
Mãe da Terra – Parte 1
| Somir | Des Contos | 4 comentários em Mãe da Terra – Parte 1
A Comandante Miranda respira fundo e confirma que sua nave e tripulação estão prontos. O piloto e o co-piloto acenam em concordância, esperando pela autorização. Miranda fecha os olhos demoradamente, mentalizando seus anos de preparação e todas as dificuldade enfrentadas para chegar até ali. Depois de duas missões frustradas e vinte anos de expectativa de toda humanidade, finalmente era hora de partir rumo ao sistema Alpha Centauri.
MIRANDA: Permissão para iniciar os sistemas de propulsão.
A nave, uma maravilha da engenharia humana condensada em algo não muito maior que um avião de carga, começa a tremer em plena órbita terrestre. Ao redor dela, uma enorme argola gira rapidamente, gerando uma bolha de proteção contra as intempéries de uma viagem mais rápida que a velocidade da luz. A distorção do espaço deixa o planeta Terra ainda mais distante. Tudo natural, tudo previsto nas longas sessões de treinamento.
O sistema geral indica que em poucos segundos tudo estará pronto para o lançamento. Miranda encontra tempo para lembrar das duas tripulações anteriores, sobre as quais aprendeu muito através das constantes homenagens recebidas após desaparecerem fazendo exatamente o mesmo que ela e seus companheiros fariam logo a seguir. Essa era a terceira e última tentativa antes de todo o projeto ser cancelado.
SISTEMA GERAL: Propulsão 100%. Confirmar lançamento.
No painel à sua frente, chega a confirmação da missão em Terra. Tudo funcional. A Comandante digita seu código de segurança até o penúltimo número. Olha para o monitor ao seu lado, de onde pode ver o resto da tripulação no compartimento habitacional: quatro cientistas e três técnicos. Todos visivelmente tensos, mas bem seguros em seus postos. Miranda suspira ansiosamente ao digitar o último número.
Uma sirene de alta intensidade dispara na cabine. Um tremor de maior intensidade toma de assalto toda a nave, todas as luzes se apagam. Novamente, tudo normal, tudo esperado. O tranco inicial aplica uma imensa pressão sobre o traje de Miranda, prendendo-a ainda mais na cadeira. A escuridão cede mais ou menos ao mesmo tempo que o chacoalhar, alguns segundos mais tarde. As luzes da cabine retornam e tudo está no seu devido lugar.
SISTEMA GERAL: Sistema de propulsão desligado. Destino alcançado.
MIRANDA: Sistema Geral… Status nave?
SISTEMA GERAL: Casco íntegro, sistema de suporte de vida 100% funcional, sistema de propulsão funcional, baterias a 46%.
MIRANDA: Sistema Geral… Status tripulantes?
SISTEMA GERAL: Time Navegação… Ok. Time Pesquisa… Ok. Time Suporte… Ok. Comandante… Ok.
Miranda volta-se para o piloto, que já começa a retirar as presilhas de seu cinto de segurança. Movimento logo repetido pelo co-piloto. Ela vacila por alguns segundos, mas também vai se desvencilhando de seu assento.
MIRANDA: Matias, já temos um posicionamento?
MATIAS: Não senhora. O sistema de localização falhou três vezes e continua recalibrando. Permissão para ligar o reconhecimento visual.
MIRANDA: Concedida.
O co-piloto reposiciona-se num painel secundário adornado por uma imensa tela holográfica. À sua frente, pontos luminosos de diferentes magnitudes começam a popular o ar. Com rápidos movimentos de mão, Matias gira e aproxima o quadro de um ponto marcado como Legado III.
MATIAS: Aqui estamos nós. O sistema acabou de reconhecer um quasar… estamos atualizando as distâncias… uau!
MIRANDA: Uau?
MATIAS: Estamos realmente próximos de um planeta rochoso. Tem uma estrela amarela nas imediações… e não parece que estamos em Alpha Centauri.
PILOTO: Não é possível, os cálculos estavam perfeitos! Esse sistema está com defeito! Veja isso direito!
MATIAS: Eu só estou falando o que estou vendo, Chen. Calma…
MIRANDA: Matias, as câmeras.
Matias gesticula novamente, trazendo à vista quatro imagens de câmeras instaladas ao redor da nave. Em duas delas um planeta azulado muito familiar ocupa boa parte da cena. A nave não parecia muito mais distante do que estava da Terra quando lançada.
CHEN: A gente não saiu do lugar?
MATIAS: Essa teria sido a primeira coisa que eu mencionaria! Seja onde estivermos, não é o Sistema Solar. As estrelas não batem. E além disso, não captamos nenhum sinal conhecido até agora.
MIRANDA: Vocês dois, continuem tentando descobrir onde estamos. Eu vou inspecionar o resto da tripulação.
A Comandante abre a porta de contenção da ponte, seguindo pelo longo corredor até os alojamentos. Por uma escotilha de vidro instalada na porta do compartimento, percebe que uma das cientistas a observa fazendo todo o caminho. Francesca sempre fora a mais curiosa do grupo, Miranda podia perceber a ansiedade nos olhos de sua tripulante aumentando de acordo com seus passos. Antes mesmo de digitar o código de liberação, podia ver os lábios da pesquisadora movendo-se em vão atrás de uma porta isolante. O som vaza de dentro do compartimento assim que Miranda consegue liberar a passagem.
Dentro do local, os sete tripulantes já estão livres de seus assentos, alguns ao redor da mesa de jantar no centro da sala, outros espalhados pelo ambiente checando seus pertences. Francesca aproxima-se e segura nas mãos de Miranda.
FRANCESCA: Estamos em Alpha Centauri? Tem muitos planetas? Algum com água?
MIRANDA: Por favor, reúnam-se à minha frente.
FRANCESCA: Encontraram as outras naves?
TÉCNICO: Deixa a Comandante respirar!
FRANCESCA: Desculpa, John, mas é muita coisa para processar!
JOHN: Comandante…
Francesca deixa a Comandante livre e prostra-se logo à sua frente.
MIRANDA: Obrigada. A nave encontra-se em condições perfeitas, todos os sistemas estão funcionais. Nossas primeiras análises sobre nosso posicionamento ainda são inconclusivas, mas o Matias e o Chen já estão trabalhando nisso.
CIENTISTA: Estamos perdidos, Comandante?
MIRANDA: Não, Ygor, já estava prevista uma demora para recalibração dos sistemas de posicionamento.
YGOR: Mas se nós estivermos em um ponto desconhecido do espaço, não poderemos voltar. Foi uma viagem só de ida!
MIRANDA: Não há motivo para preocu…
O alarme toca novamente. Luzes avermelhadas banham o ambiente. Uma voz soa mais alto no sistema de som.
CHEN: Comandante, compareça à ponte com urgência!
MIRANDA: Todos vocês de volta aos seus assentos!
Miranda mal tem tempo de ver se suas ordens estão sendo cumpridas: corre imediatamente de volta à sala de controle da nave, sendo recebida por Chen e Matias em seus assentos, fechando seus trajes de volta com os capacetes.
MIRANDA: Situação!
CHEN: O sistema captou uma chuva de asteróides há poucos minutos de nos alcançar. Estou iniciando uma manobra de evasão, e o único caminho possível é adentrar a atmosfera do planeta.
MIRANDA: Essa nave não foi feita para atmosferas!
CHEN: Única alternativa nessa distância, confirmada pelo Navegador Central. A atmosfera é nosso único escudo possível no momento. Se não descermos demais é possível retornar. Permissão para fazer a manobra?
MIRANDA: … Concedida!
Chen aperta um botão em seu capacete.
CHEN: Atenção! Atenção! Assumir posição de impacto. Manobra evasiva nível 5 em curso… em 4… 3… 2…
A nave balança, carregada pelos propulsores tradicionais, agora ligados à toda potência. Com uma curva aguda, toda a estrutura segue rumo ao planeta desconhecido. Um estampido metálico ressoa pela cabine, anunciando os primeiros detritos espaciais a fazer contato. Logo o batucar de centenas de pedregulhos atingindo o casco torna impossível se escutar qualquer outra coisa.
Chen consegue manter a nave ágil o suficiente para desviar dos maiores asteróides, variando habilmente entre navegação por aparelhos e visual através do monitor à sua frente. Miranda acompanha impotente a fuga rumo ao planeta que toma cada vez mais espaço em seu monitor. Numa janela secundária do vídeo, acompanha o pânico instaurado entre cientistas e técnicos no compartimento habitacional. Algum deles parece estar solto de seu banco, colado numa das paredes.
Um estrondo anuncia o pior: apesar dos esforços de Chen e Matias, a nave é atingida. O balançar violento de toda a cabine é suficiente para lançar a cabeça de Miranda contra o banco em alta velocidade. Sua visão fica borrada, carregada de pontos luminosos que se movem ferozmente com os solavancos da nave. Ela pode escutar a voz de Chen abafada em seu capacete.
CHEN: …tias… do… missão… pouso… COMANDANTE! COMANDANTE!
Miranda tenta responder, mas não sabe se sua voz está realmente sendo projetada. Num surto de adrenalina, sente a visão ganhar foco e audição mais nítida. A dor na cabeça é violenta e uma poderosa ânsia embrulha seu estômago. Mas nada disso chama mais atenção do que um grito no comunicador:
CHEN: PERMISSÃO PARA POUSO FORÇADO, COMANDANTE?
Muito bom. Eu “vi” os monitores, “ouvi” os sons…!
Você e a sally deviam escrever livros.
É só encontrar quem nos publique, os livros já existem
Não aconteceu muita coisa para duvidar de alguma coisa mas, como Somir é daqueles que cria reviravoltas, acompanharemos.
Esperemos que sem capítulos tapa buraco.
Sim , eu gosto de Descontos mais que muitas outras colunas.