ser a morte. Os Drones facilitaram demais matar quem incomoda, pois é uma morte precisa que não deixa milhões de civis feridos em uma única incursão.

Os Drones aparentemente chegaram para ficar, tanto é que desde seu surgimento, na década de 60 até hoje, mais cinquenta nações desenvolveram seus próprios modelos. Não apenas países, como também grupos terroristas como o Hezbollah também tem Drones. Pasmem, até o Brasil fabrica Drones, como sempre, com nomes cagados: Gralha Azul, Projeto Arara, Projeto Tiriba e coisas do tipo, bem cagadinhos também na tecnologia, com autonomia de voo média de três horas apenas. Na verdade, nem me espantaria se o próximo Drone brasileiro fosse batizado de “Fuleco”.

Em resumo, qualquer país pode desenvolver um Drone e recheá-lo com o que sua tecnologia ou imaginação acharem de pior e jogá-lo na cabeça do vizinho. Dias de cu na mão nos esperam. O certo seria assinar um tratado internacional proibindo o uso de Drones, pelo bem da humanidade. Mas ninguém vai querer, porque no momento eles são muito úteis para quem detém poderio econômico e bélico, sem contar no quanto são lucrativos para quem os fabrica. Talvez tenhamos que aguardar meia dúzia de Drones destruírem os principais pontos turísticos dos EUA para que esta conversa tome forma. E não quero nem pensar no que vai acontecer quando a polícia brasileira tiver grande acesso a Drones. Para quem não sabe, já existem alguns à sua disposição, mas por sorte ainda são bem cagados.

No momento, o maior perigo no que diz respeito aos Drones é a falta de informação, que os reveste de uma suposta “inofensividade”, afinal, tudo que é perigoso costuma ser alardeado. Drones são sim um perigo presente e futuro. Já vem sendo usados de modo a violar direitos humanos, já mataram mais inocentes do que você imagina e podem sim ser usados como armas letais de grande escala, dependendo do que carreguem. Recentemente setores voltados ao estudo de toxinas e componentes químicos letais vem recebendo “incentivos” (entenda-se, dinheiro) do Governo dos EUA. Porque será que eles estão investindo tanto nisso? E ainda que se saiba do que está ocorrendo, como provar que uma nação usou armas químicas contra a outra, se ela usou um avião não tripulado invisível a radares para espalhá-la?

Imagino que o próximo passo da indústria bélica seja criar Drones que interceptam Drones. Quem o fizer ficará rico, pois não vai demorar muito os Drones serão o que eram os comunistas ou os terroristas, a nova ameaça mundial, só que pior: sem rosto, sem bandeira, sem autoria. O ser humano tende a cometer abusos quando acha que está protegido pelo anonimato ou quando acha que seus atos não vão repercutir. Ambas as sensações são causadas pelos Drones. Vai dar merda, muita gente tá sabendo que vai dar merda, mas como é do interesse de quem dá as cartas, os Drones continuarão, cada vez piores, cada vez mais perigosos.

Com a popularização e o barateamento, civis bem relacionados podem ter acesso a pequenos Drones hoje em dia, como é o caso do Battlehawk ou o Switchblade. Eles pesam pouco mais de 2kg e são comandados por um aplicativo de telefone celular ou tablet. Prato cheio para quem quer fazer um atentado terrorista, não é mesmo? Mais uma vez os EUA fazendo por onde tomar no próprio rabo tendo a certeza de que só eles são espertos e só eles vão se beneficiar daquela determinada tecnologia. A quem interessar possa, há empresas no Brasil que anunciam o aluguel de Drones, apesar da ANAC proibir seu uso sem um registro específico. Um levantamento divulgado em um famoso site de notícias estimou que cerca de duzentos aviões não tripulados circulam livremente pelos céus brasileiros sem que a ANAC sequer perceba.

Drones ainda vão causar muitos problemas, alguns que provavelmente nem sequer conseguimos antever no momento, e também muitas mortes. Uma pena que ninguém consiga antever o grau de risco que eles representam, pois se pudessem, veriam que no final das contas ninguém vai sair ganhando.

Guarde com carinho este texto, você ainda vai se lembrar dele no futuro.

Para perguntar o que estão esperando para mandar um Drone para o Congresso, para se perguntar o que vai ser do mundo agora que o terrorismo está nas mãos dos nerds ou ainda para dizer que ter apenas três horas de autonomia de voo basta para Drones brasileiro pois é mais do que suficiente para chegar na Argentina: sally@desfavor.com

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