Skip to main content

Colunas

Arquivos

Desfavor Convidado: No Terreiro.

| Desfavor | | 25 comentários em Desfavor Convidado: No Terreiro.

desc-desven001

Desfavor Convidado é a coluna onde os impopulares ganham voz aqui na República Impopular. Se você quiser também ter seu texto publicado por aqui, basta enviar para desfavor@desfavor.com.
O Somir se reserva ao direito de implicar com os textos e não publicá-los. Sally promete interceder por vocês.

Série Jornalismo Literário: No Terreiro.

Aos que ainda não sabem, eu sou jornalista e sempre tive um certo respeito pelo jornalismo Gonzo. O Gonzo é um estilo que mistura realidade com ficção e foi criado por Hunter S. Thompson ao ser contratado para escrever uma reportagem sobre uma corrida no deserto. Ao invés disso, ele ficou em Las Vegas e gastou todo o dinheiro que o jornal havia lhe dado em bebidas e drogas, além de ter fugido do hotel onde havia se hospedado após fazer uma enorme dívida. No final das contas, o que ele entregou ao jornal foi uma série de impressões pessoais desses dias malucos que passou na esbórnia e claro que o negócio foi um sucesso, tanto que pode ser visto até em filme (Medo e Delírio Direção: Terry Gilliam – 1998).

Pois bem, sempre que possível, eu realizarei reportagens com esse estilo mais pessoal e literário. Não chegarei aos extremos de Hunter, mas tomarei certas liberdades que beiram a ética jornalística para contar uma história sobre algum fato que pesquisarei. Para tanto, farei uma produção digna de jornalismo com pesquisas, entrevistas e tudo mais.

Um dos preceitos do jornalismo Gonzo é realizar entrevistas sem a necessidade da pessoa saber que está sendo entrevistada, mas isso pode acarretar em problemas judiciais. Nesses casos manterei o bom senso de preservar as fontes, divulgando apenas as iniciais de seus nomes ou criarei nomes fictícios. Quando o assunto não for polêmico ou quando minhas opiniões não forem agressivas o suficiente para gerar desconforto nos entrevistados, manterei seus nomes reais.

Caso alguém se interesse em conhecer mais sobre esse estilo, recomendo a revista Piauí, o site da Vice, as reportagens-quadrinhos de Joe Sacco ou as histórias escritas por Hunter que podem ser facilmente encontradas na internet. Boa leitura e vamos ao texto de hoje.

I

Sempre me interessei em pesquisar religiões, mas algumas me agradavam mais que outras, sendo que duas delas sempre me despertaram um interesse mais forte: o budismo e o espiritismo. De todas as religiões que pesquisei, essas duas foram as mais maleáveis com relação aos pensamentos de seus seguidores. Tanto que elas não se consideram como religião, mas sim como doutrinas espirituais para atingir níveis mais altos da existência.

Durante minhas pesquisas sobre o espiritismo, acabei me deparando com a Umbanda, uma religião jovem que nasceu em Niterói no RJ. Porém, sempre que eu resolvia visitar um terreiro, algo errado acabava acontecendo e isso me impedia de conhecer a religião. Comecei a pensar que isso era um aviso divino de que aquilo não era para mim, mas teimoso que sou continuei a busca mesmo assim.

Até que belo dia, pesquisando sobre a Umbanda, descobri que havia um terreiro a duas quadras da onde eu trabalho e que os trabalhos eram feitos às sextas-feiras a partir das 8 da noite. Eis que me surpreendo ao olhar para o calendário e perceber que aquele dia era sexta-feira. Não tive dúvida, fiquei no trabalho até mais tarde e fui conhecer o terreiro, que fica na Rua Meciaçu em um bairro de Campinas chamado Vila Ipê.

Caminhei por ruas escuras, mas encontrei o local com certa facilidade, já que podia ouvir os batuques de longe. Ao entrar, fui recebido com um sorriso pela Dona Sueli Galerani, que é a mãe do terreiro. Ela me perguntou se era minha primeira vez ali e ao responder que sim, ela me deu um ficha com senha para falar com um cacique quando meu número fosse chamado. Estranhei, pois não via nenhum indígena por ali, mas enfim.

Aguardei os trabalhos começarem e depois fiquei rodando o pequeno salão, que deve caber no máximo umas quarenta pessoas. Pequeno, porém acolhedor, pois perguntando para as pessoas que frequentavam ali há mais tempo, descobri que o terreiro havia nascido nos fundos da casa de Dona Sueli. Porém, o número de atendimentos foi aumentando e ela precisou ir para um lugar maior, encontrando ali o lugar ideal para o propósito da Umbanda.

Durante meus rodeios pelo lugar enquanto não chamavam meu número, por coincidência reencontrei uma antiga colega de trabalho, que conheci no meu primeiro emprego na área de jornalismo. Conversamos por um tempo e ela me explicou que era a segunda vez que estava indo lá, por indicação de um cinegrafista que havia aliviado suas dores graças às orações da casa. Enquanto isso, as pessoas lá na frente se contorciam e faziam barulhos estranhos, já que estavam incorporando os espíritos que iriam fazer o trabalho do dia.

Na casa funciona assim, os médiuns ficam separados por uma corrente e é dentro dela que ocorrem as orações iniciais e toda a parte de preparação dos trabalhos. Do outro lado da corrente, ficam as pessoas que aguardam pacientemente serem chamadas pelo seus números de ficha. Ao entrar na corrente, a pessoa deve pedir permissão e estar descalça para simbolizar respeito por aquele local sagrado. Quando chamaram meu número, juro que procurei o tal cacique novamente, mas fui levado até a Dona Sueli.

Nesse primeiro contato, me mantive o mais cético possível, pois não consegui acreditar que meia dúzia de batuques e cantoria seriam o suficiente para trazer espíritos incorporados. Ao questionar o cacique sobre isso, ele só me respondeu: “Você acredita em reencarnação?”. Respondi que não, então ele (ou ela) me olhou e retrucou: “Por que?”. “Não consigo acreditar que um mesmo espírito retorne várias vezes pra essa merda de mundo. Se o objetivo é evolução, mesmo a pessoa mais atrasada espiritualmente só passa aqui uma única vez e segue em frente”.

O cacique me olhou com mais interesse e me perguntou se já havia lido “O livro dos espíritos” de Allan Kardec, respondi que não (mas já havia lido, fiz isso apenas como teste para ver se ele percebia a minha mentira, mas não percebeu). Após isso ele me contou a história de Tupã: “Na minha tribo, Tupã é o Deus do trovão que com a ajuda de Jaci desce à Terra. Quando chega aqui, ele começa a criar os seres vivos, as florestas e coloca as estrelas uma a uma lá no céu. Tupã então criou a humanidade a partir de estátuas de argila e deu vida a elas com seu sopro divino. Depois disso foi embora, deixando o homem conviver com os espíritos do bem e do mal. Você é como um desses homens de argila, que vive no mundo rodeado de gente boa e de gente ruim , que chega aqui sem saber o quer e ainda duvida do que é ensinado aqui nessa casa, mas logo vai aprender que o caminho de Tupã é o único verdadeiro e certo”.

Ao final da consulta, ele me abraçou e nos despedimos cordialmente. Esperei minha colega ser atendida e fomos embora juntos. Ao caminharmos até o ponto de ônibus, expressei minha indignação com esse primeiro contato com a Umbanda, já que eu esperava uma espécie de espetáculo paranormal com espíritos fazendo poltergeist, lendo mentes e mostrando poderes que nós reles mortais não possuímos. Hoje sei que essa foi uma das maiores besteiras que já pensei na vida, mas até então eu era um reles ignorante na religião umbandista.

Mesmo assim, esqueci o assunto e pensei que nunca mais colocaria os pés novamente naquele terreiro. Um outro erro, já que dali algumas semanas um problema de saúde de minha afilhada de casamento mudaria para sempre minha forma de pensar sobre a fé, a justiça divina e até mesmo uma possível conversão umbandista.

Por enquanto a história acaba aqui, pois um bom jornalista literário nunca entrega toda a história de uma vez, já que é preciso deixar aquele gostinho de esperar pelo próximo capítulo. Sendo assim, além das coisas ocultistas que costumo escrever para o blog, sempre que possível enviarei também essas reportagens com impressões pessoais. Apesar de minha intenção ser o mais verídico possível, colocarei sim pitadas de ficção nessas histórias, então espero que tenham gostado e aguardem o próximo texto.

Paz Profunda a todos.

Chester Chenson

Comentários (25)

Deixe um comentário para Suellen Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.