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Des Cult: (Ole Ola)

| Somir | | 24 comentários em Des Cult: (Ole Ola)

HÃ? De novo? Sim, impopulares, de novo. Numa dessas confluências de apreciação pelo o que é Belo (favor não confundir com belo), Sally e eu pensamos na mesma postagem. Pensei seriamente sobre a possibilidade de cansar os leitores repetindo o tema, mas aí lembrei que não me importo. Tudo o que é ruim pede bis! Olê, olê, olá!

Para começar com alguma diferenciação, já digo que não gostava nem da música oficial da Copa passada. Ambas são genéricas, perfeitas para quem escuta com a pélvis e se amarra numa “cultura exótica”. Claro, no quesito carisma a Shakira ganha de goleada do trio parada mole que encabeça a canção desta Copa, mas não exageremos. A música-tema escolhida pela Coca-Cola para o mundial da África do Sul – Wavin’ Flag – é muito melhor como hino de grande evento esportivo. Tanto que eu achei honestamente que Wavin’ Flag era a oficial e Waka Waka era só uma caça-níqueis deslavada.

Duvide muito de um hino que faça mulheres rebolarem. Nada contra a maior minoria do mundo, mas o balançar de seus traseiros dificilmente é um momento edificante para a humanidade. Divertido, é claro, mas há de se ir além disso se quisermos passar uma mensagem como… oras, como “Dessa vez pela África” ou mesmo “Somos todos um”. Sei que a massa discorda, mas isso é até um elogio, não?

Não, não estou só enrolando porque Sally escreveu mais da metade do que eu queria escrever ontem (com certeza é um fator, mas não é o único): minha percepção de “We Are One (Ole Ola)” é que foi uma tentativa frustrada de unir hino e caça-níqueis na mesma música. A música honestamente tenta criar um senso de grandiosidade no refrão, mas sem perder aquele fator “quadris em movimento” que realmente vende a música para o povão.

E é essa percepção que define a minha opinião que absolutamente tudo nesse clipe foi pensado por publicitários e assessores de imprensa, não há um suspiro de integridade artística durante esses plásticos quatro minutos e cinco segundos. Imagino que seja uma merda para vocês assistirem, ainda mais DE NOVO, mas espero que vocês entrem nessa jornada comigo com um pouco da minha fascinação pela cara de pau necessária para produzir e distribuir algo assim. Sem conta que sacaneia o Brasil, algo que eu sempre acho válido.

Para começo de conversa, não sabia que esse tal de Pitbull existia, lembrava vagamente dessa Jennifer Lopez (não tá fácil pra ninguém, hein?) e achava que Cláudia Leite (o segundo T ainda é supérfluo) não passava de lenda urbana para assustar possíveis turistas da Bahia. Mas o que falta em carisma e relevância sobra em planejamento técnico frio e calculista: Pitbull é americano nascido em Israel com ascendência cubana. Não, sério… Jennifer Lopez já foi muito famosa e tem força com público latino, e Claudia Leite… bom, ela é brasileira e branca.

Com isso, garantimos que a música tenha apelo internacional, que tenha força com boa parte do público que assiste futebol e que não deixe os brasileiros irritados demais por falta de representação. Quem escutou a música sabe que ela é só o refrão… O resto é só uma desculpa para colocar rostos conhecidos ali. Imagino a reunião de executivos da FIFA com o pessoal da publicidade tentando fechar esse “supertime” de artistas baratos e disponíveis o suficiente para topar aparecer nessa presepada: pesquisas e mais pesquisas derramadas por sobre a mesa, tentando achar os números exatos para assinar com os proponentes.

Mas chega de introduzir, vamos gozar (eu tenho que parar de fazer essa piada horrível…): O batidão que escutamos logo de cara é fruto de uma remixagem… aparentemente os brasileiros não gostaram das versões iniciais e pediram mais Olodum. Olodum parece ser a solução para todos os problemas de falta de brasilidade em clipes, Michael Jackson e Spike Lee que não me deixam mentir. Está muito americanizado? Taca Olodum! Mas corta da versão internacional para que alguém escute algo além disso fora do Brasil.

E falando em fora do Brasil, logo aos cinco segundos do vídeo já descobrimos que estamos na verdade é no Brazil. O Brazil vende muito mais fácil que o Brasil, e quem quer que orquestrou essa palhaçada toda sabia muito bem disso. Explicando: O Brasil é um país violento e desigual, o Brazil é uma praia com mulheres seminuas. Juro que aqui não estou criticando, eu também rodaria todo o clipe no Brazil. Quem quer ver desdentado ser brutalizado que vá ver um documentário! Isso aqui é indústria da aspiração, meu brother.

Cinco segundos. Tudo está definido. Pitbull veste-se como um sambista da velha guarda se um sambista da velha guarda tivesse nascido em Israel e morado toda sua vida nos EUA. Autenticidade pura. É como se o pessoal do figurino tivesse lido todos os quadrinhos do Zé Carioca antes de se inspirar. Mas não nos apressemos no julgamento, o rapper tinha que parecer um turista. Aposto que até por isso não pegaram um realmente famoso, um negão ali no meio pareceria em casa até demais.

Por que eu digo que ele TINHA que parecer um turista? Oras, as duas passistas ao seu lado são a resposta: o Brazil é um lugar onde você vai para ser tratado como rei pela pobralhada bem intencionada. Onde calcinhas caem só pela proximidade de sua carteira recheada de dólares… Essa é a fantasia que o gringo tem do Brazil, e nem a pau que o clipe tiraria isso de seu público. Claro que algum escroque do time de especialistas que confeccionou cada detalhe do vídeo defendeu essa imagem como benéfica para o turismo, mas vai além disso. O bacana mesmo é passar essa sensação de realeza para quem se identifica com Pitbull.

Cenas genéricas esperadas de um clipe de Copa se seguem. Inclusive uma mostrando o Rio de Janeiro, capital do Brazil. O homem vestido de pai de santo com glaucoma começa a puxar o refrão. A cena abre e vemos toda a turma que o acompanha. As duas passistas (mulatas é forçar demais) rebolando, os batuqueiros obrigatórios e aquele bando de extras que não aguenta mais ficar pulando depois de setenta e oito takes. Minha sincera simpatia com vocês, extras: por uma notinha de cinquenta reais e um lanche com suco, até que não transpareceu o óbvio problema de tanta gente levantando os braços debaixo de uma bandeira durante horas de gravação.

Se bem que brasileiro se amarra em fungar um sovaco… Que seja. Falemos das passistas e dos batuqueiros. Não costumo enxergar cabelo em ovo quando o assunto é racismo, mas… aí tem coisa. No Brazil, as mulatas são no máximo morenas. Uma delas inclusive tem todo aquele charme equino de paniquete! Sabe quando tem aquela cara de quem parece que vai relinchar a qualquer momento? De qualquer forma… o pessoal dos tambores pareceu um caso mais sério de “combate à pobreza”: os dois mais brancos ficaram atrás de Pitbull, os mais escuros ficaram atrás das penas das reboladoras.

E eu sei que não estou procurando coisa para reclamar porque nesse tipo de filmagem passam horas discutindo e testando quem vai ficar aonde na cena. É tudo planejado. O que talvez abone um pouco a produção é que Pitbull tenta fazer algo muito parecido com dançar (sério, se você prestar muita atenção, parece mesmo!) enquanto não está abrindo os braços. Para evitar contrastes óbvios entre cinturas israelenses e tupiniquins, esconderam quem poderia eclipsá-lo. Ou estão só fortalecendo toda aquela coisa de “seja branco, tenha dinheiro e venha para o buffet de todas que você conseguir comer no Brazil”.

Mas não fiquemos presos só isso, está na hora de falar sobre algo que todo mundo parece estar ignorando: a entrega incrível de Claudia Leite! Ela aparece por algo em torno de dois segundos no vídeo, mas está claramente dando tudo o que tem a cada um desses preciosos frames! Claudia é intensidade total! 120% de dedicação. Temos que dar esse mérito para ela…

40 segundos. O pessoal da edição percebe que esqueceu das duas outras “estrelas” do vídeo. Corta para Jennifer Lopez. Meio segundo… ela se volta para a câmera com um certo charme, ainda meio de costas, como se dissesse: “Sim, eu estou aqui também…”. Corta para Claudia Leite. INTENSIDADE! IN-TEN-SI-DA-DEEEE! Ela já está com os braços abertos, movimento amplo, como se dissesse: “OLHA PRA MIIIIM! MÃÃÃEEE! OLHAAA PRA…”

Corta. Cenas genéricas de futebol. Começa a parte do rap. Pitbull faz sua imitação de rapper até com certa desenvoltura, falando algo sobre… bom, ele repete algo genérico escrito por um publicitário. O legal – e por legal eu quero dizer triste – é que a letra parece um monte de slogans de campanhas colocados numa ordem que permite que eles rimem. Mas isso nem é importante: Quando começa essa parte, todos os takes mostram Pitbull cercado por mulheres sensualizando. A turma do batuque que vá batucar pra lá… quando o gringo chega, a mulherada aglomera.

Mas só lembrando… o Brasil é contra tudo isso de turismo sexual. Ficamos até chateados quando mencionam. Ah, que seja, isso é Brazil! Reboooola, ordinary! Corta, aparece Jennifer Lopez. Agora sim ela está cercada por homens… inclusive os mais escuros que andavam escondidos nas cenas anteriores. Gringas (e gringos afrescalhados), não se preocupem, tem pra todas vocês. De todas as cores e tamanhos. Ei, dinheiro é dinheiro, venha de onde vier.

Um minuto, vinte e sete segundos… é hora de INTENSIDADE! Claudia Leite ganha mais meio segundo. E vocês acham que ela desperdiça? Claro que não! Indiferente ao que acontece na música, ela canta sem emitir sons. Oras, é um clipe, espera-se isso dela. Imagino o diretor tentando explicar para ela que não estão gravando uma parte onde ela canta, sem sucesso. “No, Claudia… no! No song! No cantar! No!”. Preferiram jogar a cena do que começar de novo.

1:38, subimos no trio elétrico, ou algo que o valha. Podemos ver o braço de Claudia balançando na cena focada em Pitbull e Jennifer Lopez. Mas pode apostar que é o braço mais animado da cena! Dez segundos depois, Pitbull chama Lopez com um “Jenny, dale!”. Incentivando sua companheira de música a começar sua parte solo. Ela faz suas caras e bocas como de costume, até dando uma esnobada eventual para compactuar com a pose rapper de Pitbull.

2:12. INTENSIDADE! Coitada da Jennifer Lopez, ela não previu o que aconteceria ao dar atenção para Claudia. Na parte do “Hey, hey, hey”, ela se volta para a celebridade tupiniquim para demonstrar sua empolgação, mas ela claramente não estava preparada para esse nível. Claudia, tal qual uma criança esfomeada, parte para cima de Lopez, mostrando com quantos socos no ar e olhares maníacos se faz uma sequência de “Hey!”. Jennifer, claramente aceitando sua derrota, vira o rosto primeiro, deixando Claudia com um curioso caso de vácuo de empolgação. “HEY HEY HEY… OI?”

Ah sim, depois dessa cena, eu descobri por que o Pitbull usa os óculos escuros: ele parece uma tartaruga idosa sem eles. Mais refrão, mais INTENSIDADE, até que finalmente chega a hora… Sim, chega a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor! Pitbull solta um “Claudia, obrigado.” Agora… pausemos um pouco. Ele incentivou Jennifer Lopez para cantar sua parte, mas já começou agradecendo Claudia por sua parte? “Obrigado, pode ir embora, eu te ligo, tá?” Sacanagem.

Mas nada comparado ao que se segue. Do nada a música muda para acomodar o estilo musical da nada versátil contribuição brasileira. Não se passam dois segundos antes de Claudia já tirar do seu arsenal as “mãos de Carmem Miranda”. Mais Brazil, impossível. Senti falta das bananas, mas acho que o diretor de fotografia achou que não cabia mais nada na cena além da roupa de Claudia. Eu já mencionei como ela impõe INTENSIDADE em cada uma de suas cenas? Só faltou o chuveiro para completar a performance “só faço isso porque ninguém vai ver”.

Só para uma pentelhada final: Sempre quando os três aparecem juntos, cortam um pedaço da brazileira. Editores, obrigado pela diversão. Bom, refrão, cenas genéricas, taça de pau (faz sentido, madeira não derrete)… Ole Ola!

Para reclamar de dois textos iguais (só se você não leu nem um nem outro), para dizer que nada supera o clipe que a Sally criou (eu sei), ou mesmo para dizer que vai comentar com INTENSIDADE!: somir@desfavor.com

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