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Raio-x social.

Raio-x social.

| Sally | | 52 comentários em Raio-x social.

Vai ser meio inevitável falar sobre política a semana toda. Estamos às vésperas de uma eleição presidencial com cara de final de novela: mocinhos, vilões, um final emocionante e imprevisível. Some-se a isso o tom conferido à disputa, repleto de baixarias, evasão de privacidade, ataques pessoais e outras indignidades outrora destinadas apenas à capa de uma revista barata de fofocas.

Resultado: o brasileiro resolveu acompanhar a política nacional. Pelos motivos errados. Pelo tom de folhetim maniqueísta, pelas fofocas, pela cara de rivalidade futebolística. O fato é que o brasileiro está acompanhando de perto estas eleições. E a forma como o vem fazendo diz muito sobe a sociedade atual. Seja pelos votos, seja pelas posturas, estamos traçando um raio-x da sociedade neste período eleitoral. O que você viu nesse raio-x? Vou te contar o que eu vi e trocamos ideias nos comentários.

No meu sentir, o resultado desse escaneamento não é nada agradável. Uma sociedade homofóbica que vota em candidato que diz que um filho gay se “resolve” com uma surra, uma sociedade machista e conservadora religiosa onde ninguém pode se dizer favorável ao aborto porque não se elege e uma sociedade revanchista e violenta, onde direitos humanos são demérito, enquanto que prisão, tortura e morte são mérito.

Acho que todo mundo aqui sabia da existência de homofóbicos, radicais religiosos, intolerantes ou torturadores. O que não sabíamos, ou ao menos eu não sabia, é que eles eram maioria na nossa sociedade. Essa varredura de caráter que as eleições proporcionaram me surpreendeu. Negativamente. E olha que eu sou uma pessimista convicta, para me surpreender negativamente precisa de muito!

O desgosto não veio apenas na forma de votos bizarros. O tom bélico e raivoso tomou conta do nosso dia a dia. Pessoas se digladiam defendendo com unhas e dentes seus candidatos, diga-se de passagem, nenhum deles minimamente defensáveis. Amigos brigando, se xingando e cortando relações por divergências política. Tudo aquilo que sempre falamos sobre o desrespeito a opiniões contrárias parece ter eclodido e explodido na nossa cara no período eleitoral.

A má notícia é que isso não acaba com a votação de domingo que vem. As pessoas se apegaram a esse papel de torcedores fanáticos. Brasileiro gosta de pertencer a um grupo, qualquer que seja o grupo, pois isso o define, lhe confere um status e acaba por dar um respaldo: sou do grupo de Fulano de Tal, se mexer comigo vem mais vinte me defender.

E isso vem sendo alimentado, pois convém que briguemos uns com os outros e assim estejamos muito ocupados para brigar por melhoras no país. Se na ditadura a saída era um inimigo em comum, hoje a solução é desunir a população e jogar uns contra os outros. As pessoas topam, porque gostam de pertencer a um grupinho e ter o respaldo deles. A vaidade humana e carência por aceitação estão chegando a um ponto inaceitável. Seu grupo é o que te respalda.

A forma que esse grupo “backup” se manifesta varia de acordo com o momento social. Durante muito tempo, o grupo backup que dava respaldo e segurança ao brasileiro era a religião: se diziam católicos para se sentirem de alguma forma elite, especiais, parte aceita de um conglomerado mundialmente poderoso e de quebra ter presunção de bondade, porque quem tem Deus no coração não pode ser má pessoa. Os marginalizados ocupavam o posto de vilões: religiões de origem africana, os ditos “macumbeiros” e ateus eram o lado negro da força. Essa necessidade doentia de buscar conforto no bando mereceria uma análise mais aprofundada, mas fica para outro dia.

Hoje, para você ser definido socialmente, como praxe, se utiliza sua profissão (outro tema que já já vai ser objeto de texto). Mas, neste período eleitoral, virou modismo definir quem ou que a pessoa é por suas escolhas políticas. Algo que deveria ser de foro íntimo, de acordo com a convicção pessoal de cada um, virou quase que um crachá de identificação que determina onde você será aceito e como você será tratado.

E, não se enganem, até quem não quer saber de política e não vai votar em ninguém encontra uma classificação e julgamento. O que te define até o dia 26 de outubro é o seu posicionamento político, queira você ou não. Um ser humano é muito mais do que isso, você sabe, eu sei. Mas o Brasileiro Médio não sabe.

Tal qual tubarão branco quando sente sangue, entraram em um frenesi agressivo e desrespeitoso de se dedicar a combater um suposto inimigo. Porque guardar forças para tentar fazer desta bosta de país um lugar melhor nem pensar, o prioritário é calar que pensa de forma diferente. A diferença ofende, afronta. No Brasil, tudo é prioridade, menos aquilo que realmente deveria ser.

Você TEM QUE pertencer a um grupo, porque uma organização social onde pessoas não possam ser rotuladas e classificadas é uma abstração por demais assustadora para o Brasileiro Médio. Ainda que você se recuse a pertencer a um grupo, será rotulado e encaixado em algum, pois nesse universo burro e cartesiano tudo tem que ter um rótulo para poder ser compreendido. É o preto e o branco, zonas cinzentas não existem.

Daí você é rotulado, e com o rótulo ganha de brinde inúmeros ataques. Gente do seu convívio que sempre gostou de você se ofendendo, porque supostamente você, um traidor, ficou “contra” o grupo que essa pessoa aderiu. “Como assim você DISCORDA DE MIM?”. Discordância gera ofensa, a partir do momento em que você discorda de alguém é porque o está chamando de burro ou coisa pior. Entrar (ou ser colocado à revelia) em um grupo rival ao de um amigo ou conhecido gera uma sensação de traição.

Essa sensação de traição já faz presumir que você é: burro, alienado, influenciado por terceiros ou simplesmente um escroto. Não importa todas as suas escolhas de vida, todas as suas realizações, toda sua bagagem, se você ousou entrar no grupo errado, dali para frente, tudo que você fez ou faz será desmerecido, desqualificado, desvalorizado. Quem pensa diferente deve ser calado, censurado e destruído, o comando está muito claro.

Diante de um ataque injusto como esse, a pessoa atacada se defende, como reação natural. Isso desperta ainda mais a ira do interlocutor, que agora tem a certeza (universo umbigo) de que aquela escolha é de fato uma traição para afrontá-lo. Resultado: ataca de volta, o que costuma gerar uma nova reação de defesa de volta. Esta bola de neve maligna vai aumentando, até pessoas que nutriam algum laço afetivo efetivamente brigarem e cortarem relações.

E se você pensa que isso acaba no domingo, dia 26, pense novamente. Espero de coração estar enganada, mas pelo que venho observando do ser humano, tenho a impressão que essa rixa Lado A x Lado B não vai se desfazer. Não enquanto não encontrarem outra classificação para polarizar as pessoas. O grupo que perder as eleições vai passar os próximos quatro anos atacando o grupo que ganhou, como se o candidato que perdeu fosse fazer muito pelo povo brasileiro.

Desculpa a impaciência e desesperança, mas a merda já está consolidada no futuro do país. O que Lado A e Lado B não parecem perceber é que no sistema brasileiro TUDO depende do Congresso Nacional. E este ano parece que ambos os lados se esforçaram para transformá-lo em um aterro sanitário humano. A composição da Câmara e do Senado está UM LIXO, e eles são quem mais detém poder no país. O Presidente é apenas o trocador do ônibus, o motorista é o Congresso.

Então, ganhe quem ganhe, o prognóstico é ruim. Mas imagina se as pessoas vão refletir e assumir sua parte de culpa pelas merdas de Deputados e Senadores que mandaram para lá? Não vão, porque a culpa é sempre do outro. O grupinho que perder as eleições vai passar os próximos quatro anos culpando o grupo vencedor até em caso de tornado ou tsunami. O grupo vencedor vai responder às agressões e esse circulo vicioso de raiva e ressentimento vai ser perpetrado.

Com isso, mais uma vez, nossa atenção e energia está sendo canalizada para uma babaquice e os problemas gravíssimos do país continuarão a se consolidar. Brigamos uns contra os outros em vez de brigar juntos por um futuro melhor para todos. Porque? Porque somos todos donos da razão e só é um futuro melhor aquilo que EU acho que seja um futuro melhor, o que os outros dizem é sempre burrice, imbecilidade e tem interesses obscuros.

E, atenção, a intenção deste texto também é alertar sobre o MECANISMO, não apenas sobre a forma como o mecanismo vem sendo usado no momento. O mesmo acontece quando torcedores de um time se unem para protestar contra um técnico ou bater na torcida rival, como vimos esta semana, ou quando tentam censurar humoristas, ou quando tentam vetar casamento gay. Desvio de atenção e energia para o lugar errado, devidamente induzido pela mídia e outros poderes. Não caiam nessa.

Por décadas estamos perpetrando o mesmo mecanismo: um grupo que se acha dono da razão brigando com outro grupo por uma grande perda de tempo em vez de canalizar sua atenção e energia para o mal coletivo que estão fazendo ao país. Cabeças pequenas e imediatistas que só pensam nos problemas que cercam seu umbigo. Passou da hora da gente pensar macro, pensar na coletividade, no país como um organismo. Pensar apenas no seu bem estar não leva a lugar algum, porque, cedo ou tarde, o mal estar do outro reflete em você.

Sinceramente, eu não aguento mais essa cultura do ódio, do revanchismo e da intolerância. Adianta essa diarreia legislativa de leis inclusivas se na prática a sociedade está cada vez mais dividida e hostil? Não sei se tenho paciência para viver no meio dessa gente raivosa e ressentida pelos próximos quatro anos jogando na cara dos outros que tudo que dá errado no país acontece porque não votaram no seu maravilhoso candidato.

Minha previsão pessimista é de que anos difíceis nos esperam, independente de quem vença as eleições. O que eu desejo é que o povo se una para tentar sair do buraco em vez de um apontar o dedo na cara do outro e ficar discutindo sobre a culpa de estarem emburacados. Provavelmente não vai acontecer, mas, quem sabe, algum dia, em um momento social mais favorável, alguém leia este texto e ele seja de alguma serventia. Fica aqui, para o mundo, para a posteridade, porque hoje ele não vai ser absorvido pela maior parte dos brasileiros.

E já que é para sonhar alto, espero um dia poder viver em uma sociedade onde eu tenha o direito de não pertencer a grupo algum, onde não seja classificada à força dentro de um bando em função da incapacidade das pessoas medíocres de lidar com o desconhecido, com o complexo, com o imprevisível. Uma sociedade sem a necessidade de grupos, onde eles eventualmente se formem por afinidade e não para unir forças para alguma empreitada bélica. Provavelmente não vou viver para ver isso acontecer, mas, se de alguma forma, puder contribuir para isso, já seria o bastante.

Fica aqui meu apelo: façam a parte de vocês para romper com esse círculo vicioso nocivo de raiva, revanchismo e ressentimento. Não responda a ódio com ódio. Ou melhor, não responda a ódio. Ao declarar um inimigo, você automaticamente está dando importância a essa pessoa/instituição, e eles não tem que ter importância. Não merecem ter importância. Deixe que falem, deixe que agridam, deixe que perpetrem sua intolerância e fúria. Não responda. Não alimente o troll.

Pode parecer um pedido um tanto quanto inusitado vindo de mim, uma pessoa por natureza combativa. Mas se você refletir com calma, vai perceber que não deixa de ser uma forma de combater a cultura do ódio e da intolerância. Talvez uma das mais eficientes, já que combater ódio com ódio é como apagar incêndio com gasolina.

Nossa parte já vem sendo feita desde que essa baixaria começou. Nenhum comentário da indústria do ódio é aceito aqui, não importa de que lado seja, e todos geram banimento sumário, pois não queremos esse tipo de pessoa por perto. Infelizmente não tem botão de banimento na vida, mas tem sempre a possibilidade de ignorar a pessoa. Faça o mesmo, não dê voz, não dê audiência a quem prega o ódio, a quem cultua o medo, a quem é intolerante com as diferenças.

Peço encarecidamente aos Impopulares que façam sua parte e não aceitem convite para briga de grupinho rancoroso, raivoso, hostil. Tenham pena, tenham compaixão dessas pessoas. Faça sua parte para não perpetrar essa cultura asquerosa, ou nossos próximos quatro anos se transformarão em um verdadeiro inferno.

Para desqualificar meu discurso na tentativa de me chamar para a briga, para continuar na torcida pela queda de mais dois aviões ou ainda para fazer suas malas e ir morar nas montanhas: sally@desfavor.com


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