Flertando com o desastre: Zumbindo.
| Somir | Arca | 15 comentários em Flertando com o desastre: Zumbindo.

Texto curto porque é dia de folga… Hoje é dia da consciência negra. Feriado em vários lugares do Brasil, seria mais bem aproveitado em outra época do ano. Mal acabou a ressaca do último… Mas não dá para se pautar pela conveniência do calendário, afinal, essa é a data da morte de Zumbi dos Palmares, importante figura representativa e mártir da luta do negro na sociedade tupiniquim. Quer dizer, dizem… né?
Nem vou tratar este texto como uma teoria conspiratória sobre a verdadeira história de Zumbi, quanto mais se estuda o caso mais se percebe o quanto foi romantizado. Zumbi provavelmente não foi o herói abnegado que se pinta por aí… Oras, se pesquisarmos com calma, nenhuma figura histórica consegue manter sua lenda intacta.
Dentre vários pontos levantados recentemente, chamam a atenção a possibilidade de Zumbi ter mantido escravos ele mesmo e de ser conhecido por agir de forma brutal com seus dissidentes dentro do Quilombo. Sem contar toda a história mal contada de assumir o poder depois do líder anterior morrer envenenado. Parece que tinha uma oferta na mesa para conceder liberdade a todos os escravos em troca de aceitar a soberania dos portugueses sobre a vasta área quilombola, o líder Ganga-Zumba estava interessado em aceitar… Zumbi nem tanto.
E esse nem é o meu ponto principal no texto. Não vou ficar brigando para provar ou desprovar esses pontos, a minha falta de confiança nas lendas de heróis históricos não conhece raça ou credo. Provavelmente Zumbi tinha vários esqueletos em seu armário… Mas mesmo que você discorde totalmente disso e escreva um tratado sobre a minha leviandade no parágrafo anterior, atente-se ao ponto principal deste texto.
SE Zumbi foi um mártir da causa própria e se pisou em muitas cabeças para conseguir o que queria, MESMO assim eu ainda acho válido utilizá-lo como exemplo para os negros em geral. Muitos dos “heróis brancos” foram tremendos filhos da puta, e não precisamos nem ir muito longe da época de Zumbi: Os bandeirantes tocaram o terror no Brasil por séculos, matando índios e negros por onde passavam, arrombando o interior brasileiro uma atrocidade por vez.
E esses filhos da puta são homenageados até hoje. Aqui no estado de São Paulo duas das maiores estradas (e paulista SE AMARRA numa estrada) foram batizadas em homenagem a eles. Não se comemora exatamente a brutalidade de suas ações, mas o conceito de seguir em frente e chegarem onde queriam. Os bandeirantes eram gente que fazia, custe o que custar.
Com inúmeras linhagens de conquistadores e exploradores galgando o caminho, o homem branco conseguiu o poder que tem hoje na sociedade. A sanha expansionista e a tara por enfiar sua cultura goela abaixo de qualquer povo que caísse no caminho pinta de vermelho sangue as páginas da história humana, mas… o mundo moderno não existiria sem isso.
Esses heróis filhos da puta não estão aí para ilustrar os métodos mais razoáveis de se conseguir o que quer, e sim para demonstrar quem quer muito consegue. Que o mundo é dos mais agressivos.
E é esse tipo de “lição torta” que eu vejo faltando no orgulho do negro nas sociedades modernas. A maioria de seus expoentes do passado e do presente são pintados como vítimas, falar do lado negativo deles gera olhares de desaprovação na melhor das hipóteses. Somos humanos, todos nós… Tem um lado “eu primeiro e foda-se o mundo” em cada um de nós. E muitas vezes é esse o lado que empurra a nossa sociedade para frente.
Se Zumbi fosse mesmo alguém que colocava a própria liberdade acima da liberdade alheia, que olhava para o mundo ao seu redor com o nariz empinado e a certeza de merecer o melhor por ser melhor… Ele poderia ser um exemplo muito mais poderoso do que “mero mártir”. Um exemplo de que esse mundo não foi construído só com a mão de obra do negro, mas também com sua ambição e capacidade de passar por cima de quem se opõe.
Eu acredito de verdade que os negros precisam de mais heróis filhos da puta, gente que faz o que quer e não liga para a destruição que fica no seu caminho. Eles estão escondidos por trás de grossas camadas de história reescrita para tornar uma raça toda perigosa apenas pelo comportamento feral e não pelas ideias e atitudes. Se tem toda uma questão de vitimização tão comum na nossa sociedade, também tem por aí uma conveniente condescendência dos “antigos donos”. Os brancos são capazes de virar o mundo de ponta cabeça, os negros no máximo de cometer crimes? ISSO é ferramenta de controle. Isso é enfiar ideias escrotas na cabeça de crianças e adolescentes: “Se contenta aí com o prêmio de ator coadjuvante…”
Essa coisa de só ser mocinho na história onde o homem branco é vilão é reduzir demais o papel e a importância do negro no desenvolvimento da sociedade moderna. Onde estão os gananciosos? Os cruéis? Os intolerantes? Gente que mexeu com o mundo fazendo mais do que reagir…
Pode ser que a ferida da exploração sistemática de toda uma raça ainda esteja recente demais para um discurso como o meu não soar ofensivo, mas… Isso vai ter que acontecer eventualmente. A igualdade não vem só pela noção de que todos podemos fazer coisas boas, ela também é o reconhecimento de que cada um de nós pode tocar o terror nesse mundo dadas as condições ideais.
Pena que seja feio ainda focar nesse lado do Zumbi, que pareça absurdo ensinar para os jovens que ninguém é santo e que grandiosidade para os negros também possa ser conquistada sem um compasso moral perfeito. Olha o peso que isso joga nas costas de quem acaba se identificando com um desses heróis: O de que a imortalidade do negro custa mais caro que a do branco.
Feliz dia da consciência negra: Pelo universal direito de ser um filho da puta!
Uma coisa que eu sempre falo em se tratando de “temas sobre história”: há, por um lado, certo discurso de possível imparcialidade mesmo na história tentando trata-la como objeto científico mas isso por si só não basta. A questão que fica é: o que é contado/registrado como história oficial acaba que passando – para além do viés da subjetividade de quem diz/enuncia – pelo que se quer que se faça valer oficial. Mais ainda: o que estou querendo apontar é que ao idolatrar tal ou tal herói da história, há sempre jogos de poder por trás que regem o pensamento crítico e por sua vez a discursividade que gira neste entorno. Realmente, se formos pesquisar a fundo temos análises e análises sobre Zumbi dos palmares, e provar ou desprovar os pontos seria mero exercício barato já que o que vale mais nisso tudo são os efeitos causados NO HOJE. Como o Somir bem disse no texto, se tem “um lado eu primeiro e foda-se o mundo em cada um de nós” é esse movimento egocêntrico que domina e que em certo sentido sempre dominou na sociedade moderna e contemporânea de forma que uma elite ou um grupo se coloque acima de outros e imponham sua subjetividade. Mas bom, infelizmente ou não, a história (me baseando aqui no Hegel, não apenas no Marx…) é feita desse movimento, desse pêndulo que oscila por entre os jogos de poder na dinâmica da sociedade.
Agora, para além de análises desse tipo, outra coisa bem interessante que o texto aponta: a eterna hipocrisia do brasileiro em querer eternizar certos ícones e não levar em consideração aspectos outros como “os cruéis e os intolerantes” como o Somir bem colocou.
Meu marido vive dizendo: “se eu fosse/tivesse sido mais filho-da-puta, hoje eu seria rico”.
Não sei se seria rico porque então ele teria que ter conseguido sacanear muitos outros filhos-da-puta que existem por aí, mas eu captei o que ele quis dizer.
É uma questão de índole misturada com a educação recebida e as situações que a vida nos apresenta. Eu tenho certeza absoluta que meu modo de agir não seria o mesmo se eu tivesse nascido em outra época e/ou outro lugar. Existiram tempos muito mais difíceis que agora, a época do próprio Zumbi era muito diferente da de hoje, galera tinha praticamente que ter a capacidade e o sangue frio de arrancar os olhos da cara do inimigo se quisesse continuar vivo. A vida muitas vezes nos apresenta situações onde todos nossos limites são testados, e onde ter a capacidade de ultrapassá-los – nem sempre com o caráter intacto – é o que define a própria vida ou a morte.
Dizem que hoje somos mais civilizados. Forçadamente mas somos. Dizem que a sociedade atual protege os mais fracos e que tenta apresentar as mesmas oportunidades à todos, fdp ou não. Pode até ser mas acho que realmente o que define cada um de nós é a capacidade de pisar em cabeças alheias e sair ileso.
Ligia discordo um pouco da tua fala no final “a sociedade hoje protege os mais fracos” mais fracos seria quem? Ou seriam os “coitadinhos” do bolsa família? Não consigo perceber certa proteção social diante dos ditos “mais fracos”. A desigualdade ainda continua, mesmo em menor grau ou camuflada. Porém, realmente, concordo contigo que o que nos define (em partes!) é a capacidade de pisar em cima dos outros e sair ileso.
Eba, único lugar onde é possível falar verdades sobre o Zumbi e achar que essa romantização só fragilizou a ‘consciência’ negra manipulando sua memória tal qual hipnose de quinta.
E via Django Livre de Tarantino, que é ficção, mas é legal. Ao contrário da nossa história, que não é legal, mas de resto é ficção igualzinho.
“E *viva Django Livre(…)”
faltou um ‘v’
Tinha que ser feriado nacional!
Amanhã vamos ter Siago Tomir? Fale mal do Alicate! Uhuuuuu
Muito, axé pra tu, minha nega!
Vamos ter Siago Tomir sim, infelizmente com a presença sempre nefasta do Alicate…
Hoje lá no meu trabalho um colega que é negão chegou falando que ele deveria estar de folga que era o dia dele e só os brancos deveriam ter ido trabalhar. Próxima vez que algum falar isso é só responder que o Zumbi poderia ter morrido em agosto!
Mas gente…
Eu sou negro e estou cagando para a consciência negra.
Sempre bom escutar quem tem vivência. Obrigada por esse comentário.
País de ofendidos dá nisso.
Eu sou FILHO DA PUTA, com muito orgulho, com muito amoooor!
“Esses heróis filhos da puta não estão aí para ilustrar os métodos mais razoáveis de se conseguir o que quer, e sim para demonstrar quem quer muito consegue. Que o mundo é dos mais agressivos”.
De fato, se olharmos outros exemplos mundo afora, o Haiti conseguiu sua independência massacrando toda a população branca da ilha, o Congo fez a mesma coisa com civis belgas e a Argélia (embora não sendo negra), conseguiu sua independência executando atentados indiscriminadamente.
Direito de ser filho da puta, todos tem, e acredito que a maioria faz uso desse direito, mas o difícil é admitir isso, pois enquanto as pessoas insistirem em renegar esse lado filho da puta que todos temos, e como Somir disse, parece absurdo ensinar que ninguém é santo, e eu já tentei seguir essas filosofias malucas e positivistas que só querem enxergar o lado bom das pessoas e ignorar o lado ruim, e eu posso dizer, NÃO FUNCIONA! Exemplo: é como não admitir que um cão, por mais dócil e bem treinado que seja não possa morder, é claro que ele pode e vai morder dadas circunstancias favoraveis, isso só não ocorrerá se o bicho nunca for incomodado, porém a capacidade de morder sempre estará lá dentro dele, e isso é inerente a todas as criaturas, e sendo a mente do homem mais complexa ainda, em analogia ao cão, estamos sempre sendo acuados e sempre temos que mostrar os dentes e até morder se necessário, pois a sociedade nos provoca constantemente, e nunca nos deixa em paz.