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Direita e Esquerda.

Direita e Esquerda.

| Somir | | 30 comentários em Direita e Esquerda.

De que lado você está? Parece impossível escapar dessa divisão política nos dias atuais. Com o Brasil discutindo política de cima a baixo, mesmo que de sua forma peculiar (tal qual uma criança que acaba de aprender palavras novas sem saber seu significado), acusações de pertencer a um lado ou outro do espectro político voam para todos os lados. Mas… o que cada lado significa?

Bom, aqui eu vou ter que te decepcionar um pouco: varia. Esquerda e direita em política são conceitos escorregadios, e é muito difícil que alguém consiga identificar-se apenas com um deles. O ser humano médio tende a simpatizar com ambos de acordo com seus interesses de momento. O problema é que na prática as visões opostas não se anulam e não significam ir para o centro.

Mas vamos falar um pouco de história: apesar das ideias que posteriormente seriam tachadas de esquerda ou direita serem quase tão antigas quanto a humanidade, dar uma direção para elas é algo bem mais recente. Os termos surgiram na França, mais precisamente durante a Revolução Francesa.

Louis XVI ainda tinha sua cabeça, e o país passava por dificuldades econômicas severas. Foi criada uma Assembleia Nacional para discutir e traçar planos para resolver o problema. Nessa Assembleia, os defensores do rei ficaram à direita, os que queriam limitar os poderes do monarca à esquerda. Conservadores de um lado, reformistas do outro.

E de uma certa forma, essa ainda é uma das ideias principais da divisão nos dias atuais. A direita não gosta de mudar as coisas, a esquerda existe em função disso. Até por isso a esquerda organizada é um fenômeno recente, a direita tem um cartel de vitórias invejável em relação à sua adversária. Como pobres e ricos tem uma tendência natural ao conservadorismo – os pobres por medo de ficar ainda pior e os ricos por medo de deixar de ficar tão bom – podemos dizer que a humanidade tem muito mais histórico de direita do que esquerda.

Uma outra forma parecida de enxergar as coisas é considerar a direita como pessimista e a esquerda otimista; que as coisas costumam ir mal para a maior parte da população mundial (e não é de hoje) não é novidade, mas há duas formas de enxergar essa situação: ou já estamos fazendo o que se deveria fazer e não dá para melhorar substancialmente, ou que dá para viver num mundo onde as coisas são muito melhores para todos e só nos falta mexer a bunda para conseguir.

Parece até que eu estou puxando a sardinha para a esquerda, e apesar deste que lhes escreve realmente estar mais inclinado para esse lado, não podemos ignorar que otimismo às vezes flerta com a ilusão. Achar que o mundo pode chegar num estado utópico de igualdade é… bem, é utopia. A esquerda bebe de um copo meio cheio onde é possível conseguir mais mudando nossa forma de agir.

A direita, por sua vez, não necessariamente acredita que está tudo bem. Mas defende que escolhamos um sistema e fiquemos com ele até dar certo. E por mais que tenhamos conseguido avanços consideráveis no padrão de vida humano com guinadas à esquerda em diversos lugares, não é qualquer mudança que conquista resultados. Resumindo: a esquerda quer chacoalhar o mundo até tudo cair no lugar certo, a direita quer que as coisas parem de balançar para não nos deixar desorientados.

Evidente que o conceito acabaria nebuloso para a maioria das pessoas: por vezes queremos mudanças, por vezes queremos estabilidade. O segredo ainda é equilibrar ambos os lados para que possamos gerar mudanças sociais valiosas e depois conseguirmos mantê-las.

E é seguindo essa ideia da dicotomia entre mudar e manter que começamos a entender as tantas ideias que acabam reunidas nesses pacotes políticos. O capitalismo é de direita, o socialismo é de esquerda. Faz sentido: o capitalismo é um sistema de organização econômica muito útil para estabilizar uma sociedade, mesmo com seus imensos defeitos. Ele considera que não há forma melhor de dividir as pessoas do que por sua capacidade de gerar riquezas, e premia aqueles que criam vantagens para suas gerações seguintes. Sociedades se acomodam no capitalismo.

O socialismo chacoalha a sociedade e considera que é melhor unir as pessoas num objetivo comum do que deixá-las seguir caminhos diferentes. A natureza humana teima em não concordar com tais preceitos, que teoricamente seriam melhores para todos ao mesmo tempo. O indivíduo quer suas vantagens pessoais. Como de costume, a esquerda espera mais do ser humano do que ele pode entregar. Mas, não se pode saber se podemos mais se não nos cobrarmos mais.

A esquerda pensa na comunidade, a direita no indivíduo. E cada um deles deixa o outro de lado quando está no poder. Não somos felizes no capitalismo ou no socialismo, afinal, não somos só uma comunidade ou só o indivíduo: somos as duas coisas. Assim como não é errado querer que nos unamos para eliminar a miséria e a injustiça, não é errado também permitir que cada um tenha sua chance de brilhar e gerar vantagens específicas para seus descendentes.

Na parte comportamental também há diferenças: a direita é conservadora, a esquerda é liberal. Novamente, faz sentido. Se você quer que uma sociedade estabilize e siga seu caminho sem percalços, pessoas quebrando normais sociais e desafiando a moralidade (moral tem a ver com costumes, repetição de comportamentos, não confundir com ética) são um problema. Ideias e exemplos podem se espalhar como fogo no mato seco.

Não é à toa que a direita sempre foi mais próxima de religiões conservadoras como a cristã. A manutenção do status quo é essencial para quem exerce poder, e deve-se evitar desafios à ordem estabelecida para que as leis criadas sejam obedecidas. Nada mais perigoso do que uma revolução!

A esquerda já tende a aceitar de mais bom grado quem se desvia dos padrões de comportamento vigentes. E eu sei que você vai pensar em casos como o do Che Guevara para me contraria nesse ponto: lembram que eu disse no começo do texto que ninguém consegue ser só de direita ou de esquerda. O desastrado maníaco argentino apontava para a esquerda na vontade de mudar, no otimismo de um mundo economicamente igualitário, mas como tantos de sua geração, era completamente fechado para homossexualidade e afins. Essa era a direita nele. E pior, alimentada pela esquerda revolucionária: reaça sem pudor de pegar em armas para conseguir o que queria.

Países tolerantes com culturas, raças, religiões e orientações sexuais diferentes quase sempre estão mais inclinados para a esquerda. Afinal, a esquerda enxerga a mudança de paradigmas como algo positivo. A esquerda quer mudar o mundo até achar que tudo está perfeito (Spoiler: você já sabe…).

Estados de esquerda em tese são mais próximos dos direitos humanos do que os da direita. Na prática eles são desrespeitados na maior parte do mundo. A esquerda tem a visão otimista que todo mundo merece um mínimo, a direita acha que cada um merece o que merece, e mais nada. A meritocracia é um conceito de direita: dar vantagens para quem faz por onde é uma forma de estabilizar a sociedade.

A esquerda é democrática, a direita é autoritária. Eu sei que você achou isso estranho, afinal, durante décadas do último século os países que mais personificavam esquerda e direita no mundo faziam justamente o oposto. Novamente: ninguém é só esquerda ou só direita. As coisas se misturam. A Alemanha Nazista era autoritária e intolerante, mas era esquerda na economia e no Estado. Esquerda autoritária é possível sim, assim como direita democrática.

Para simplificar a ideia, imagine que a Noruega está alinhada à esquerda e que o Irã está à direita. De um lado um país onde a conversa resolve os problemas, do outro um onde a violência o faz. De um lado um país liberal e extremamente respeitoso com os direitos humanos, do outro uma Teocracia (o que já deveria te dizer tudo o que você precisa saber).

Mais: Estado grande é esquerda, Estado pequeno é direita. Não, não estou falando de extensão territorial, estou falando de quanto um Estado (quem governa) influencia na vida cotidiana das pessoas. Estados grandes são aqueles que tratam seus cidadãos como crianças (oi, Brasil!), Estados pequenos são aqueles que deixam o cidadão se virar sozinho.

Como a esquerda prega mudanças constantes, precisa ter poder e alcance para tal. Precisa ter formas de controlar a vida dos cidadãos de perto para garantir que os planos para a coletividade não sejam suplantados por iniciativas individuais. Estados de esquerda são mais enxeridos, mais controladores. Mas eles também são mais dados a oferecer serviços de qualidade para a população. Para toda a população. O Estado é grande e caro (os impostos são altos na esquerda), mas em tese ninguém fica para trás. No fim desse espectro está o comunismo, onde o Estado controla tudo e todos trabalham forçosamente para sustentá-lo. É o fim das liberdades pessoais, um sistema mais próximo de uma colônia de formigas do que de humanos.

A direita já fica mais à vontade com um Estado pequeno, que deixa o capitalismo fazer sua parte e tenta se envolver o mínimo possível nos assuntos populares. No extremo desse conceito está o libertarianismo, onde a iniciativa privada assume basicamente todos os serviços públicos e cada um paga pelo que puder pagar. Não nego que exista uma graça nisso de deixar as pessoas se organizarem sozinhas e dar liberdades enormes ao cidadão, mas na prática gente demais ficaria para trás. No fundo quem defende Estados de extrema direita quer mesmo é que os pobres se explodam.

A grande questão aqui é que não dá para estabilizar uma revolução de esquerda sem pisar na direita. Assim que achamos que mudamos o suficiente, a vontade de manter se instala. E nem dá para manter um Estado inclinado à direita sem gerar uma necessidade absurda de mudanças. A esquerda bagunça tudo, a direita organiza tudo errado.

Num país como o Brasil, o povão é um misto de esquerda e direita de acordo com o caso. Esquerda na hora de receber o Bolsa-Família, direita enquanto está vendo o Datena na TV. Na hora de votar, isso pouco importa, os partidos brasileiros são quase todos de centro, normalmente com a mesma mistura ingrata de populismo e intolerância presente no cidadão médio.

Espero que agora você saibam melhor de que lado estão, e que provavelmente vão passear muito pelos dois durante a vida. Esquerda e direita não fazem a menor diferença a não se que estejamos seguindo em frente…

Para dizer que discorda totalmente e que seu lado é o perfeito, para me chamar de comunista por me alinhar mais à esquerda, ou mesmo para dizer que adoraria se interessar por isso mas não consegue: somir@desfavor.com


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