Rendição condicional.
| Somir | Somir Surtado | 17 comentários em Rendição condicional.
Eu não gosto muito quando uma opinião minha passa muito tempo sem alterações. Como a probabilidade de se estar totalmente certo sobre qualquer assunto não é lá muito boa, opiniões muito resistentes podem muito bem estar estagnadas apesar de evidências e fatos novos. Já faz muito tempo que eu sou contra essa onda de politicamente correto…
Então… seria saudável conceder o benefício da dúvida. Normalmente eu esqueço de avisar quando escrevo textos assim e muita gente fica confusa, então é melhor deixar claro: eu gosto de argumentar contra o que acredito de tempos em tempos só para manter as coisas interessantes. Não gosto de opiniões flácidas. E se meu exercício ajudar alguém a dar uma movimentada na massa cinzenta, melhor ainda!
Já argumentei em texto anterior que o número de adeptos de uma ideia sobre a sociedade humana- por mais incômoda ou medieval que seja – tem grande impacto em seu êxito, inclusive na felicidade do povo que a segue. Até mesmo uma teocracia poderia funcionar e formar uma sociedade funcional se eliminássemos os dissidentes e/ou concorrentes. Resumo: se todo mundo for junto, as regras ficam claras e as pessoas se acostumam com praticamente qualquer coisa.
Pois bem, é pensando nisso que me surge a dúvida: e se o politicamente correto que tanto nos incomoda agora finalmente se tornasse uma norma ACEITA pela população? Não essa coisa de falar uma coisa e fazer outra, mas uma sociedade inteira preocupando-se de verdade com o que é ofensivo para o outro. Seja por crença honesta, seja pelo medo da punição.
É um futuro estranho, mas… não é exatamente um pesadelo. Penso muito nisso: e se tolher o direito à crítica e à expressão livre realmente nos livrasse de coisas como racismo, homofobia e similares? Adoro ter a liberdade (sabe-se lá até quando) de ter pontos de vista mais inflamatórios, mas quando penso que uma pessoa que calhou de nascer com mais melanina na pele perde oportunidades na vida porque não se coíbe o suficiente comportamentos racistas… se for para deixar esse mundo menos injusto, dá muito bem para engolir esse sapo.
Seria uma espécie de acordo: nascer branco te dá uma série de vantagens, principalmente na hora de conquistar patrimônio. Não é justo. Nascer não é mérito para ninguém, é pura loteria. Em troca de ainda ter essas vantagens, que tal pisar em ovos a vida toda quando estiver lidando com pessoas de outras cores? Tem que tomar cuidado com o que fala, tem que pensar e repensar suas atitudes para ter CERTEZA que não está discriminando alguém… um saco, eu sei. Mas, se você está garantindo que outros seres humanos sejam tratados de forma mais humana… é um sacrifício muito pequeno.
Você partiria do princípio que é sim racista e está oprimindo as outras raças só por existir. Pecado original, versão politicamente correta. É meio que uma sacanagem, afinal, não se escolhe nascer com uma cor ou outra, mas… esse é o preço para uma sociedade mais justa? Sabe do que mais? Tá bom, eu pago. Tem gente pagando preços MUITO piores só por causa da cor da sua pele. Na média, até que está fácil para os branquelos. Olha só, o privilégio existe mesmo! Quem sabe com algumas gerações de vantagens (inclusive legais) para os não-brancos o desequilíbrio se desfaça e possamos voltar a conviver como irmãos novamente?
E esse é um dos exemplos mais fáceis, afinal, está na cara. Mas um mundo realmente politicamente correto não pode deixar ninguém para trás. Na questão da sexualidade, por exemplo: bem que poderíamos nos permitir permitir que outros a expressem da forma como se sentem mais confortáveis. Tolerância generalizada, desde, é claro, que essa tolerância não fira o politicamente correto.
Não pode mais oprimir gays, lésbicas, transsexuais e afins! Bacana! Mesmo sem obrigação social, eu já concordo com isso. Mas… nessa realidade que proponho, as coisas vão mais além. Não é contra a norma só negar direitos básicos a quem não se identifica como heterossexual, mas também ofender seu direito à dignidade, da forma como essa pessoa enxergar dignidade. Num mundo politicamente correto de verdade, basta que seja ofensivo para alguém para ser um problema.
Parece chato, mas… essa proteção toda poderia dar um pouco de paz para quem sofre tanto com preconceito. As pessoas teriam que engolir caladas suas objeções e tomar muito cuidado para não ferir os sentimentos de quem se identificasse como não-hetero. Imagino que deva ser sufocante não poder se assumir como é e viver a vida como achar melhor, por isso até aceitaria calado um pouco menos de liberdade se pudéssemos destrancar os inúmeros armários desse mundo e ter uma população mais livre e feliz.
Mesmo que houvesse algum abuso. Tem gente que fica chata quando se sente muito à vontade. Teríamos que tomar cuidado até com os pronomes usados com algumas pessoas: seria extremamente reprovável chamar de ‘ele’ quem quer ser chamado de ‘ela’. Mas, novamente, parando para pensar… é caro demais se o que recebemos em troca é uma sociedade mais acolhedora e tolerante? Ás vezes temos que colocar as coisas na balança do bom-senso: nunca vai ser perfeito do jeito que a gente quer, mas pelo menos pode dar um resultado positivo no final das contas.
E tem mais! Um grupo que anda ganhando peso na disputa pelas minorias mais ofendidas são os obesos. A humanidade engordou, engordou bastante. Disputo o título de minoria, afinal, basta sair na rua para ver como eles são numerosos, mas estamos no mundo do politicamente correto: minoria oprimida é algo que todos podem ser, independentemente dos números. Basta que nossa sociedade atual demonstre alguma dificuldade de acomodá-las.
Seria crime ofender e segregar obesos pelo seu excesso de massa adiposa. Os ambientes públicos deveriam estar adaptados a todos os pesos e medidas, sob o risco de pesadas multas e talvez até cadeia para os responsáveis. Mesmo quando uma pessoa muito gorda aparecesse em público em trajes sumários, ninguém poderia oferecer nada além de elogios. Qualquer crítica que ficasse engasgada!
Pois bem, sabem que mesmo assim, quando uma minoria que tem sim culpa no cartório por ser como é, mesmo assim dá para enxergar como o politicamente correto poderia contribuir para um mundo se não melhor, pelo menos funcional: Passamos tempo demais de nossas vidas preocupados com a opinião alheia. Isso estraga a qualidade de vida de muita gente, incapaz de sentir amor-próprio e funcionar minimamente bem em grupo.
Por muito tempo, criamos uma falsa imagem de ser humano ideal na cabeça das pessoas. Como se houvesse um padrão rígido a ser seguido caso se quisesse se sentir bem consigo mesmo. A verdade é que somos muito diferentes em gostos, opiniões e estilos de vida. A crítica tem sim seu valor para ajudar pessoas a enxergar atitudes e comportamentos danosos ou irracionais, mas ela também pode paralisar o desenvolvimento pleno das capacidades de alguém.
Num mundo politicamente correto, estaríamos usando uma estratégia diferentes: reforço positivo puro. Não se pode criticar outro ser humano, nem mesmo por algo que escolheu. Se por um lado as pessoas vão perder a pouca noção que tem do senso do ridículo, por outro teremos mais pessoas fazendo o que querem e mais facilmente aceitas pelos seus pares. Aqui começa a parte onde eu reluto mais em abrir mão das minhas liberdades, mas… se é um plano com objetivos definidos, não seria o fim do mundo jogar junto.
Imagine um mundo onde você tem a garantia de ser bem tratado e aceito por todas as outras pessoas? Onde preconceitos, mesmo que continuem existindo, são repreendidos veementemente? Será que não vale a pena guiar a humanidade para um futuro desses? Abrimos mão de muitas liberdades quando fizemos essa espécie da pacto social criando leis e sociedades estruturadas. Ganhamos direitos perdendo liberdades.
E no final das contas, não nos vale mais ter direitos do que liberdades? O direito de viver ganha da liberdade de matar, por exemplo.
Claro, não é como se pudéssemos alcançar uma utopia politicamente correta da noite para o dia. O mundo tem problemas demais para funcionar dessa forma, mesmo com uma rendição condicional de gente como a gente. Mas já dá para enxergar esse caminho se desenvolvendo diante de nossos olhos. A tendência é que tudo vá ficando um pouco mais chato para quem gosta de um pouco de chamas em suas discussões, mas se houver uma contrapartida, não é como se tudo estivesse perdido.
É uma mudança, e mudanças são incômodas. Aposto que a maioria aqui tem pais e avós que não se conformam ainda em não poder mais dizer coisas como “serviço de preto” sem repercussão social alguma. O mundo em que nós vivemos agora deve ser chato para quem nunca sofreu pressão para respeitar a dignidade de minorias.
Talvez seja esse o mundo no qual estejamos vivendo agora. Talvez nossas ideias sobre nada ser sagrado e o humor não ter limites sejam tão jurássicas e inapropriadas para as próximas gerações como o racismo e a homofobia deveriam ser para nós hoje em dia.
E se o politicamente correto for um ótimo plano para evoluir a sociedade humana e nós que ficamos para trás? Se isso fizer as coisas funcionarem melhor daqui para a frente, pode ser que valha a pena aceitar que vamos perder alguma coisa em troca.
Será que vale a pena?
Marina, já pensei assim.
Ser flexivel é considerado ser inseguro. Mas, com o tempo percebi que, quem acredita estar sempre seguro, acaba se fechando para novas ideias.
Quando você se permite analisar um assunto, reconsidera-lo com mente aberta, novas possibilidades surgem sob um novo prisma e as conclusoes sao surpreendentes!
Portanto, se eu nao tivesse a SEGURANÇA de poder mudar de opiniao, eu estaria manifestando uma atitude tacanha e, assim seria mais dificil acompanhar o progresso que resulta da aplicação de novos conhecimentos.
Chato… num responde as pessoas..
Polêmica no mundo publicitário. Skol e Vono: Machistas ou é o direito de se ofender novamente?
Achei tão idiota essa polêmica… será que não percebem que agindo assim estão divulgando a marca que não merece?
A propaganda da Skol eu achei que a galera procurou se ofender mas era previsível…. agora a da sopa foi muito boba, é chifre na cabeça de cavalo.
Se eles não percebem? Nunca.
http://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/2015/02/13/por-que-tantas-feministas-sao-doidas/
Acho q é o meu pensamento sobre isso…. concordo muito.
Opinião de uma leitora do Desfavor que é feminista:
Quase morro de tristeza quando vejo essas polêmicas babacas. As colegas não conseguem perceber que não existe publicidade negativa, que clique é dinheiro, que falar (bem, ou mal) de uma marca é dar visibilidade pra marca, que o mercado quer a nossa atenção, quer o nosso clique, quer a nossa menção, quer a nossa energia, quer a nossa divulgação, quer ficar na nossa memória, quer nos AFETAR e não importa como.
Afeto é tudo que nos afeta. Paixão é afeto. Ódio é afeto. O melhor jeito de lidar com uma marca que faz uma propaganda machista é IGNORAR. As palavras, piadas, campanhas publicitárias NÃO PODEM ganhar mais atenção do que os casos reais em que o machismo AGE, estupra e mata, longe dos holofotes, todos os dias. Polêmicas baratas? Estou cansada. Cansada. Cansada.
Somos um exército. O exército de uma feminista SÓ.
Divulgação negativa ainda é divulgação. Muita burrice não perceber que, ainda que seja para falar mal, a pessoa está ajudando uma marca ou uma pessoa quando a divulga.
Gostei muito do seu exercício, embora seja uma defensora do impoliticamente correto. O que mais me incomoda é: “Num mundo politicamente correto de verdade, basta que seja ofensivo para alguém para ser um problema.”. E o que é ofensivo para alguém? Como iremos saber?
Outra coisa: até onde isso é realmente bom para as pessoas? Exemplo: se fizermos apenas reforços positivos a gordos, será que a população obesa do mundo (que já não é pequena), não irá aumentar? Com esse aumento, o que faremos com o crescimento das doenças decorrentes da obesidade?
Como na educação para crianças, apenas reforço positivo não é saudável para a formação de nenhum cidadão. O que dizer disso aplicado à sociedade?
“… se for para deixar esse mundo menos injusto, dá muito bem para engolir esse sapo.”
Olha se for para o MEU filho poder ter essa experiência de ver o tigre eu vou sim levar ele ao zoológico.
Sério, foi das maiores contradições pra quem tanto reclama dos tempos modernos, da “na minha época” e da geração Me Me Me.
Enfim Somir, quero te elogiar pelo texto de hoje e não pela argumentação de segunda. Por mais que pareça estranho lutar contra as NOSSAS liberdades realmente pode ser um preço legal a se pagar, tirando os exageros óbvios o politicamente correto já barrou muita babaquice também, não é como se só material de qualidade se perdesse com ele, e como você bem salientou as nossas liberdades de homem branco reprimidas são ridículas se comparadas as discriminações existentes que infelizmente faz muitas vitimas.
Interessante olhar o outro lado da moeda.
Não há como homogeneizar desse jeito, mesmo em nome de uma suposta aceitação generalizada da diversidade. Fica estranho dizer: somos todos iguais no fato de sermos diferentes, portanto concordaremos em não afrontar nunca os que discordam de nós. Decisões práticas precisam ser tomadas e os recursos do mundo são escassos. O politicamente correto supõe a criação de um mundo de conflito zero. Lanço um desafio ao Somir: como você solucionaria o conflito árabe-israelense mediante adoção de correção política? Yahveh disse que a terra é nossa e os árabes são filhos bastardos de Abraão com a escrava Agar, dizem os europeus convertidos que povoam Israel e não têm uma gota de sangue de Abraão, dada a diluição nas diásporas. Allah revelou que é o único Deus e que Maomé é seu profeta; Maomé disse que a jihad é prescrita por Allah: «Está escrito que Amr bin Abasah disse: “fui ter com Maomé e perguntei: ‘Oh mensageiro de Alá, qual é a melhor jihad? Maomé disse: ‘A de um homem cujo sangue é derramado e o seu cavalo é ferido’”» (Sunan Ibn Majah 2794). (perdão pelo ctrl c + ctrl v). Os muçulmanos, mesmo os convertidos, associam-se a Allah por meio da tradição de Ibrahim (que é o Abraão, na língua deles). Os ateus dizem: puta que pariu, quanta briga por um amigo imaginário, quem sabe você deixa os Agar-descendentes com essa terra meia-boca e manda os Sarah-descendentes para o Novo México?
O politicamente correto vai implodir, nós não somos isso e nunca seremos. Porém, vai levar tempo e será um saco enquanto esperarmos.
Diante deste mundo ser homem-bomba me pareceu uma ótima opção. Adoro ver a cara das pessoas quando falo algo constrangedor e nesse mundo imaginário eu seria um cancêr.
Meu avô já dizia que ser politicamente correto preserva os dentes. Isso era na época dele, imagina na nossa que tem homens bomba!
hein…. estava assistindo um documentário na Discovery Max e falavam sobre os hibridos.
Daí quando olhei no comentários sobre o programa.. .dizia que era uma reportagem baseada na informação dada pelos ETs. Eh???
Confesso que me deu uma certa inquietude.
O que vc pensa sobre isso??
Sao questoes interessantes para refletir.
Parafraseando Nietzche: Não estou seguro de minhas opinioes, mas de poder tê-las e poder muda-las.
Ultimamente, tenho apreciado a librdade que conquistei de nao encarar tudo como “oito ou oitenta”– uma maneira quadrada de pensar– mas de mudar de opiniao quando eu quiser. Isto é saudavel e produtivo.
Concordo, Ivo. Mas já reparou como essa abertura para novos olhares nos deixa com a aparência de inseguros? As pessoas nos consideram “folhas ao vento”.
Somos hipócritas. Admiramos gente que aparenta sere firme e segura, mesmo que seja tudo ilusão. Damos rios de dinheiro aos picaretas da auto-ajuda, gostamos de quem parece vender bem o peixe, mesmo que não exista peixe algum. Imagem é tudo. E a flexibilidade para mudar de ideia é vista, quase sempre, como fraqueza.