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Reação nas estrelas.

Reação nas estrelas.

| Somir | | 19 comentários em Reação nas estrelas.

Notícia nova não é. Mas falar sobre isso agora eu quero. Não sei se vocês tiveram contato com essa mania de gravar reações ao ver alguma coisa popular e colocar no Youtube, mas o que não falta por aí são esses vídeos. O último grande hit dessa moda foi a reação ao trailer teaser do novo Guerra nas Estrelas, que vai sair em dezembro. Vejam um desses vídeos para entender melhor:

Ok? Só eu que acho uma babaquice? E olha que eu nem tenho moral para criticar quem tem seus gostos nerds. Não estou falando sobre ser ridículo ficar empolgado por um novo filme na franquia, estou falando sobre a falsidade óbvia no ânimo dessa gente toda. A maioria que soltou vídeos de reação provavelmente só conhece a marca, mas não os filmes. Até porque tem muita mulher aparecendo nas compilações… não forma uma cena muito verossímil.

Eu gosto de Guerra nas Estrelas. Sempre gostei mais de Jornada, mas vi todos os filmes das duas trilogias do George Lucas e mesmo nos momentos mais tensos (Jar Jar Binks, midichlorians e cia.) eu ainda sim acompanhei. Sei bem mais do que os ícones de cultura pop que todo mundo deve conhecer, e mesmo assim esses novos trailers jamais me fariam berrar ou chorar de emoção. A maioria dos fãs da série (o que eu nem sou) também não deve estar tendo chiliques por causa dessas sequências. Todos gatos escaldados com as porcarias recentes.

Eu até tenho esperanças que vai ser bem melhor que as prequels, o J. J. Abrams é o tipo do cara que nasceu para fazer esse tipo de filme. As manias dele que descaracterizaram a Jornada nas Estrelas nos filmes recentes (Spock emocional? Vai à merda!) tendem a encaixar feito uma luva no cenário de Jedis, Siths e batalhas espaciais gigantes. Ele sabe misturar referências queridas do público com uma história enérgica e cheia de explosões como o povão gosta. Certeza que vai faturar seus bilhões nas bilheterias, mesmo as bombas do George Lucas faturaram alto só com o poder da marca…

Mesmo assim, berrar quando aparece a Millenium Falcon e chorar com o Harrison Ford setentão do lado do Chewbacca falando um “oi”? Ah, isso é coisa de fã do Justin Bieber. Completamente desproporcional com o que está sendo mostrado. Mas é claro, não estou levando em conta o fator principal: esse povo estava se filmando enquanto reagia ao trailer. E todos sabem muito bem o que faz esse tipo de vídeo bombar… reações exageradas.

Um vídeo de uma garota chorando de raiva ao assistir a cena do Casamento Vermelho do Game of Thrones é muito mais interessante do que de um Zé Ruela estático com a desgraça que se desenrola na tela. Ela vai parar numa compilação viralizada, ele não. É natural que o extremo chame mais nossa atenção, mas essa onda toda de reação começa a criar uma curiosa subserviência do consumidor aos produtos que são apresentados a ele. O que talvez explique porque recordes atrás de recordes estão sendo batidos na indústria do entretenimento.

Para a Disney é lindo que milhares de pessoas publiquem vídeos vexatórios com reações extremadas sobre seu novo projeto. Constrói a antecipação e contagia outras pessoas sem nenhum gasto extra. Cidadão vai fazer propaganda grátis do seu produto! Desconfio até que os trailers recentes estão tão parecidos justamente para colocar lenha nessa fogueira: todos trabalham com impactos poderosos perfeitos para desencadear reações malucas em quem está se filmando ao vê-los.

E mesmerizados pela própria imagem, essa gente começa a aumentar o valor do produto ao qual estão sendo expostas justamente para valorizar o próprio passe. Essa gente que provavelmente nem sabia quem era o filho do Darth Vader antes da máquina de supervalorização começar a operar agora pagam de fãs malucos da franquia. Novamente, não é nem elitismo de me considerar maior conhecedor, é a desconfiança da reação.

Reação virou um produto em si. Um dos canais mais famosos do Youtube só filma gente reagindo a coisas diferentes. É compreensível achar divertido ver outra pessoa reagindo diferente (ou igual) a uma coisa que você conhece. Não deixamos de ser todos macacos de imitação. Mas uma indústria da reação me parece algo danoso para a criatividade humana em geral.

Produtos que geram grandes reações passando na frente dos que exigem mais de quem consome é o equivalente de colocar as bebidas com maior graduação alcoólica na frente das com menor. Não é sobre a qualidade do produto, é sobre o quão rápido ele causa um efeito. Se essa fosse a regra, as empresas começariam a colocar mais e mais álcool em suas fórmulas até não sobrar mais nada para diferenciar as bebidas. O que parece estranho na indústria das bebidas pode muito bem estar acontecendo na dos filmes.

O grau de repetição que estamos vendo atualmente é assustador. Ou é sequência, ou é reboot. Tudo baseado em materiais que já fizeram sucesso no próprio cinema ou em outras mídias. Claro que estou falando apenas dos blockbusters, existe muita coisa diferente disponível fora dos meios mais populares. Mas a indústria do cinema percebeu que o foco na reação dá muito dinheiro e está chegando a bilhões de bilheteria com uma facilidade nunca antes vista. Dê material para os “falsos nerds” da atualidade berrarem em vídeos curtos de Youtube e prepare-se para recuperar todo seu investimento na primeira semana de exibição!

É a geração da gratificação instantânea modelando o mercado. Infelizmente essa geração já foi criada pensando em modelar o mercado, desde cedo… mais um círculo vicioso onde viramos todos peões num grande jogo de cifras astronômicas. Toda essa popularização da figura do nerd sempre me pareceu meio estranha… não foi a parte da inteligência apurada pelo estudo que pegou, mas sim a da obsessão por cultura pop. Isso era um lado do nerd original, mas não era só isso, os originais CRIARAM o mundo atual com a revolução da internet. Hoje em dia o que existe é o nerd pop que continua a ser burro, mas tem passe livre para chorar num trailer do Guerra nas Estrelas! Afinal, essa é a parte que dá dinheiro e não coloca em xeque o status quo. Quando os nerds ainda não eram populares, derrubaram uma lógica de sociedade e colocaram outra no lugar.

Mas eu saí pela tangente… o ponto aqui que essa onda de reação é um sintoma de algo maior. Somos nós encantados pelo espelho como sempre fomos, mas também é de uma conveniência valiosa demais para quem tem poder para alimentar a “hype machine”. A reação tem que ser compreensível para o outro, e para isso todos devem saber sobre o que ela se trata. A tendência é que as pessoas se concentrem apenas em algumas franquias populares o suficiente para serem atraentes para todos e que isso comece a afunilar ainda mais o mercado. Talvez as próximas gerações acabem vendo a quinta sequência do sexto reboot do Homem-Aranha ao invés de terem seus próprios heróis. Muita cópia, pouca criação.

E tudo em busca da reação mais imediata. Se no teaser do trailer você já conseguir uma massa de imbecis berrando a cada cena, pra quê fazer algo diferente? A empolgação e a impressão de empolgação já são suficientes para lucrar no mercado. E até mesmo quem tenta criar algo novo acaba amarrado nessas convenções e estraga tudo, incentivando ainda mais os estúdios a repetir e repetir (estou falando com vocês, irmãos Wachowski).

Um dos melhores filmes que eu já assisti até hoje foi lançado em 2008, eu vi logo que saiu e acho… só acho… que finalmente entendi há umas duas semanas atrás. Chama-se Synecdoche: New York, aliás – não recomendo pra ninguém porque vão me xingar dizendo que não faz sentido e perderam duas horas de vida, assistam se quiserem, a culpa não é minha. Não estou pagando de cult (mentira, eu sempre estou), estou dizendo aqui que algumas reações podem ser bem mais tardias e não menos poderosas. Tem coisa nessa vida que não tem graça no trailer!

E mesmo as que tem… menos… bem menos. Você não compraria um carro se te mostrassem um pedaço do farol e mais nada, não? E com certeza não berraria feito um cretino ao vê-lo. Criamos uma indústria de reação que é extremamente útil para quem vende o produto, mas não para quem compra. E depois não entendem porque a riqueza do mundo está cada vez mais concentrada…

Fomos criados para fazer isso.

Para dizer que vai comentar só com sua reação ao ler o texto, para dizer que é mulher e é fã de verdade de nerdices (Guerra nas Estrelas é mais pop que os Beatles, que são mais pop que Jesus) ou mesmo para dizer que só quer falar sobre o filme: somir@desfavor.com

Comentários (19)

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