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Des Contos: O futuro chegou.

| Somir | | 6 comentários em Des Contos: O futuro chegou.

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Já se discutia sobre o possível objeto não identificado se aproximando da Terra quando as primeiras interferências começaram. Os teóricos da conspiração de sempre foram os primeiros a apontar o estranho desaparecimento de dados dos sites das principais agências espaciais do planeta. Observações mais independentes colocavam mais lenha na fogueira. Autoridades ao redor do planeta negavam veementemente.

O grande público passou relativamente incólume a todo o processo, a explicação oficial para as frequentes quedas de sinal de TV, rádio e internet ainda se baseava em explosões solares. E por um tempo, poucos motivos para se duvidar.

Até que a primeira transmissão tomou de assalto a programação habitual de todos os canais de TV em funcionamento no mundo. O filme era o mesmo, durava quase um minuto e mostrava cenas de pessoas, de diversas etnias sorrindo, se abraçando e convivendo em harmonia com a natureza. Aparentemente tudo era computação gráfica. A música clássica que embalava as belas cenas era adocicada e pacífica, criando o clima ideal para a única frase proferida na cena: Uma voz um tanto quanto robótica fechava o filme dizendo “O futuro chegou”.

O mais impressionante é que mesmo o filme sendo o mesmo no mundo todo, a frase final aparecia na tela e era narrada na língua local de onde estava sendo exibida. Segundos depois do final do filme a internet praticamente implodiu ao redor do globo: Não por nenhuma interferência, mas porque todo mundo com uma conexão resolveu comentar sobre o acontecido e saber quem mais tinha visto.

Todos que estavam com uma TV ligada viram. E o restante saciou a curiosidade logo a seguir com os milhões de uploads dos mesmo 56 segundos em virtualmente todos os sites do mundo. Ninguém assumiu a autoria do vídeo original, quer dizer, ninguém com credibilidade suficiente para ser responsabilizado por uma operação em tamanha escala.

Na verdade, especialistas de todos os cantos chegaram a um consenso quase unânime sobre a impossibilidade de orquestrar e executar uma intervenção televisiva dessa magnitude com os recursos disponíveis para qualquer pessoa, empresa, governo ou instituição humana. Evidente que as pessoas acabaram divididas entre conspiração, alienígenas e alguma entidade divina: todos tinham suas explicações.

Houve um aumento considerável na atividade religiosa no planeta. Igrejas, mesquitas e templos em geral abarrotados de fiéis de longa data e recém convertidos pela suposta prova irrefutável da existência de um deus. A maioria das guerras alimentadas por tensões religiosas e rusgas milenares entraram em recesso. Tréguas forjadas na desconfiança de que algo grande estava prestes a acontecer e que não era hora de apostar todas as fichas num possível deus errado.

A turma dos alienígenas ganhou um reforço de peso alguns dias depois: numa assembleia extraordinária da ONU, o secretário geral teve a incumbência de discursar sobre o colossal objeto voador não identificado que pairava perigosamente perto de nossa atmosfera. Astrônomos amadores já haviam inundado a internet com milhões de fotos e vídeos do que parecia ser uma gigantesca nave espacial. Utilizando as imagens impressionantes tiradas pela Estação Espacial Internacional para ilustrar tal momento histórico, o comunicado chancelado por quase todas as nações do mundo falava mais sobre a necessidade de não entrar em pânico do que qualquer outra coisa.

Não que esse fosse um risco iminente: No dia seguinte do comunicado na ONU, uma mensagem de texto surgiu em todos os celulares ligados no mundo: “Viemos para fazer sua vida melhor”. O clima aqui em baixo era de esperança. Claro que tivemos malucos homicidas e suicidas causando seus problemas habituais, mas nada de pânico generalizado. Sem saques, sem violência, sem medo…

Ainda mais quando vídeos de pessoas aparentemente muito doentes sendo curadas em segundos começaram a ocupar pedaços da programação habitual das TVs. No começo alguns invadiam os programas em exibição, mas com o passar dos dias, esses vídeos começaram a se encaixar perfeitamente na grade de programação, tomando o lugar dos comerciais. Não se resumiam apenas a curas milagrosas, alguns exibiam tecnologias com cara de ficção científica: carros voadores, materiais ultra resistentes, nanotecnologia, transporte instantâneo…

Todos os vídeos terminavam com frases reconfortantes, escritas na tela e narradas pela voz robótica. Sempre no idioma local independentemente do local. Especialistas em comunicação discutiam sobre as intenções e o planejamento por trás daquelas mensagens, sobre a cada vez mais palpável hipótese de que quem quer que estivesse mandando-as, pretendia gerar uma relação de confiança conosco.

Foram quinze dias até a última mensagem aparecer, tanto nas TVs como em todos os meios de comunicação abertos… uma mensagem com data, hora e local. Uma agradável tarde primaveril na sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Apesar de toda esperança gerada pelas mensagens, praticamente todos os países mandaram representantes mais… descartáveis naquele dia.

Minutos antes da hora marcada, a nave dá seu primeiro sinal de vida desde sua chegada: por um link ao vivo da Estação Espacial Internacional, boa parte do mundo pode ver uma enorme porta se abrindo na parte inferior da nave. De dentro sai uma outra nave, bem menor e bem mais ágil. Em questão de segundos ela dispara atmosfera adentro.

Dois minutos depois, está flutuando gentilmente sobre a sede da ONU. A vizinhança evacuada por quilômetros está tomada por câmeras e jornalistas fazendo o possível para descrever a cena. Um grupo de militares prepara uma área de pouso improvisada e se afasta. A nave espera mais um minuto, imóvel. Abruptamente, desce até o local designado como se fosse completamente imune à gravidade.

Pontualidade perfeita. Nem um segundo a mais nem um a menos do horário prometido. A porta frontal da pequena nave começa a se abrir. O mundo todo segura a respiração. Quatro seres humanoides descem calmamente de dentro de seu veículo. Suas feições obscurecidas pelo vidro que fecha seus capacetes. Parecem vestir uma versão bem mais compacta dos trajes espaciais que conhecemos.

Reconhecendo uma câmera, um deles acena mansamente. Complementa a sua comunicação com uma reverência. O expelir aliviado do ar é audível nos quatro cantos do mundo. Um dos militares próximos imita o gesto de se curvar e aponta para a entrada do prédio. Os outros três visitantes retornam para a nave. O quarto não faz nenhuma menção de se mover.

A equipe de recepção terrena parece confusa. Parecem contemplar a possibilidade de terem feito algo de errado. Os trinta segundos seguintes parecem durar uma eternidade. Quando os três saem novamente da nave, agora carregando algo muito parecido com malas, o quarto começa a se movimentar em direção à porta de entrada do prédio.

Com o caminho livre, e guiados por um grupo de quatro militares, os visitantes do espaço seguem em direção ao palanque. Instruídos a manter silêncio, os delegados de todos os países presentes observam intrigados enquanto os alienígenas abrem suas malas e começam a dispor equipamentos e substâncias sobre uma engenhosa plataforma flutuante que acabaram de desdobrar.

Um deles se aproxima do microfone, olha demoradamente para todos os presentes e começa a retirar seu capacete. Para surpresa geral, é muito parecido com um humano. A pele um pouco acinzentada e os olhos mais esbugalhados. Poderia se passar por uma pessoa qualquer, claro, uma pessoa feia qualquer, mas sua aparência não gera nenhum estranhamento exacerbado.

Até porque assim que retira o capacete, ele sorri. O gesto gera resposta imediata, o mundo todo parece sorrir ao mesmo tempo. Com um rápido pigarreio, o visitante traz toda a atenção do mundo para o que diz a seguir:

“Estou muito feliz por estar aqui. Vocês tem um planeta lindo.”

Os delegados da ONU começam a desligar e tirar seus tradutores dos ouvidos. Cada um está ouvindo na sua língua nativa. E isso vale para os cinco bilhões de telespectadores acompanhando tudo ao vivo também.

“E palmas não são ofensivas na nossa cultura, caso vocês estejam preocupados… *sorrindo*”

O auditório vem abaixo. Os dispensáveis representantes presentes não se prendem a protocolos diplomáticos tradicionais. Uma estrondosa salva de palmas, assovios e gritos de encorajamento transforma a solenidade em algo muito parecido com um show de rock. O alienígena agradece e continua:

“Nesses últimos dias nós aprendemos muito sobre vocês, sobre sua cultura, sobre suas crenças, tecnologia, arte… Os humanos são fascinantes. É um enorme orgulho ser recebido por vocês.”

Palmas.

“Mas como todos os povos deste Universo, vocês também tem seus problemas… miséria, guerra, doenças… Nós já vivenciamos tudo isso. Nós entendemos o sofrimento. E nós somos solidários à vocês!”

Mais palmas.

“Nós temos grandes notícias para vocês, irmãos e irmãs de Cosmo. Há uma solução para a grande maioria desses problemas. Podemos trazer fartura, paz e saúde para todos vocês. Dispostos nessa plataforma estão equipamentos e substâncias desenvolvidos por nosso povo. Temos aqui curas para virtualmente todas as doenças, formas de se manter jovem para sempre, soluções de transporte instantâneo, motores com eficiência quase perfeita, replicadores de matéria…”

O auditório todo vai à loucura, pessoas ao redor mundo choram de alegria. Inimigos se abraçam, pobres e ricos comemoram unidos… Todos parecem sentir que finalmente chegou o grande momento da humanidade.

Quer dizer, todos com exceção dos publicitários e dos profissionais de marketing.

“E tudo isso pode ser de vocês, humanos, por apenas…”

FIM?

Para dizer que sacou desde o começo, para especular o que os alienígenas pediram, ou mesmo para dizer que o mundo em paz foi a parte que fez menos sentido: somir@desfavor.com

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