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Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 5: Infarto

| Sally | | 59 comentários em Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 5: Infarto

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Um dos problemas de saúde que mais mata no Brasil e no mundo, que se for detectado no início é altamente reversível, cujos hábitos de vida podem minimizar ou evitar. Mas graças à ignorância somadas à arrogância do brasileiro médio, mata muito mais do que a média em países desenvolvidos. Série Primeiros Socorros – Desfavor Explica: infarto.

Qualquer órgão do corpo precisa de sangue rico em oxigênio (papo técnico: sangue arterial) para funcionar e se manter vivo. Qualquer órgão entra em colapso se não receber oxigênio através da corrente sanguínea, é o chamado “infarto”. Qualquer órgão pode sofrer um infarto. Quando isso acontece com o coração, quando há uma obstrução (por qualquer motivo) nas artérias que nutrem o músculo cardíaco (papo técnico: artérias coronarianas) se chama popularmente de “ataque cardíaco” ou tecnicamente de infarto do miocárdio. Como qualquer músculo que não recebe oxigênio, ele morre, necrosa e para de funcionar. Infarto = não chegar sangue suficiente a qualquer órgão. Infarto do miocárdio = não chegar sangue suficiente ao coração.

As causas que levam ao infarto do miocárdio podem ser muitas, mas estima-se que hoje a maior parte delas seja externa, relacionadas com hábitos do paciente: sedentarismo, obesidade, tabagismo, ingestão de excesso de gorduras, depressão e outros. Existem sim propensões genéticas, mas no geral, a última palavra sobre a vida útil de um coração é do seu dono, da forma como ele escolhe tratá-lo. De todos os fatores de risco, o mais agressivo é o tabagismo, portanto, se você quer se cuidar, sugiro que comece por aí. E dentre as formas de prevenção, a principal é a prática regular de atividade física. O corpo humano não foi pensado para ficar em repouso, foi desenvolvido para correr, caminhar, caçar seu alimento. Tal qual uma máquina, se ficar muito tempo parado pode ter problemas. Não é a atividade física que “faz bem”, é o sedentarismo que faz mal.

Diversas causas podem impedir a chegada de sangue ao coração. Qualquer alteração nas artérias que irrigam o coração que as impeça de cumprir sua função é chamada coronariopatia. Ela pode se originar de um processo espontâneo, como por exemplo a contração involuntária de uma artéria, gerando um espasmo (evento ainda não muito bem explicado pela medicina) ou pelo bloqueio, que costuma ser devido ao acúmulo de placas de gordura e às lesões que elas geram. Como sempre, o ser humano fazendo besteira é a regra e o defeito de fábrica é a exceção, a forma mais comum é o acúmulo de gordura nas artérias. E já que esta é a forma mais comum, vamos entender como ela acontece.

Pense em um rio, que vai acumulando sedimentos às suas margens. Em um primeiro momento, não apresenta qualquer problema. Mas ao longo dos anos, esse acúmulo de sedimentos pode prejudicar o fluxo do rio e até mesmo interromper sua passagem de água, represando-a. É isso que acontece nas nossas artérias, só que em vez de sedimento, são placas de gordura e em vez de água, é sangue. Se o entupimento ocorrer nas artérias coronárias, responsáveis por levar sangue ao coração, ele fica sem sangue e consequentemente sem oxigênio. Com isso o músculo cardíaco (papo técnico: miocárdio) morre, o coração para de bater e todo o corpo também fica sem oxigênio, causando a morte da pessoa. É como desligar o motor de um carro, é questão de tempo até todo o resto parar de funcionar.

É comum um entupimento parcial ir se acumulando ao longo dos anos, com placas de gordura que vão se afixando nas paredes da artéria. Esse entupimento parcial não interrompe totalmente o fluxo sanguíneo, mas faz com que pouco sangue chegue ao coração. Com isso coração bombeia mais com mais força, na tentativa de obter o suprimento de sangue (e, consequentemente, de oxigênio) que precisa, o que pode causar o rompimento dessa placa de gordura, já alojada na artéria faz tempo. Esse rompimento acaba lesionando a artéria e para conter essa lesão o corpo tenta estancar o estrago formando um coágulo (papo técnico: trombo) que até contém o estrago feito às paredes da artéria, mas acaba impedindo a passagem do sangue. Portanto, tanto a gordura em si como este mecanismo de defesa do corpo podem impedir o fluxo de sangue para o coração. Não é necessário que a gordura sozinha feche todo o caminho para acontecer um infarto.

A melhor forma de medir a quantas andam essas placas de gordura (papo técnico: ateromas) que entopem a artéria que leva sangue ao coração é controlando o colesterol e os triglicerídeos. Um colesterol elevado indica um sério risco de formação destas placas. O colesterol é dividido em mocinho e bandido. Temos o Bom Colesterol (HDL) e o Colesterol Ruim (LDL). Não basta manter o LDL baixo, é necessário manter o HDL alto se você quer proteger as artérias. Por isso não basta apenas dieta, é indispensável a prática regular de atividade física, forma mais eficiente de elevar o colesterol bom. Também é preciso ficar atento à pressão arterial, pois pessoas hipertensas são grupo de risco. Recentemente os médicos vem admitindo a importância do fator emocional, que pode sim ser determinante. Hoje uma pessoa com depressão é considerada tão “de risco” quanto uma pessoa com problemas de colesterol e existem doença que provocam efeitos similares de fundo emocional, como a “Síndrome do Coração Partido”.

O coração de um corpo sedentário vai enfraquecendo com o passar do tempo, pois não precisa bombear tanto sangue. Por mais que muita gente não goste da ideia, o coração nada mais é do que um músculo, que quando não se exercita, se enfraquece. A única forma de exercitar o coração é exercitando seu corpo. O sedentarismo também faz com que o corpo não queime gordura suficiente, tendo como consequência o acúmulo dela nas paredes das artérias, o que impede a passagem do sangue que levaria oxigênio para manter o coração vivo. Por fim, um pulmão sedentário não tem a mesma capacidade de oxigenar o sangue, fazendo com que sejam necessárias muito mais batimentos do coração para suprir o corpo todo. Uma combinação perigosa.

A atividade física regular (entenda-se, no mínimo uma hora três vezes na semana a longo prazo) é um dos melhores aliados para manter seu coração forte e o sangue circulando sem problemas. Porém, a atividade física eventual é um inimigo. Atividade física uma vez por semana aumenta as chances de sofrer um infarto, pois um coração enfraquecido pelo sedentarismo é subitamente muito exigido e pode não dar conta do recado. Então, você Zé Ruela que se acha o esportista porque joga uma pelada no final de semana, saiba que está se colocando em risco. Se quer jogar sua pelada no final de semana, trate de se exercitar pelo menos três dias durante a semana.

Antes de despejar sobre vocês os principais sintomas do infarto, quero fazer uma ressalva: é MUITO IMPORTANTE estar atento ao seu corpo, apesar de todo o estresse e correria do dia a dia, pois as chances de sobrevivência a um infarto são inversamente proporcionais ao quanto você demora para buscar atendimento médico. SE a medicação for administrada nas primeiras três horas a contar do início dos sintomas, as chances de morrer são de apenas 3%, porém, se esperar seis horas sobem para 30%, oito horas 50% e assim progressivamente. A cada minuto que passa, mais tecido morre, ou seja, maior é o estrago. O infartado é seu pior inimigo. Sabe gente que passa o dia todo se sentindo mal e só deixa para procurar o médico quando não aguenta mais? Pois é, esses são os que morrem. Não seja esta pessoa. Vamos aos sintomas.

O mais comum é uma dor no peito, que pode ser aguda, leve ou apenas uma sensação de sufocamento, de um peso, de opressão no peito. Ela está presente em 80% dos casos, ou seja, em 20% não está. Sim, existe infarto sem dor no peito. Essa dor vem com um mal estar muito difícil de descrever. A dor costuma aparecer do nada, irradiar pelo braço esquerdo ou pelo lado esquerdo do corpo, mas não é uma regra absoluta. A dor também pode ser no ombro, ou até mesmo na barriga e na mandíbula. Nem sempre a dor é na exata região do coração, é comum que ela se localize na região do estômago (popular “boca do estômago”), fazendo com que a pessoa erroneamente pense se tratar de uma gastrite. Dependendo do calibre e da importância da artéria entupida, a dor pode se estender por dias ou até por semanas, antes do pior acontecer.

Os outros 20% dos casos, aqueles onde não se sente dor no peito, ocorrem normalmente em pacientes diabéticos, mulheres ou idosos, mas podem acontecer com outros grupos também. Pode haver infarto sem qualquer dor no peito ou com uma dor muito leve, que não chega a ser um incômodo. É o chamado “infarto silencioso”. Portanto, não espere uma dor terrível para procurar um médico, foco nos outros sintomas e foco no seu corpo de forma global. Em ambos os casos, com dor no peito ou sem dor no peito, é comum sentir também uma sensação de sufocamento, opressão do peito, que muitas vezes causa falta de ar ou é confundida com angústia. Também é muito comum que se sintam náuseas aliadas a um mal estar que comumente implica em tontura, fraqueza, palidez e sudorese. Entretanto, existem casos onde o único relato de mal estar é “azia”.

Como saber então? Bom, mesmo que seja “apenas” azia (na verdade, é um ardor no peito que é confundido com azia) ou náuseas (com ou sem vômito), não vai ser aquela azia e náusea que você está acostumado a sentir. É algo diferente, mais intenso, acompanhado de uma sensação de mal estar generalizada. É preciso estar atendo ao corpo, ouvir os sintomas e perceber que são sintomas de algo a mais e não o problema em si. Você vai perceber que tem algo anormal, algo errado de forma geral. Se sentir qualquer desses sintomas, pare o que está fazendo e preste atenção ao seu corpo por cinco minutos. Observe seu funcionamento, suas sensações. Não entre em estado de negação. Na dúvida, não tome antiácido, analgésico ou nada que camufle os sintomas, corra para um pronto-socorro ainda nas três primeiras horas, existem exames precisos para identificar se é ou não infarto. Sim, pode acontecer com você. Para ter um infarto basta ter coração.

Pode acontecer do corpo dar o sinal de alerta, da pessoa sentir dores no peito (que não precisam necessariamente serem fortes), sensação de compressão no peito e depois de meia hora passar. Daí a pessoa pensa que melhorou e não procura um médico. Erro. Mesmo passando, o infarto pode continuar. Também é comum pessoas sentirem apenas uma sensação de ansiedade, ficam agitadas e tem a nítida impressão de que algo ruim vai acontecer. Se você não sofre de síndrome do pânico ou outras doenças que emulem esses sintomas, ouça os avisos do seu corpo. Melhor ir ao pronto-socorro de forma desnecessária do que morrer. E, por caridade, não vá dirigindo, ok? Dirigir, fazer esforço físico e carregar peso estão proibidos ao menor sintoma de ataque cardíaco.

Se você está ao lado de alguém que pode estar apresentando sintomas de infarto, é muito importante que seja a voz da razão. Gente doente nem sempre raciocina direito e muitas vezes o medo paralisa. Gente doente é inimputável, incapaz e sem discernimento, ou seja, a vida da pessoa está nas suas mãos. Espere NO MÁXIMO DEZ MINUTOS, e se os sintomas não passarem, leve a pessoa a um médico mesmo que seja debaixo de porrada, um dia a pessoa vai te agradecer. Primeira providência é ligar para socorro médico (ambulância e cia). Só leve a pessoa você mesmo se achar que assim vai ser mais rápido, mas se puder evite. É que se ela desfalecer no caminho você não vai poder fazer massagem cardíaca nem respiração boca a boca, o que pode implicar em morte cerebral após poucos minutos. Um bom atendimento de emergência não demora mais do que cinco minutos para chegar no local.

Enquanto isso, médicos recomendam que se procure manter a pessoa aquecida e calma. Afrouxe suas roupas e não permita que ela faça qualquer esforço físico, e, se ela puder engolir, que lhe sejam dados dois comprimidos de aspirina, que atenua a formação de trombos (papo técnico: antiagregante plaquetário). A questão da aspirina é controvertida, alguns médicos orientam a não tomar, porém, um estudo que comprova que uma aspirina mastigada durante um infarto reduz em 25% as chances de morte me convenceu a incluí-la aqui. Não ofereça calmantes, bebida ou comida, apenas a aspirina e eventualmente outro remédio que o cardiologista recomende, caso consiga contatá-lo. Se a pessoa desmaiar, verifique se está respirando e se o coração está batendo. Em caso negativo, espero que você tenha lido este texto e este texto. Faça os procedimentos necessários enquanto o socorro não chega. Não tente transportá-la nesse estado, espere por uma ambulância.

Vale lembrar que assim como nem todo infarto implica em dor no peito, nem toda dor no peito (papo técnico: angina) implica em infarto. A principal diferença entre um infarto e a angina é que a angina geralmente surge imediatamente após um fator externo: atividade física, exposição ao frio e outros. A angina não irradia e melhora com repouso. Na dúvida, TEM QUE procurar atendimento médico de emergência. O que seria uma angina, uma simples dor, uma indigestão ou gases pode ser um infarto. Você não quer descobrir morrendo, certo?

Contrariando todas as regras de bom senso, um corpo jovem está mais propenso a morrer em caso de infarto. Isso acontece porque à medida que vamos envelhecendo, as artérias principais vão perdendo sua capacidade plena e o corpo vai desenvolvendo uma “rede alternativa” de artérias para levar sangue ao coração. Pense em uma estrada que liga uma casa à outra. Uma estrada grande, a única estrada. Com o passar do tempo, a estrada começa a apresentar trânsito intenso, então a Prefeitura da cidade vai construindo ruas menores, retornos e caminhos alternativos. É o mesmo com o seu coração. Se a estrada grande der problema enquanto não existirem as ruas menores, os caminhos alternativos, o sangue simplesmente não chega e a pessoa morre (papo técnico: infarto fulminante). Então, nada de abusar porque é jovem. Para efeitos de ataque cardíaco, ser jovem é um perigo extra. Ok, não é comum gente jovem ter artérias entupidas, mas, como já foi dito, está não é a única causa. Muitas vezes a pessoa nasce com um pequeno problema cardíaco assintomático e sem saber acaba forçando seu coração e morrendo de forma inesperada.

Não que seja uma regra absoluta, mas estima-se que mais da metade dos infartos ocorram entre seis da manhã e meio-dia. Acredita-se que isto aconteça porque pela manhã nosso corpo costuma ter uma concentração maior de hormônios (papo técnico: cortisol e adrenalina) que nos deixam mais bem dispostos. O corpo libera estes hormônios quando você acorda, para que você tenha condições de encarar mais um dia, porém eles acabam por aumentar a pressão arterial e a frequência cardíaca como uma das medidas para te deixar mais bem disposto. Pode ser a gota d’água que falta quando um coração já está por um fio.

No que diz respeito ao dia da semana, a incidência é maior às segundas-feiras, provavelmente pela transição desagradável de um período de relaxamento para outro de tensão e estresse com a retomada da rotina de trabalho. Não custa levar em conta estes fatores. O “público alvo” costumam ser homens, acima dos 40 anos, sedentários, acima do peso, fumantes, hipertensos ou diabéticos. Quanto mais destes fatores presentes, maior o risco. Porém, o numero de mulheres que sofre de ataque cardíaco vem aumentando significativamente. Estima-se que isso se deva à maior longevidade da mulher, pois com a menopausa há uma diminuição de estrogênio, hormônio que protege o coração e à inclusão da mulher no mercado de trabalho, que gera estresse, má alimentação, poucas horas de sono e outros fatores que detonam a saúde.

No Brasil o quadro é dramático. Estima-se que mais de 300.000 pessoas tenham infarto do miocárdio por ano. Destas 300.000, aproximadamente 80.000 morrem. Das 80.000 que morrem, muito mais da metade poderia ter se salvado se fizesse exames preventivos ou se tivesse procurado atendimento médico a tempo. Mas infelizmente não se conscientiza a população e por isso cerca de 40% dos casos de infarto acaba em morte, número muito superior ao de países desenvolvidos, como França, por exemplo, onde apenas 5% dos casos acabam em morte. No mundo, estima-se que cerca de 17 milhões de pessoas MORRAM de infarto por ano. A maior parte delas poderia ter evitado esta morte.

Pasmem: as pessoas que sabidamente tem uma doença coronariana, hipertensão ou diabetes são as que mais demoram para procurar atendimento médico. Quem salva estas pessoas são seus familiares, quando os obrigam a tal. Se você tem familiares em grupos de risco, tenha sempre em locais de fácil acesso o telefone de uma ambulância, o hospital com emergência cardíaca mais próximo da sua casa (endereço e telefone) e o telefone do cardiologista. Mesmo que o cardiologista não possa estar presente no atendimento inicial, um telefonema dele orientando a equipe confere um tratamento muito melhor ao paciente. E lembre-se: a primeira providência é chamar uma ambulância, só depois faça o resto.

Ao chegar à emergência, o procedimento costuma ser a realização de um ECG (Eletrocardiograma), que vai indicar alterações que podem ser indícios de infarto (papo técnico: onda Q anormal, elevação do segmento ST e onda T invertida). Também devem ser realizados exames laboratoriais (sangue), pois quando o coração começa a sofrer privação de oxigênio ele libera substâncias que dão indícios de infarto (papo técnico: enzima CPK e CKMB). Se houver qualquer indício de infarto, o paciente deve permanecer no local para acompanhamento. Nem sempre o tratamento é cirúrgico. Mas esta cirurgia é assunto para outra postagem, porque já ultrapassei meu limite de páginas…

Para dizer que infarto é invenção da Rede Globo, para me maldizer porque agora cada vez que você tiver azia vai ter que ir para o hospital ou ainda para ponderar que apesar de ser contra as grávidas eu sou a favor dos cardíacos: sally@desfavor.com

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