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Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 6: AVC

| Sally | | 65 comentários em Desfavor Explica: Primeiros Socorros – Parte 6: AVC

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Já que o Poder Público parece mais interessado em ensinar inutilidades, sobra para românticos como eu tentar fazer algo de produtivo pela sociedade. Chega à sexta edição o Desfavor Explica Primeiros Socorros, hoje falando de um problema que causa muito mais mortes do que o necessário por mera ignorância e desconhecimento: Acidente Vascular Cerebral. Se ensinassem isso nas escolas, talvez muitas crianças não tivessem perdido seus pais. Aprenda a identificar e socorrer alguém que está sendo vítima de um AVC.

AVC é uma sigla que significa Acidente Vascular Cerebral, também conhecido popularmente como “derrame” cerebral. Ocorre quando o cérebro não recebe sangue adequadamente, seja pelo entupimento ou pelo rompimento de um vaso. Com isso, determinada área afetada morre por falta de oxigênio. É um “infarto cerebral”. Uma pessoa morre a cada seis segundos no mundo devido a um AVC, geralmente por não saber identificar os sintomas e não procurar pronto atendimento. Mas não vocês, leitores do Desfavor. Não mais.

Um AVC pode ser de dois tipos: Acidente Vascular Isquêmico, que ocorre quando falta sangue em alguma parte do cérebro em função de algum “entupimento” (papo técnico: trombose ou embolia) ou Acidente Vascular Hemorrágico, que ocorre quando há uma hemorragia na região do cérebro pelo rompimento de um vaso sanguíneo ou artéria. Normalmente o Isquêmico ocorre em pessoas mais velhas (comumente em pessoas com diabetes, problemas de pressão, colesterol alto e fumantes) e o Hemorrágico ocorre em pessoas mais jovens (comumente por causa de traumatismos e problemas de coagulação). O Hemorrágico costuma ser mais grave e o Isquêmico mais comum, representando cerca de 80% dos casos. Então, agora que sabemos que Isquemia é obstrução e Hemorrágico é vazamento, vamos analisar com mais calma cada um deles.

No AVC Isquêmico, o que acontece é o seguinte: algum entupimento começa a impedir que a quantidade necessária de sangue chegue ao cérebro. Sabemos que a função do sangue é levar oxigênio ao corpo para que as células consigam se manter vivas. Se o sangue não chega de forma suficiente para cumprir sua função, as células começam a morrer. O tecido cerebral é especialmente sensível a essa privação de oxigênio, pois por ser muito ativo, tem um “metabolismo” muito rápido e demanda muito oxigênio para funcionar. A área irrigada diretamente pela artéria entupida morre rapidamente por não receber sangue nenhum, mas a área no entorno ainda sobrevive um pouco mais por ter algumas fontes alternativas de suprimentos.

Esta área no entorno é chamada de “penumbra” e é ela que você vai tentar salvar se tiver um AVC Isquêmico. Isso mesmo, a área irrigada diretamente vai morrer, não vai dar tempo de fazer nada. Você corre para o pronto-socorro para salvar a área da penumbra. E aí temos uma loteria cruel. As sequelas dependerão de qual artéria sofreu entupimentos, de qual região ela irrigava e da quantidade de sangue que pode ser obtida por fluxos alternativos. Por isso vemos pessoas com AVC Isquêmico quase sem sequelas e pessoas com sequelas devastadoras.

Existe ainda a possibilidade do entupimento ser transitório, acabando por se resolver sozinho sem causar muitos danos, é o Ataque Isquêmico Transitório, um “entupimento” passageiro, circunstancial, que não costuma deixar sequelas. Mas deixa um aviso: quem teve um AIT tem grandes chances de um dia ter um AVC. É preciso tomar cuidado. Estudos dizem que geralmente um AIT é o prenúncio de um AVC nas próximas 48 horas. AIT é um alerta que algo está errado e não um “ufa, dei sorte!”.

O AVC Hemorrágico é menos comum porém suas consequências costumam ser devastadoras. Ocorre quando um vaso sanguíneo se rompe e cria uma espécie de “hemorragia cerebral”. Além de certas partes do cérebro que seriam irrigadas por esse vaso rompido não receberem sangue, teremos outros problemas em decorrência da hemorragia: o sangue prejudica a área do cérebro por onde ele se espalha, cria um coágulo, pressiona e avacalha de vez com o seu funcionamento. Normalmente essa hemorragia se inicia com um aneurisma, algo que pode nascer com a pessoa ou ocorrer em função de ação externa (como uma pancada na cabeça ou hipertensão arterial). É meio imprevisível como e quando vai se romper.

Sem querer ser grosseira, mas já sendo, pense na seguinte analogia: o que é pior, se o encanamento do seu banheiro está meio entupido e você dá descarga e sai pouca água no vaso ou se o encanamento arrebenta e faz transbordar água do vaso? Muito mais fácil de resolver pouca água do que muita água, certo? O mesmo vale para o AVC Isquêmico e o AVC Hemorrágico.

Qualquer que seja o tipo de AVC, não é uma doença de aparecimento gradual, onde a pessoa vai sentindo sintomas ao longo dos meses. É repentino, esta é sua principal característica. A progressão tanto dos sintomas como dos danos é muito rápida. Minutos podem fazer a diferença entre uma sequela permanente. Por isso é muito importante que as pessoas saibam identificar o menor sintoma de AVC e que procurem ajuda médica caso tenham a sensação de apresentar estes sintomas. Na dúvida, tem que procurar atendimento médico, mesmo que seja para constatar que foi um engano.

Também é indispensável conhecer os fatores de risco, para estar com atenção redobrada com quem se encaixa neles. São basicamente os mesmos do infarto: hipertensão arterial, diabetes, doenças cardíacas, tabagismo, colesterol elevado, histórico familiar, ingestão de álcool, sedentarismo, excesso de peso e estresse. Destes, os quatro primeiros costumam ser os mais determinantes.

Agora vem a parte mais importante do texto: como reconhecer os sintomas de um AVC. Não se apegue tanto aos sintomas em si, pois eles podem indicar dezenas de problemas ou até mesmo nada. A principal característica que você deve ter em mente é que sintomas de AVC são REPENTINOS. Não é aquela dorzinha que você vem sentindo desde a semana passada, é algo que aparece de uma hora para a outra. Todos os sintomas são REPENTINOS e se envolverem a parte motora ou sensorial costumam se manifestar apenas de um único lado do corpo.

Normalmente tudo começa com uma dor de cabeça súbita. Não aquela dorzinha chata que te acompanha o dia todo depois de uma noite mal dormida, uma dor de cabeça repentina, diferente. Podem acontecer alterações motoras em um dos lados do corpo, que vão desde uma leve dormência até a incapacidade de mover um membro. Pode haver uma contração involuntária de algum músculo da face ou então paralisia dele, o que comumente causa aquele aspecto de “boca torta”. Não raro há dificuldade na fala, não pela “boca torta” como muitos pensam, e sim porque quando a área do cérebro responsável pela fala é afetada a pessoa começa a falar de forma arrastada (como se estivesse bêbada), pensa em uma palavra e fala outra, troca letras, tem dificuldade em montar frases coerentes ou até mesmo em entender o que lhe é dito. Pode ocorrer visão dupla, visão turva ou sensação de tontura. A pálpebra superior de um dos olhos pode ficar caída, estilo Rogerio Skylab.

Qualquer AVC pode causar um desmaio, que pode ser seu primeiro (e quem sabe único) sintoma. Desmaiou sem motivo aparente? TEM QUE ir ao médico na mesma hora. É chato, mas é para o seu bem. Também podem ser sintomas a perda de coordenação motora, tontura, perda de sensibilidade em um dos lados do corpo, incapacidade de reconhecer pessoas e lugares, perda de memória recente, dificuldade de raciocínio, Se os sintomas narrados apareceram de forma REPENTINA, ou seja, no dia anterior você foi dormir e estava bem e no dia seguinte começou a sentir algo parecido com o descrito no parágrafo acima, TEM QUE ir ao médico na mesma hora.

Outra coisa importante: mesmo que o sintoma tenha sido revertido, pode estar em andamento um AVC. Exemplo: o braço estava formigando e a visão estava turva mas tudo voltou ao normal. TEM QUE procurar atendimento médico mesmo assim, pois pode haver esta pequena reversão temporária antes de um AVC massivo. O fato do sintoma regredir não tira a pessoa da faixa de risco, TEM QUE procurar atendimento com urgência. Sim, eu vou ficar repetindo isso até o final do texto.

Vamos agora a sintomas mais específicos, segundo o tipo de AVC. Não quer dizer que seja matemático, são apenas tendências para ajudar a identificar o problema. No AVC Isquêmico é muito comum que ocorra a perda da força muscular de forma repentina ou a perda total ou parcial de visão. Dificuldade na fala também costuma ser mais comum neste tipo de AVC, bem como formigamento em um lado do corpo e perda da memória. No Hemorrágico é mais comum uma dor de cabeça muito forte e repentina acompanhada de náuseas e vômitos e desmaios.

Listar sintomas é fácil, difícil é ter sangue frio de reconhece-los na hora da verdade. Quando um ente querido está tendo um problema sério de saúde não raro entramos em estado de negação. Está na dúvida? Não quer causar pânico na pessoa? Faça três testes simples. Está achando a pessoa com um tônus muscular estranho? Peça a ela para sorrir. Se o sorriso estiver assimétrico, pode correr para o hospital. Há suspeita de perda de coordenação ou força muscular? Peça para a pessoa levantar os dois braços. Se ela não o fizer de forma normal, pode correr para o hospital. Há suspeitas de problemas de cognição ou na forma de se expressar? Diga uma frase qualquer e peça para a pessoa repetir. Se ela não repetir com perfeição, corra para o hospital.

Está presenciando uma pessoa com suspeitas de AVC? O manual manda ligar para socorro e esperar por uma ambulância. Mas nessa hora, tempo é tudo, então, o conselho que eu te dou é que leve a pessoa ao atendimento médico da forma mais rápida possível: ambulância, seu carro, táxi ou seja lá como for. O importante é que ela seja socorrida RÁPIDO. QUALQUER MINUTO PODE FAZER A DIFERENÇA, leve a pessoa até o médico da forma que for mais RÁPIDA.

E não dê medicamentos por conta própria para a vítima, pois não raro eles pioram a situação. Não é recomendável nem mesmo que a pessoa coma ou beba, pois existem grandes chances de sua capacidade de deglutição estar prejudicada e ela se engasgar. Não se assuste com os sintomas, se a pessoa for prontamente socorrida eles podem ser revertidos. Pense em uma pessoa que caiu em uma piscina e não sabe nadar. Ela está afundando. Você tem que tirar ela de lá logo, ela não vai sobreviver muito tempo nessa situação. É isso que acontece com o cérebro de uma pessoa que tem um AVC: ele está sem oxigênio e vai começar a morrer se não for feito algo de forma rápida.

Médicos estimam que uma pessoa socorrida em até TRÊS HORAS A CONTAR DO PRIMEIRO SINAL DOS SINTOMAS tenham 100% de recuperação, como regra geral. TRÊS HORAS A CONTAR DO PRIMEIRO SINTOMA, tenha sempre isso em mente, esse é seu prazo para uma vida sem sequelas. Infelizmente o Ministério da Saúde prefere distribuir cartilhas sugerindo que a pessoa enfie uma banana verde no cu para evitar objetos presos na cavidade anal do que educar o povo sobre AVC, uma das doenças que mais mata e mais sequela. Ainda existe o mito de que depois que a pessoa teve o AVC o dando está causado e isso não é verdade. O dano pode ser revertido com pronto atendimento. A zona de Penumbra pode sobreviver, tudo depende do tempo que leva o primeiro atendimento.

E quando não há sintomas? Existe ainda uma variação perigosa apelidado pelos médicos de “derrame silencioso”. Ocorre quando o entupimento se dá em uma artéria minúscula, e justamente por isso, por ser tão pequeno, não causa sintomas aparentes, pois afeta uma área mínima. Quando as áreas afetadas não estão envolvidas em tarefas sensoriais ou motoras, fica mais difícil de perceber com rapidez que tem algo errado. Ocorre um efeito dominó e poucos neurônios vão morrendo lentamente, sem causar os clássicos sintomas de AVC. É a exceção à regra, um tipo de AVC cujos sintomas aparecem a longo prazo e geralmente de forma atípica.

O resultado são mudanças sutis no comportamento da pessoa: o indivíduo passa a responder mais lentamente a estímulos, tem dificuldade em se concentrar, vai perdendo sua capacidade de planejamento, de se organizar podendo chegar a apresentar um comportamento apático. Também pode modificar seu jeito de andar (passos mais curtos), tornar a pessoa mais emotiva e fazer com que ela se engasgue com mais facilidade. Mas jamais cogita que possa ser um AVC, pois são sintomas sem qualquer conexão entre si. A longo prazo este “derrame silencioso” pode causar graves consequências, muitas vezes quando já é tarde demais para fazer alguma coisa. Sentiu um ou mais sintomas esquisitos? Mesmo sem serem graves, procure um médico. Você está se sentindo estranho, com pequenos sintomas inexplicáveis? Procure um médico.

Em qualquer caso, uma pessoa que chega em um hospital com suspeita de AVC deve ser atendida IMEDIATAMENTE, caso contrário há omissão de socorro, pois um atendimento posterior não será tão efetivo ou não será nada efetivo. Faça escândalo se for preciso, você está salvando a vida da pessoa. Tem que ser atendida NA HORA, é prioridade máxima. Se puder já ligue para o hospital quando estiver a caminho para alertar da situação. O procedimento mais comum é realizar uma tomografia para ter uma ideia do que está acontecendo no cérebro da pessoa e diferenciar o AVC Isquêmico do Hemorrágico. Também pode ser feita uma ressonância, mas por ser um processo mais demorado, normalmente se opta pela tomografia. Não aceite ser colocado em espera se houver suspeita de AVC: ATENDIMENTO NA HORA.

Se mesmo após o atendimento médico algumas sequelas se instaurarem, não é motivo para desespero. Elas ainda podem ser revertidas. Até bem pouco tempo se acreditava que os neurônios (células cerebrais) não se regeneravam jamais, mas hoje a neurociência já trabalha com essa possibilidade. Há relatos contundentes de pessoas vítimas de AVC que tiveram sérios comprometimentos e reaprenderam o básico, tal qual crianças, basta usar determinadas técnicas para estimular os neurônios (existem excelentes livros sobre o assunto, eu recomendo “O cérebro que se transforma”). Some-se a isto experiências muito bem sucedidas com células-tronco, que vem apresentando melhora de 100% em diversos pacientes testados. AVC é tratável. Mas o paciente vai ter que mudar o estilo de vida e evitar fatores de risco, já que é muito comum um repeteco do AVC quando o paciente não se corrige.

É isso. A palavra de ordem é RAPIDEZ NO ATENDIMENTO MÉDICO, tenha sempre isso em mente, pois pode salvar uma (quem sabe a sua) vida. Não deixe de procurar socorro por achar que não é nada, por vergonha ou pelo trabalho que isso vai dar. Pode custar muito caro depois.

Para dizer que eu estou ficando tão chata quanto o Dráuzio Varella, para dizer que texto educativo você pula ou ainda para sugerir algum outro tema ligado a Primeiros Socorros: sally@desfavor.com

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