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Somir Surtado: Jogo duro.

| Somir | | 59 comentários em Somir Surtado: Jogo duro.

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Não sei se vocês sabem, mas logo logo vai começar mais uma Copa do Mundo de futebol. O segundo maior evento esportivo do mundo, tomando lugar numa sede diferente a cada quatro anos. Trinta e duas seleções de todo o mundo se juntam num torneio de um mês, todas cobiçando provavelmente a taça mais desejada em qualquer esporte competitivo. A maior parte dos jogadores mais badalados e talentosos do mundo vai estar lá, bilhões de pessoas assistirão. Rivalidades históricas, momentos emocionantes, surpresas! Tenho inveja de quem acha tudo isso uma merda…

Adoro fazer pose de intelectual, mas futebol é irritantemente atrativo. Ainda não sei explicar por que me pego assistindo jogos do naipe de México contra Israel à meia noite de um dia de semana, mas sei que há algo de interessante nisso. Eu me sentiria mais completo como elitista não gostando de futebol, só que todos temos nossos gostos. Claro, ter nascido num país tão “monotemático” em esportes como o Brasil ajudou; mas se outras manias do brasileiro médio não pegaram em mim, não sei por que justamente essa seria apenas fruto do meio.

Mas não estou aqui para declamar meu amor pelo esporte que consiste em vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola. Essa merda está feita! Quero mais uma vez fazer o papel de apontar para dentro de nossa comunidade impopular e dizer algo que provavelmente não será bem visto: você ainda pode ser um babaca mesmo achando detestando futebol. Por si só, é tão motivo de orgulho como dizer que prefere um sabor de sorvete a outro.

Eu normalmente meço inteligência alheia mais pelo discurso e pela capacidade de relacionar ideias do que propriamente por gostos e opiniões. Tive que dar esse passo à frente muito por “culpa” da Sally. Explico: logo que nos conhecemos eu já estava muito impressionado com a inteligência que ela demonstrava. Conhecia pouquíssimo sobre seus gostos, e por simples arrogância presumi que eram muito parecidos com os meus. Oras, nada mais comum do que se usar como linha-guia para imaginar os outros.

Quanto mais a conhecia, mais confuso ficava. Não havia lugar no meu cérebro para lidar com uma pessoa culta que também é fã de Axé e Funk! A informação entrava, mas não tinha uma “gaveta” onde armazená-la. Nem sei se ela sabe disso, mas por muito tempo eu achei que era trollagem. Mesmo depois de dizer que acreditava… Ficou na gaveta “finjo que acredito”. O tempo passou, a convivência chegou… e aí eu percebi que era verdade mesmo. Estava tão acostumado a tratar gostos como o musical como qualificadores de intelecto que precisei “resetar” essa parte da minha mente para acomodar o fato novo.

Na verdade as coisas eram muito mais simples do que eu imaginava: a relação entre os dois elementos era meramente casual. Mantê-los conectados que não fazia sentido. Eu já tinha feito um excelente julgamento inicial, estava só teimando em validar minha visão do mundo. Peguei um elemento dos meus gostos e dei a ele o valor de “medalha de inteligência”. Isso já aconteceu há um bom tempo, hoje eu já aprendi a me distanciar dessas medalhas, e principalmente a não ficar procurando por elas.

Não é o que você gosta ou não gosta, é o conjunto da sua obra intelectual. Como vai começar a Copa, e a Copa é na pátria mãe dos BMs, evidente que teremos muito o que reclamar e criticar durante seu acontecimento. Estamos há alguns anos batendo nesse assunto, com certeza não faltam motivos. A minha preocupação aqui é com um clima chato de “medalhistas” fazendo do desfavor um lugar onde só quem tem um gosto específico pode pertencer.

Muitos de nós vamos nos virar para ver a maioria dos jogos. Nessa época, mesmo quem não gosta muito de futebol costuma no mínimo acompanhar alguns deles, ou mesmo mesas redondas discutindo suas minúcias. É um grande evento, tão grande que nem o Brasil conseguiu cagá-lo de vez! Vai ter Copa mesmo com todas as besteiras, desmandos e atrasos típicos do Brasil; e ela tende a ser bem divertida para grande parte da população. Repito: adoraria achar futebol algo tão besta como uma novela e adicionar mais alguns livros na minha coleção de lidos até dia 13 de Julho, mas… essa porcaria é divertida!

Direito total seu achar tudo horrível, que todos os jogos vão ser armados e que ninguém vai ganhar nada com tudo isso, mas não acredite que isso te posiciona como mais ou menos inteligente que as pessoas à sua volta. Não gostar de futebol não é medalha e não te faz um floquinho de neve único e especial… É só um gosto. A forma como você enxerga e processa as informações que recebe que vai realmente te distanciar da massa verde e amarela média.

Sei que estou nadando contra a corrente tendo em vista o que muitos de vocês disseram recentemente, mas tenho horror à conformismo, ainda mais aqui dentro do desfavor. O dia que precisar ter um ou outro gosto para participar aqui é o dia em que perdemos nosso diferencial. Mas que isso não seja só sobre nossa impopular república virtual, essa noção de intelectualidade por procuração fere muito a capacidade de difusão de conhecimento e informações em geral do público mais culto para o menos estudado.

O brasileiro médio é irritante, mas esse tipo de babaquice não é inerente ao ser humano. Dá trabalho cultivar tanta hipocrisia e alienação! Se não partirmos do princípio que nossas visões de mundo podem influenciar outros a enxergar as coisas de forma parecida, tudo se resume a um exercício de masturbação coletiva. “Valido minhas expectativas e isso me basta!”

Embora também seja direito seu acreditar que não tem recursos ou paciência para exercer essa divisão de conhecimento, há de se entender que o mais correto é ceder a vez para quem pretende alcançar esse resultado. Se as opiniões médias do brasileiro médio correspondessem às do impopular médio, essa Copa dos gastos exorbitantes, da vergonha alheia e dos abusos contra a população seria assassinada no berço e estaria acontecendo na Inglaterra agora! Existem sim vantagens em disseminar seu discurso e fazê-lo chegar aos ouvidos de quem sequer pensa nessas coisas.

Quando se carrega um gosto como medalha de honra ao intelecto, a tendência é julgar antecipadamente e perder oportunidades de aumentar sua influência ou mesmo de limar os elementos indesejáveis. Gente burra e inconveniente de verdade não perde nenhuma chance de mostrar sua carinha feia. Se ela estiver usando um gosto parecido com o seu como disfarce, são consideráveis as chances de você não perceber.

E sim, eu sei que já abordei o assunto de gostos e opiniões em um texto até que recente, mas fica bem mais nebuloso diferenciar as coisas quando o gosto em questão tem toda aquela presunção de elitismo (ou bom senso). É muito fácil cairmos na armadilha de achar que estaremos unidos por desgosto por futebol e outras coisas tão populares ao invés de opiniões consistentes ao longo dos anos de desfavor.

Exemplo: eu vou me divertir vendo os jogos, se o Brasil seguir em frente, eu vou comemorar os gols e aproveitar para sacanear amigos estrangeiros… mas, se um jogo deixar de acontecer por causa de protestos, se um dos estádios desabar (com ou sem vítimas, ninguém precisa morrer para que eu me divirta – e pode até ser o do Corinthians) ou mesmo se o Brasil cair logo nas oitavas de final e a Dilma perder a eleição por causa disso, eu também vou achar o máximo! Estaria muito mais feliz com a Copa se ela estivesse acontecendo na Inglaterra mesmo… o gosto pelo futebol existe, mas ele não deve cegar ninguém.

O desgosto também não.

Para me chamar de pobre por querer ver os jogos da Copa, para dizer que é sacanagem te tirar esse motivo de soberba, ou mesmo para dizer que isso só é desculpa para furar postagens durante a Copa: somir@desfavor.com

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