Gosto a gosto.

Já dizia o sábio anônimo que gosto é que nem cu: cada um tem o seu (e o dos outros fede mais). Sally e Somir tem seus gostos específicos e não se rendem a algo só por ser popular, mas na hora de dividir esses gostos com o mundo, não entram em acordo. Os impopulares participam, se gostarem.

Tema de hoje: Ser sincero se te perguntarem sobre o que você não gosta?

SOMIR

Sim. Não nego que sinceridade traz sua carga de riscos numa sociedade conformista e hipócrita como a nossa, mas há de se tomar o cuidado para não ser completamente engolido pela opinião mais popular. Compreendo a vontade de se integrar melhor na sociedade, mas não é como se isso fosse tão vantajoso assim.

Primeiro vamos falar do óbvio: é divertido dar uma esfregada de verdade na cara dos outros. Não importa a merda que você goste, a tendência é que as outras pessoas ou não tenham gostos definidos o suficiente para discordar de você, ou que não tenham coragem de fazê-lo. As pessoas simplesmente não esperam que alguém vá falar mal de algo que gostam.

Normalmente elas sequer tem estrutura para lidar com essa confrontação. Muito pouca gente nessa vida vai se comprometer o suficiente para dizer a verdade, e isso deixa todo mundo meio ‘flácido’ nesse aspecto. Dizer para alguém que não gosta de algo que ela gosta gera hilárias caras de espanto e silêncios deliciosamente desconfortáveis.

Talvez seja algo muito pessoal, mas tirar alguém da zona de conforto assim me dá um grande prazer. Fico com a sensação de que estou a segundos de finalmente conhecer o ser humano na minha frente. Uma pessoa só existe de verdade quando a fachada social desaba. Desse momento para frente, existem riscos sim, mas algumas das recompensas disponíveis fazem tudo valer a pena.

Muitos estão acostumados a entender discordância de gostos como ataque pessoal, automaticamente entrando na defensiva. Se você souber lidar com a situação a partir daí, pode sair dali com uma relação muito mais forte do que sairia se simplesmente mentisse como é de costume. Claro que é nessa hora que o choque pode virar agressividade ou ressentimento, mas fica ao critério de quem quebrou a barreira de hipocrisia como desenvolver o momento.

Se você estiver calmo e controlado, pode tentar demonstrar como não pactuar com os gostos do outro NÃO é sinônimo de ataque pessoal. Existe uma fascinação do ser humano com o que é diferente da norma, basta saber aproveitá-la. Se você for claro de como não gosta da coisa e souber ficar só nela, pode até ficar parecendo mais interessante para a outra pessoa.

E outra, você se apresenta muito melhor assim. Sally que me ensinou isso há alguns anos: sabemos muito melhor por que não gostamos de algo do que por que gostamos. E é muito verdade! É um processo intelectual mais complexo, e até mais transparente. Num mundo de gente escondida atrás de fachadas, quem se mostra um pouco mais fica mais interessante.

Como de costume na vida, fazer a socialização pela discordância é mais complicado, mas tem maiores recompensas. As pessoas não gostam de admitir que ficam impressionadas com opiniões fortes contrárias as delas, mas sem a presunção de enfrentamento pessoal, é grande a chance de você se tornar um ser humano mais visível e rememorável se for honesto sobre o que gosta e o que não gosta.

Uma coisa é ser mais um que achou aquela roupa linda, outra é ser o único que disse que não combinava com ela. Como é muito humano dar maior valor à opinião negativa, você vai exercer um poder muito maior sobre qualquer pessoa se for mais honesto. Muitos vão te dizer que é melhor ficar camuflado na multidão, mas a verdade é que você precisa se destacar para conseguir as melhores oportunidades.

As pessoas anseiam por alguém que diga a verdade, mesmo que na superfície ajam de forma incompatível. Você quer o amigo que te avisa quando tem papel higiênico preso no seu sapato, não o que sorri e te deixa passar vergonha a festa inteira. Sim, tem quem vá ser imune a qualquer explicação de que não é um ataque pessoal, mas normalmente é gente tão babaca que nem vale a pena manter por perto.

E outra: te livra de muitas furadas. Fingir que gosta de algo que não gosta é receita de desastre. Uma hora vão te convidar para aquele show de um cantor sertanejo (pode ser qualquer um, eles são idênticos) e você vai ter de lidar com a mentira que contou anteriormente quando perguntado se gostava. Aí você pode se indispor com a pessoa que vai achar que você não quer ir por causa DELA, e não porque seus ouvidos não são penico.

O que não falta por aí é caso de gente que ‘ganhou’ um gosto por falta de coragem de dizer a verdade e até hoje é lembrada e até presenteada baseado nele. Você acha bacana que alguém comece a te chamar por outro nome? Você não corrige quando erram? Por que abrir mão da sua individualidade quando são gostos envolvidos? Eles são parte da sua personalidade!

Como é comum presumir que todo mundo gosta de coisas populares, sobra pouco material para diferenciar as pessoas. Você pode ser mais um, ou pode ser aquela pessoa que acha novela uma merda. Querendo ou não, precisamos de classificações para entender o grupo de pessoas que nos cerca. A pessoa vai te colocar em alguma categoria, então que pelo menos seja uma baseada nas suas opiniões e gostos reais.

Se não gosta, fale. Não se perca no meio da multidão.

Para dizer que amou o texto, para dizer que não mudaria uma palavra do que eu escrevi, ou mesmo para dizer que mal pode esperar pelo próximo: somir@desfavor.com

SALLY

Opinar SINCERAMENTE quando um conhecido te perguntar sobre algo que você não gostou? Não, gente. Em que mundo vocês vivem? Não estão sabendo que discordar e criticar ofende? Discordância e críticas só para amigos, e mesmo assim, aqueles mais próximos e mais bem resolvidos.

Visualizem as seguintes cenas: Situação 1. Uma colega de trabalho pergunta para a outra “Gostou do meu novo corte de cabelo?” e a colega responde “Não, achei que te deixou mais gorda, além disso repicado está fora de mora. Situação 2. Um colega de trabalho puxa uma foto de um bebê-monstro e pergunta para alguém se não é lindo, ao que a pessoa responde “Desculpa, mas não achei seu filho bonito”. Situação 3. Conhecido te chama para ir ao show do Roberto Carlos, perguntando se você gosta do Rei e escuta como resposta que, não, obrigada, você acha ele um velho decrépito, maluco, alisado e decadente. Quais as chances disso dar certo?

Uma merda que seja assim, mas as pessoas se ofendem quando tem que escutar que alguém não gosta de algo que elas gostam. Destoar no gosto é sinônimo de grosseria hoje em dia. Não que eu não sinta um prazer sobrenatural em ser grosseira, ser grosseira é a minha cachaça, me acolhe a alma, me faz feliz. Mas, infelizmente, fazer relações públicas, cultivar o social, é indispensável nos dias de hoje. Sobretudo profissionalmente.

Então, se você quer ser bem sucedido ou ao menos conseguir pagar suas contas, não pode dizer que não tem religião e que não gosta de religião. Não pode dizer que acha sertanejo um estupro auditivo. Não pode dizer que não assiste novela nem reality show porque felizmente nasceu com cérebro. E, finalmente, não pode dizer nada disso, nem mesmo com jeitinho, com elegância, com educação. Porque discordar, ainda que da mais polida das formas, ofende e predispõe a pessoa contra você.

A discordância a gente guarda para os amigos, aquelas pessoas que passaram por um filtro, que sabemos não ser completos mongoloides, com as quais construímos uma relação de confiança e cumplicidade. Com estes sim nos preocupamos, queremos dizer a verdade, queremos alertar. Mas com colegas? Não, obrigada.

Para colegas o vestido está sempre lindo, a igreja é sempre ótima mas eu é que estou sem tempo e o show deve ser muito legal, mas eu é que estou sem dinheiro para ir. Ponto final. Escolham suas batalhas, Senhoras e Senhores. Escolham suas batalhas que o mundo está muito bélico e brigar por esporte é desgaste desnecessário.

Se achar no direito de romper uma convenção social vigente chamada “hipocrisia social” só para dar sua maravilhosa e imperdível opinião é arrogância. Além de arrogância, é burrice, pois sua maravilhosa opinião pode fechar portas, se não agora, em um futuro. Não me entendam mal, eu adoro opinar, principalmente quando é para cobrir os outros de merda da cabeça aos pés. Dar choque de realidade em pessoas é divertido para mim. Mas, infelizmente, neste contexto social, acaba sendo um tiro no meu próprio pé. Sente vontade de falar? Escreve um blog. E que seja anônimo!

Não tem estômago para mentir? Não opine. Existem dezenas de formas de sair pela tangente sem opinar. Se preciso for, simule um desmaio, mas não critique algo que um conhecido levou até você, por mais que ele tenha pedido sua opinião. Funciona assim: quando uma pessoa te pede uma opinião sobre alguma coisa, a tecla SAP da convenção social é: a pessoa está te pedindo para elogiar aquela coisa. Bizarro, eu sei. Eu culpo as redes sociais.

Através de anos de redes sociais as pessoas carentes selecionaram como amigos apenas aqueles que elogiam, que curtem suas fotos, que passam para deixar recados massageadores de ego. Durante algum tempo (Orkut), esse comportamento ficou restrito às redes sociais. Mas, com o advento dos smartphones, que funcionam como computadores de bolso, o uso de redes sociais se tornou onipresente e as pessoas começaram a dar mais importância e gastar mais tempo em redes sociais do que na vida real.

Quando a vida da pessoa é uma bosta ou uma coisa meio mais ou menos, deve ser mais agradável viver em um mundo onde você pode escolher o que quer ser, o que quer aparentar, o que quer transparecer. Essa armadilha pegou de jeito o ser humano e ele deslocou sua vida principal para as redes sociais. Como dito, nas redes sociais o modo de funcionamento não é similar ao da vida real, são vidas falsas, um mundo falso, pessoas falsas que se elogiam em troca de elogios de volta.

Pois bem, as pessoas se acostumaram a funcionar assim. Esse passou a ser o padrão dominante. Quando este padrão de elogios perenes entrou em choque com o padrão socialmente vigente (pode opinar livremente), começou a histeria. Minha geração passou por essa fase turbulenta e muitos, eu inclusive, sofremos para perceber esse mecanismo todo e para tentar uma adaptação. Não tem jeito, eles venceram. O padrão vigente hoje passou a ser o de redes sociais no mundo real. Eu não quis entrar no Facebook, mas o Facebook entrou em mim. À força. É a facebookização das relações sociais.

É por isso que lhes digo, após anos e mais anos errando sem saber onde, lutando contra a facebookização da vida real em vão: guardem suas opiniões sinceras apenas para os amigos. O padrão de funcionamento social é esse e só pode lutar contra isso quem já está muito bem estabelecido na vida e não depende de contatos para nada. Ou idosos, que ganham o aval social para falar qualquer merda. Não vejo a hora de completar 60 anos, para pode voltar a dizer livremente o que penso. Viver assim é sufocante, porém necessário.

Joguem o jogo, porque são vocês contra o resto da sociedade. A massa nos esmaga, não dá para lutar sozinho contra uma maioria avassaladora, ao menos não batendo de frente. Na surdina, com inteligência, com estratégia, a gente chega lá (e estamos aqui é para isso mesmo!). Mas se bater de frente, quem perde é você.

Não opine. Esquive-se. Minta. Omita. Faça como achar melhor, mas em matéria de conhecidos, a verdade quase sempre fecha portas. E quando portas se fecham, quem se ferra é quem toma a porta na cara e não quem está do lado de dentro e te trancou do lado de fora. Sejam inteligentes. Tá puto? Tá revoltado? Precisa desabafar se não vai explodir? Vem pra cá. Desfavor nasceu justamente por isso e para isso.

Para dizer que eu traí o movimento, para acreditar que você pode lutar contra códigos sociais batendo ou ainda para ser sincero e dizer que acho meu texto uma bosta: sally@desfavor.com

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Comments (27)

  • concordo com a Sally mas é complicado admitir pra mim mesmo que eu to me vendendo as vezes por um salário,outras vezes pra evitar conflito com os outros,e até mesmo pra tirar nota na faculdade ter opinião diferente da maioria hoje em dia é quase um crime, já falei muito a verdade e não recomendo pra ninguém é suicídio social, nem mesmo com os amigos dá pra ser 100% verdadeiro apenas um pouco verdadeiro, eu não vou querer destruir o sonho do meu amigo que tenta faculdade de medicina a 3 anos e não consegue devido ao QI baixo, eu digo “não desanima não você consegue” muito menos vou destruir o sonho do meu outro amigo que sonha em ser cineasta mas não consegue guardar um tostão até o fim do mês e gasta todo dinheiro em baladas, por que se eu falo se eu aponto o erro eu que sou ruim, recalcado, invejoso ninguém quer sua opinião e sim um reforço positivo querem que você elogie o filho catarrento,diga que o corte de cabelo ficou bom mesmo que tenha ficado uma merda,diga que a roupa ficou ótima mesmo que tenha sido comprada no camelô ou nessas lojas bem bregas;é ridículo esse comportamento mas somos obrigados a nos render de tão comum que se tornou

  • Concordo com o Somir, mas estou precisando agir como a Sally descreveu por motivos de sobrevivência. Já me dei muito mal por falar o que realmente pensa.

  • Hahahaha…Imaginei agora o Rei na janela de um aviao, com cara de cú e de maos dadas com a proxima vitima.
    Essa foi ótima, Charles DG!

  • Sally, quando vc completar 60 anos, com aval para dizer tudo o que pensa, nao havera mais Desfavor!

    Discordo quando diz que as pessoas perguntam opinioes para receber elogios. Bem, pode ser que esteja indecisa mesmo, principalmente se o assunto é roupa.

    Quanto à questao do tema: Minha resposta seria: “Deixe logo claro sua posição. Seja sincero sempre.” Expressar gosto pessoal é ate uma forma de conhecer e se dar a conhecer a outra pessoa. Este assunto me fez lembrar de um comentario que li certa vez: o problema nao é discordar, mas o modo como se lida com a divergencia.

    Mas, ao analisar o argumento da Sally, conclui que, sem duvida, pelomenos em questoes sociais, concordar, apoiar, nao discutir, é sinonimo de inteligencia.

      • “No que depender de mim, Desfavor só para quando eu morrer”. Nem assim, Sally…. Você, o Somir e o Desfavor já estão para sempre em nossos corações e mentes e eu também não vou me surpreender se daqui a alguns anos alguns Impopulares se dedicarem a preservar o que vocês escrevem para mostrar para filhos e netos. Vocês, claro, não vão estar aqui para sempre, mas o que vocês fazem e o “Desfavor Way Of Life” já são eternos.

  • A verdade só deve ser dita no momento certo, na hora oportuna, é quando você acerta a veia. Porém, o retorno pode ser benção ou maldição.
    Eu também gostei do texto da Marina, valeu como complemento.

  • Achei exagero os exemplos da Sally, dá pra ser sincero com mais educação. Quando me perguntam coisas, já que me perguntaram, respondo com sinceridade de uma maneira que não seja levada a mal. A maior parte das coisas da pra ser respondida com “não faz muito meu estilo” ou outra negação genérica que mostra o desgosto sem ser levado como ofensa pessoal.
    E se por algum motivo a pessoa se ofender, melhor pra mim, que aí ela para de perguntar.
    Quanto às perguntas sobre bebês: sempre foque num detalhe “olha os olhinhos esbugalhados” e “olha o cabelo arrepiado” seguido de uma risada suave dá conta do recado sem precisar falar que o bebê é feio assim na cara de pau

  • Gostaria de poder dizer abertamente do que gosto e do que não gosto sem receio de desagradar quem quer que fosse em qualquer ocasião. Gostaria. Mas não posso. Pelo menos não sempre… É verdade o que o Somir disse sobre ser necessário sobressair em meio à multidão para ter melhores oportunidades no trabalho e na vida, mas a Sally também está certa quando diz que “a maioria nos esmaga” e que essa maioria só nos pede opinião já querendo concordância e elogios. Por isso, de uns tempos pra cá, tenho procurado agir como a Marina – adorei o comentário dela! – e só abro a boca se me perguntarem. E eu também tento tomar cuidado com o que vou falar porque vai que… Ao mesmo tempo, dependendo de QUEM está do outro lado, prefiro sair pela tangente. Porque essa pessoa pode não querer me entender de jeito nenhum – por teimosia ou por ignorância – e também porque sei que eu sou um péssimo mentiroso.

    É uma merda não poder ser sincero sempre, mas acho que o complicado mesmo é achar um ponto de equilíbrio entre o não se indispor com outras pessoas – o “desgaste desnecessário” de que a Sally fala – e o não passar uma imagem errônea de bundão que nunca quer se comprometer – que implica no “se destacar da multidão” citado pelo Somir – e tentar levar a vida nessa “corda bamba” na medida do possível.

  • Não sei se quem é rico faz diferente. No meu caso que trabalho numa empresa merda, ganho uma merda e odeio a merda dos meus colegas, sou bem sincericida. Nunca participo de festinha, nem cha de panela, aniversário nem porra nenhuma. Eles nem me chamam mais de tanto não que já ouviram Digo mesmo que meu salário é uma merda, mal dá pra mim, odeio festinhas e não vou gastar com os outros. Falo também que colega não é amigo. Já tô numa fase de saco tão cheio da vida, que não me forço mais a bajular ninguém. Que se fodam todos!

  • Claro que não ! Se as pessoas perguntam minha opinião sobre algo nelas é porque tão inseguras e não é bom ficar perto de pessoas assim, então é melhor dá um sorrisinho amarelo e falar o que querem ouvir. E ser do contrário é sacal, quase sempre pedem explicações e é mó lero-lero. Não se ganha nada sendo sincero, a não ser uma penca de gente fazendo de tudo pra te ferrar.

  • O curioso é que muitas pessoas que se chocam e se ofendem com uma opinião contrária, se sentem no direito de vomitar opinões sobre assuntos que desconhecem. Dizem que fulana tomou bomba porque está sarada, que ciclano está doente porque emagreceu e cita aquela receita de dieta sem “glúten” para tirar barriga. Mas não podem ouvir que o cabelo não ficou bom que surtam…

    Eu só falo quando não atinge a pessoa. Falo que não gosto de Roberto Carlos e de novela, mas o filho família adams é lindo, a camisa mostarda é fantástica e religião é importante. Ainda prezo meu trabalho…

  • Eu gostei muito (mesmo!) da argumentação do Somir, mas concordo (contrariada) com a Sally por uma questão de coerência com a minha (até agora) atitude geral na minha vida. Temos que sobreviver e isso significa ter que lidar com o mundo tal como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse.
    As coisas são como são, não como deveriam.
    Eu não acredito em deuses. Mas não saio por aí dizendo isso de jeito nenhum. Quando era mais nova, falava. Ganhei o quê com isso? Fama de má. É. De má. Sem ter feito, de fato, uma maldade. Então, nos últimos anos, eu mudei e passei a dizer que acredito, sim, em Deus, pois “percebi que a vida é um milagre, mas não tenho religião, porque ainda estou procurando.” Todo mundo ama essa resposta. Agora tenho fama de boa. O que não me serve pra muita coisa, viu? Aliás, não me serve pra nada. Nem sei se abre portas. Mas é melhor que ser má sem merecer. (Será?) Enfim, sobreviver é tentar se proteger dos perigos e predadores e isso inclui mentir para não ser uma presa fácil.

    Eu minto. Minto o tempo todo. Digo que o vestido está bonito, que o cabelo ficou ótimo, que não reparei na gafe, que fulano é gente boa, que a fulana é simpática. Pessoas muito próximas me dizem sempre que pareço mais meiga do que sou de fato. Mas sempre tive um pouco de ética: não digo, espontaneamente, que o vestido está bonito. Só digo se me perguntarem. Só dou palpite no cabelo da Fulana se ela pedir a minha opinião. E a minha opinião é sempre positiva. Não me lembro de ter dito a verdade nenhuma vez. Ética furada essa minha…

    Mas sobre os meus gostos tento ser (um pouco) sincera. Se não gosto de determinada música, não gosto. Pra que mentir? Se não gostei do livro X, não vou mentir. Se não gosto do ator fulano, não vou dizer que gosto e ir, com o grupo de amigos, pedir uma selfie. Mas também não vou dizer a verdade inteira, porque ela ofende. Não precisa dizer que é melhor escutar um porco sendo abatido do que ouvir sertanejo, porque isso ofende os coleguinhas. Ou seja, a mentira sempre está lá.

    Perceberam o ponto crítico? A linha é tênue, fácil de cruzar. Eu evito beber, porque “in vino veritas” e evito explosões de raiva, porque o velho ditado popular diz para prestar atenção em uma pessoa com raiva, ou em uma pessoa que está saindo da nossa vida, porque é o único momento em que a verdade aparece. E é mesmo. E é um alívio quando isso acontece: eis o paradoxo!

    A mentira é um veneno. Aos poucos, vai nos matando por dentro.

    Sim, a verdade fecha portas. Mas não há garantias, Sally, de que a mentira e a omissão abram portas! Não há garantias de nada, nada, nada, nem mesmo de que não irei cruzar a linha e me tornarei capaz de qualquer coisa para PARECER feliz, bem sucedida, inteligente e bonita na foto, a fim de convencer os outros e ter alguma chance de sucesso.

    O Somir é que tem razão. “Muitos vão te dizer que é melhor ficar camuflado na multidão, mas a verdade é que você precisa se destacar para conseguir as melhores oportunidades.”

    As pessoas que hoje tem sucesso se arriscaram. As que fracassaram também. Não há garantias. Não há fórmulas. Não há caminho seguro. Não temos bola de cristal para lidar com esse futuro novo que as redes sociais estão construindo.

    Outro ponto do texto do Somir com o qual me identifico totalmente: “As pessoas anseiam por alguém que diga a verdade, mesmo que na superfície ajam de forma incompatível.”

    Verdade, verdade, verdade. Não há sensação mais incrível do que poder tirar a máscara. É o único momento de não-solidão, o único instante em que somos por inteiro o que somos. É a única forma de amar alguém, que está cada vez mais rara. Tirar a máscara! O que é sempre um risco, mesmo entre os melhores amigos, porque não conhecemos profundamente ninguém.

    Sally, você tem a sorte de ter amigos íntimos com quem pode ser 100 por cento sincera? Nem todos temos. A maioria de nós tem que se contentar com relacionamentos que possuem alguma camada de indizível.

    Por mais que nos relacionemos, tem sempre alguma coisa que não podemos dizer para esse ou para aquele. Os nossos também se ofendem. E como se ofendem! As pessoas são mutáveis, orgulhosas e carentes de elogios. Os nossos também! O amigo íntimo de ontem se afasta, muda de ares, muda de ideia.

    Você já trabalhou com Direito de Família e Sucessões? Tudo o que há de mais podre na humanidade aparece numa separação. Só não é mais podre do que inventários e partilhas de bens entre irmãos e parentes disputando herança.

    O sucesso é uma questão de sorte. Então, falando a verdade ou mentindo, seremos rotulados. Não sei qual caminho é o menos pior. Não sei mesmo.

    O que sei é que a inautenticidade fere demasiado.

    “Fiz de mim o que não soube.
    E o que podia fazer de mim não o fiz.
    O dominó que vesti era errado.
    Conheceram-me logo por quem não era
    E não desmenti, e perdi-me.
    Quando quis tirar a máscara,
    Estava pregada à cara.
    Quando a tirei e me vi ao espelho,
    Já tinha envelhecido.
    Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
    Deitei a máscara e dormi no vestiário
    Como um cão tolerado pela gerência
    Por ser inofensivo (…)”
    (Fernando Pessoa – Álvaro de Campos – Tabacaria)

  • Sempre falo de um livro que li que trata exatamente este assunto. Chama Sincero.

    No livro o autor, que fez uma quaresma da Sinceridade, conta que quase perdeu a esposa, emprego e abalou para vida algumas amizades.

    “O mundo não está preparado para a verdade”.

    Tento ser uma pessoa sincera sutil. Falo na lata o que penso para as amigos, que me perguntam uma opinião sobre roupa, cabelo, homem… Claro que uso um jeitinho especial para não ofender.
    Tento falar verdades de uma forma que não seja totalmente mal interpretado por esse povo chato e hipócrita. Mas se for para escolher para conviver bem em sociedade prefiro omitir ou falar mentiras.

  • Já pensei como o Somir. Aprendi da pior maneira que a Sally está absolutamente correta. Ao menos no caso da pessoa ter contas pra pagar e trabalhar cercada de BMs, mais que isso: for chefiada por BMs, como eu. Quando seu gosto difere dos demais, não te enxergam apenas como diferente, te enxergam como errado. Nem sei se a culpa é só das redes sociais, ou da falta de cultura que impera por aí. Só sei que quando vc não assiste novela, odeia BBB, e não quer ir na cabeleireira que todas foram, pq achou horrível as luzes loiras feitas na colega japonesa de mais de 40 anos, os outros te enxergam negativamente. É um comportamento de manada: o bando inteiro gosta, se vc não gostar, não faz parte do bando. “Não fazer parte do bando” te exclui profissionalmente.

  • Como vivo em um país onde as pessoas levam absolutamente TUDOOO para o pessoal, prefiro concordar com a Sally pois tem gente que é mais feliz vivendo na mentira e se ofende profundamente quando alguém tenta tirá-los dessa vida colorida que eles criaram para si mesmos.

    Isso serve até para amigo. Não é todo amigo que aceita uma crítica sua por mais íntimo que seja. Se é amigo de verdade, eu prefiro ouvir a real tal como ela é. Pois muitas vezes não acordamos para a vida até que alguém acende a luz… Pode até ser que no momento da crítica eu fique um pouco irritada, mas com certeza vou pensar sobre o tema e avaliar se é válido ou não. Não aceito crítica de qualquer Zé ruela… mas amigo é amigo.

    Certa vez disse a uma amiga de infância para ela ter cuidado porque estava engordando… e o resultado foi que a criatura ficou um mês sem falar comigo!! Me disse que todo mundo estava achando ela linda e só eu quis criticar. O problema era que, o namorado dela era uma vara de magro e comia de tudo. Ela tem tendência a engordar e o estava acompanhando em todas as jantas, almoços e sobremesas…. Namorar engorda. Namorar alguém magro que come de tudo…. engorada mais!! As pessoas elogiam porque não querem ficar mal porém só amigo de verdade fala a real. Pena que a verdade nem sempre é bem vinda.

  • As vezes as pessoas me perguntam as coisas e dizem que tão perguntando pra mim porque eu respondo com sinceridade.
    Não preisa agredir, pode ir pro meio termo.
    Gostou do corte? Preferia o outro
    Bebe monstro é bonito? Ram ram…
    Quer ir ao show do Roberto? Não faz meu genero.

  • Roberto Carlos é um atrai-câncer! Todo mundo que se aproxima desse bosta encarquilhado e requenguela morre da doença maldita! Só pode ser parte do contrato que ele fez com o diabo: “tu vai ficar rico, mas ninguém vai parar do teu lado”. Deve ser por isso aquela eterna cara de cu que ele tem, mesmo possuindo mil aviões particulares. Eu, hein?

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