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Des Contos: Ozon – Parte 3

| Somir | | 16 comentários em Des Contos: Ozon – Parte 3

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Heitor pula de sua cama, não sem antes bater a testa contra o teto metálico de seu casulo dormitório. Um sonoro palavrão ecoa por dentro das claustrofóbicas paredes do módulo. Ainda um pouco desorientado, consegue posicionar-se frente ao terminal de comando, tentando fazer senso da imagem borrada que se formava no monitor. Diante de seus olhos, a imagem de um grande túnel metálico. As faixas amarelas no chão da cena facilitam o reconhecimento.

HEITOR: Esse é o túnel da E-1?
VOZ ROBÓTICA: Correto. Forma de vida não identifica…
HEITOR: Tá, tá… mostre essa forma de vida na tela.
VOZ ROBÓTICA: Impossível. Câmera E-1/12 não operacional. Forma de vida…
HEITOR: Mostre-me a câmera mais próxima!
VOZ ROBÓTICA: Analisando… favor aguardar… analisando… Câmera mais próxima confirmada como E-1/11. Substituindo E-1/01 por E-1/11… favor aguardar…

Heitor debruça-se sobre o terminal, aproximando seu rosto do monitor. Sua expressão é um misto de ansiedade e irritação pela demora do computador central.

VOZ ROBÓTICA: Confirmado.

A imagem que se forma mostra a entrada do que parece ser um túnel secundário ao que Heitor utilizou para chegar até a base subterrânea. Fácil de se ignorar pelas suas dimensões bem mais modestas e pela pouca iluminação no local. Assim como o utilizado pelo monotrilho, este também demonstra uma grande inclinação rumo às entranhas de Ozon-C. O túnel é suavemente iluminado de forma quase homogênea. Algumas centenas de metros abaixo, Heitor percebe uma área escura estendendo-se por um curto espaço, voltando a estar iluminada dali para baixo.

HEITOR: Definir localização da câmera E-1/12 no mapa.
VOZ ROBÓTICA: Analisando… fa… Confirmado.

Como previsto por ele, a área escura coincidia exatamente com a localização da câmera desligada e do alerta de forma de vida. Logo a seguir pede as últimas imagens gravadas pela câmera antes de parar de funcionar. Para sua surpresa, datadas de mais de oito anos atrás. Os últimos dois minutos da gravação mostram algumas falhas na imagem e um repentino apagão, aparentemente sem nenhuma intervenção de humanos ou robôs.

HEITOR: Conserte a câmera.
VOZ ROBÓTICA: Confirmado. Enviando unidade de reparação imediatamente para o local. Câmera S-02 na tela.

Heitor acompanha o trajeto do que parece ser um andróide de manutenção, primeiro aproximando-se do túnel secundário e depois fazendo uma longa descida até a área escura. Eventualmente, a tela está toda escura. Heitor pede a ativação da visão noturna, o que define os contornos do local e mostra o trabalho de dois braços robóticos desparafusando a proteção de uma câmera de segurança.

HEITOR: Conserte a luz também.
VOZ ROBÓTICA: Confirmado. Tarefa agendada em 2 minutos.
HEITOR: Você ainda está recebendo leituras de forma de vida?
VOZ ROBÓTICA: Correto. Atualização: Tarefa agendada em 4 minutos.
HEITOR: Status do conserto da câmera.
VOZ ROBÓTICA: Estimados 83%. Atualização: Tarefa agendada em 22 minutos.
HEITOR: O que está acontecendo?
VOZ ROBÓTICA: Status atual… temperatura ambiente média de -68 graus celsius… umidade média em 2%… Atualização: Tarefa agendada em 9 meses, 19 dias, 17 horas e 10 minutos.
HEITOR: Hã?
VOZ ROBÓTICA: Inconsistência irrecuperável de diretrizes no setor M-992, reiniciando sistema geral em 10 segundos.
HEITOR: Para com isso!
VOZ ROBÓTICA: Impossível, reiniciando sistema geral em 6 segundos.
HEITOR: HG93D!
VOZ ROBÓTICA: Impossível, reiniciando sistema geral em 3 segundos.

Heitor tenta achar algum botão para ativar o controle manual, mas chama sua atenção a imagem da câmera do andróide de manutenção. Parece haver um corpo caído no chão, mas não há tempo o suficiente para analisar a imagem, o terminal, assim como todas as outras luzes ao seu redor se apagam. Ele consegue ouvir até mesmo as pesadas pás do sistema de ventilação perderem seu ritmo. O ar começa a esfriar rapidamente.

Silêncio. Heitor tateia a sala em busca de uma das lanternas de emergência. O som de inúmeras salas despressurizando incute o pânico no agora gerente de um sistema desativado. A respiração começa a ficar mais e mais difícil. Suas mãos buscam desesperadamente por algo que ilumine a sala, face voltada para o chão na esperança de captar qualquer reflexo ou contorno no breu absoluto que se instaurou ao seu redor.

Até que percebe um pequeno reflexo amarelado no chão. Não eram seus olhos adaptando-se à escuridão e sim um facho de luz atravessando a diminuta janela na porta de seu dormitório. Heitor sente os efeitos da falta de ar e do frio cada vez mais implacável, dificultando a percepção sobre o que agora parece bater na porta com grande força. O som cada vez mais abafado pelo ar rarefeito. Ao finalmente ceder, a porta quase não faz barulho.

A luz vem em direção a Heitor, prestes a perder a consciência. Ele sente algo encobrindo suas vias aéreas… ar! Doce ar. Ainda com alguma dificuldade pela luz poderosa, consegue enxergar os contornos de um dos andróides médicos da base. Deixando-o com uma máscara ligada a um tanque de oxigêncio, o autômato sai por onde entrou e rapidamente volta com o traje com o qual Heitor chegara. Com algum apoio, Heitor consegue vesti-lo antes do frio clamar suas extremidades. Já dentro, finalmente consegue comunicar-se com seu salvador.

HEITOR: Obrigado!
ANDRÓIDE MÉDICO: Sinais vitais estáveis. Retornando para MB-1.
HEITOR: Espera!
ANDRÓIDE MÉDICO: Aguardando comando.
HEITOR: O que aconteceu com o sistema geral?
ANDRÓIDE MÉDICO: Status do Sistema Geral… sem comunicação. Retornando par…
HEITOR: Escolta emergencial ativada.
ANDRÓIDE MÉDICO: Confirmado. Ativando módulos de proteção. Aguardando comando.
HEITOR: Você tem comunicação com outros sistemas além do geral?
ANDRÓIDE MÉDICO: Sistema Geral… sem comunicação. Sistema Emergencial Geral… sem comunicação. Sistema Médico MB-1… modo emergencial… Sistema de Proteção AR-1… modo emergencial… Sistema…
HEITOR: Ok! Suficiente. Leve-me até a sala SG-1.
ANDRÓIDE MÉDICO: Confirmado. Favor seguir.

Heitor coleta uma lanterna e um rifle de pulso diferencial que parece vindo diretamente de um museu. A iluminação provida pelo andróide é bem mais poderosa, mas com os níveis de bateria de sua única escolta caindo rapidamente, ele decide que ambos devem se guiar apenas pela luz que carrega. Apesar de criado para cuidar da saúde de humanos, o companheiro metálico de Heitor parece ter pouca consideração por sua capacidade física de manter o passo. Eventualmente o andróide abre muita distância pelos longos e escuros corredores da base, precisando ser relembrado constantemente de se manter mais próximo.

Numa dessas escapadas, Heitor se vê isolado. A luz de sua lanterna não encontrando nada além de mais e mais corredores à sua frente. Ele se prepara para falar o código de controle mais uma vez quando finalmente a luz encontra uma forma robótica. Mal há tempo de perceber o formato diferente desse novo robô antes que a arma em seus braços ilumine-se e dispare contra Heitor; que instintivamente encolhe-se, fechando os olhos e colocando os braços por sobre o rosto.

O tiro parece não ter acertado. Heitor, ainda pasmado, ergue novamente a lanterna na direção da máquina que acabara de atacá-lo. Agora sim percebe-se a forma do andróide médico, assim como os flagrantes danos em sua estrutura. A extrema falta de visibilidade faz com que escolha fugir da luta por uma das salas conectadas ao corredor. Por sorte a tecnologia atrasada de toda a base permite que o compartimento seja fechado de forma manual. Do lado de fora uma série de flashes denota que a luta entre as máquinas ainda ocorre.

E a sorte de Heitor parece ainda maior quando finalmente se dá conta de que sala entrou no desespero da fuga: um cofre. Em bases mais antigas como essa, era comum desenvolver algumas salas especiais para proteger humanos em situações de falha geral nos sistemas, inclusive nos de emergência. Cofres eram as salas mais bem protegidas e independentes de toda a construção, fornecendo vários centímetros do caríssimo ferro cristalizado como barreira para qualquer coisa aquém de uma explosão nuclear local, além de reservas de energia, oxigênio, mantimentos e outras necessidades básicas de seres vivos. A peça mais importante, no entanto, era bem mais banal: Uma linha de comunicação física com o exterior através de bons e velhos fios de cobre-232 estendidos por quilômetros até a superfície do planeta.

Graças ao tédio da longa viagem, tivera muito tempo para estudar o projeto da Mina Ozon-C Alfa. Infelizmente, todo o sistema Ozon só era acessível fisicamente a cada vinte anos por causa dos padrões da Grande Tempestade rosnando ao redor do sistema estelar, e mesmo assim numa janela de oportunidade que não durava mais do que 24 horas. Sinais eletromagnéticos necessários para um pedido de socorro, por sua vez, jamais atravessariam a tempestade.

O traje começa a comunicação com a antena automaticamente, da forma como foi programado. Heitor, preocupado com a bateria, decide desligar seu sistema de comunicação.

HEITOR: Desativar conexão com ant…
VOZ: Heitor? *chiados*
HEITOR: … Heitor na escuta! Elog! Elog!
VOZ: *chiados* Heitor? Está… *chiado*

Heitor reconhece a voz…

Continua na parte 4.

Para dizer… ah, quem estamos enganando?: somir@desfavor.com

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