Independência ou sorte?

Semana Outros Carnavais: nesta semana vamos trazer uma nova luz sobre acontecimentos históricos brasileiros. Muitos deles sugerem que só podem ter sido decididos numa bebedeira de carnaval…

A independência do Brasil.

Vossa Majestade, por favor ouça nossas súplicas: esta terra não foi feita para pessoas decentes. Nem eu nem Lady Sally podemos ser felizes aqui. Fizemos o que nos foi pedido, Rei George IV, e acredito que finalmente merecemos a graça de voltarmos para nossa querida Londres, longe deste calor infernal, insetos gigantes e povo desagradável. Por que merecemos? O plano deu resultados: o tolo Pedro acaba de declarar independência da coroa portuguesa. Sim, conseguimos!

E antes que uma versão oficial florida mude os rumos do acontecido, conto aqui o que realmente aconteceu. Como Vossa Majestade em sua sabedoria infinita já deve saber, este povo ainda segue as ultrapassadas regras da Igreja de Roma, onde a comemoração dos excessos pagãos é comum algum tempo antes da Páscoa. O nome que se dá aqui é “Entrudo”. Palavra curiosa, mas nem perto da insanidade que é essa festa propriamente dita. Selvagens… todos eles.

O Entrudo consiste de vários escravos correndo pelas ruas e fazendo algazarra, acompanhados por nobres inebriados em decadentes orgias domésticas. De sua terra natal, os africanos trouxeram seu batuque, uma barulheira irritante que ocupa todo o ambiente por dias e dias. Lady Sally parece mais afeita ao ritmo dos escravos, mas eu pensei várias vezes em furar meus ouvidos. De qualquer forma, menciono o Entrudo por um bom motivo: o príncipe regente e futuro imperador desta terra é um de seus maiores entusiastas.

Dom Pedro de Alcântara chegou ainda criança na colônia, fugindo dos malditos franceses junto com toda sua família. Seus pais nunca se sentiram muito confortáveis por aqui, mas Pedro… Pedro estava em casa. Impulsivo, intempestivo, irresponsável, metido a artista, pouco instruído, mulherengo…. cabia feito uma luva entre os locais. Se era sua personalidade ou se o Brasil o fez assim, não tenho como precisar. O que importa é que sua personalidade permitiu que tivéssemos o resultado desejado.

Lady Sally e eu não tivemos dificuldade de nos infiltrar nas mais elevadas rodas sociais deste país, incrível como os locais impressionam-se com um sotaque inglês. Graças aos generosos préstimos de Vossa Majestade – que temos certeza que serão pagos muito mais que em dobro assim que conseguirmos empurrar um empréstimo para a nação recém-criada – pudemos criar um hábito de dar grandes festas no Rio de Janeiro. Mas confesso que demorou algum tempo até o príncipe se juntar a nós, enchíamos o casarão de cortesãs, mas nada dele aparecer.

Até que Lady Sally conseguiu se aproximar de uma das muitas amantes de Pedro e coletou a informação que mudaria o rumo de tudo: o futuro imperador desta terra tem uma queda toda especial pela carne mais escura. Passamos semanas procurando e comprando as mais belas mulatas à disposição, e até roubando algumas de donos mais desatentos. Ajudava muito dizer para elas que seriam libertas. Algumas se foram, mas várias ficaram. E com exceção de uma, que, digamos, eu tenha preferido manter sob meus cuidados, a maioria delas adorou a ideia de posarem como servas e tentarem Pedro assim que ele estivesse sob o nosso teto.

E quando a notícia de nosso estafe das mais belas escravas da região chegou aos ouvidos do príncipe, ele virou presença constante. Aqui, o mais importante: combinamos com elas para jamais cederem fisicamente a Pedro. A ideia era provocar. E provocado ele foi. O príncipe não ousaria abusar de escravas de emissários de Vossa Majestade, e isso foi usado com maestria para deixá-lo no ponto onde queríamos.

O ponto do Entrudo. Lady Sally e eu planejamos o seguinte: já era de conhecimento público que os escravos faziam suas comemorações de Entrudo de forma diferente da nobreza. Que tinham seus próprios locais de celebração e que tudo era permitido ali. Pois bem, criamos algo chamado Entrudo Deveras Proibido, uma festa mítica vedada à nobreza. Onde poder-se-ia ouvir os batuques mais ousados, onde as escravas perdiam todas suas inibições e frequentemente terminava-se a madrugada numa pilha de corpos nus e suados. A lenda, carregada por nossas falsas escravas, chegou aos ouvidos de Pedro.

E, como previsto, não havia mais nada em sua mente depois disso. Como manipular alguém que sempre pode ter tudo o que quis? Negando algo a ele. Foi nesse momento que eu consegui finalmente me aproximar, agindo como um conselheiro preocupado com seu status. Pedro confessara-me sua fascinação com o Entrudo Deveras Proibido, e eu fazia questão de contar as histórias que ouvi com uma expressão de desgosto, falando sobre mulatas nuas rebolando por toda a noite ao som de ritmos africanos que fariam corar até mesmo uma cortesã. Das bebidas secretas que só os escravos conseguiam produzir, das drogas desconhecidas pelo homem branco… e, claro, como isso era completamente incompatível com a imagem do herdeiro do trono português.

Lady Sally, por outro lado, fez o papel de aliada relutante, deixando entender que sabia onde seria por ter ouvido demais de suas servas, mas que não achava aconselhável dividir a informação. Nossa posição de prestígio pelo suporte da coroa inglesa nos garantiu poder de barganha contra o príncipe, incapaz de extrair a informação que tanto desejava. E quando chegou o dia em que supostamente aconteceria o Entrudo Deveras Proibido, Pedro era o desespero em pessoa. Lady Sally, eu e as nossas belas escravas desaparecemos, buscando refúgio na região montanhosa.

Voltamos dias depois. E todas nossas cúmplices de ébano com histórias incríveis ensaiadas à exaustão durante nosso retiro. Pedro não demorou mais que algumas horas para nos visitar. Fizemo-nos de sonsos, dizendo que deixamos nossas escravas livres por três dias e que não sabíamos o que acontecera. Ele fez questão de falar com elas, o que obviamente permitimos. Evito descrever em detalhes o relato que combinamos com elas, em respeito ao decoro necessário para se falar com um rei, mas posso garantir que foi moldado precisamente para atender todos os gostos – públicos ou os mais secretos conquistados pelos ouvidos pacientes de Lady Sally – do príncipe.

Então, demos o golpe final: numa conversa entre eu, Lady Sally e Pedro, contamos algo que nos tinha sido confidenciado por várias de nossas servas, o fato de que o príncipe era querido por elas, mas que por estar envolvido com a coroa portuguesa, incentivadora da escravidão e opressora de seu povo, não podia ser aceito no seio de sua comunidade. E que por mais que elas quisessem fazer um Entrudo especial só para ele, eram de mundos muito diferentes. Não havia nada os unindo.

Eu temi ser um plano muito óbvio, mas Pedro não era exatamente brilhante. Passaram-se poucos meses e ele fez o esperado: criou toda uma situação onde se sentira injustiçado pelos pais e proclamou independência. Aposto que isso vai pegar a coroa portuguesa de surpresa. Nesse processo todo, fizemos os acordos pelos quais fomos contratados para arranjar, e já temos garantia que assim que o país se tornar independente, vai pagar reparações para Portugal com dinheiro emprestado por Vossa Majestade. Parabéns, temos mais uma colônia em nossas mãos, e sem precisar derramar o sangue de nenhum de nossos soldados.

E vai ser fácil conseguir muito mais coisas, Pedro vive pela expectativa de ser chamado para o próximo Entrudo Deveras Proibido depois de ter finalmente unificado seu povo e se isolado da monarquia portuguesa. Mal sabe ele que temos que honrar nossa parte do acordo e enviar nossas escravas para a liberdade na Inglaterra. Talvez isso atrase um pouco os planos de fazê-lo derrubar a escravidão aqui, mas temos certeza que agora vai ser fácil o suficiente para ser tratado por substitutos que esperamos, de coração, que sejam enviados.

O Brasil já é livre, fizemos nossa parte. Imploramos pela sua benevolência para sermos libertados também… este país não vai nos fazer bem.

De seu fiel súdito, Lorde Sommir.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (22)

  • “Nem eu nem Lady Sally podemos ser felizes aqui. Fizemos o que nos foi pedido, Rei George IV, e acredito que finalmente merecemos a graça de voltarmos para nossa querida Londres, longe deste calor infernal, insetos gigantes e povo desagradável”.

    É, séculos depois continua a mesma coisa, e o povo continua desagradável…

    E falando em povo desagradável, vcs viram a polêmica do menininho negro com os pais de pele clara no carnaval? Bastou fantasiar o menininho de Abu que os cretinos começaram a jogar pedra nos pais acusando de racismo… BMs continuam BMs (inclusive teve até um “amigo” meu que me excluiu do face dele só porque discordei do ponto de vista dele a respeito do assunto – e o fiz de forma respeitosa, como sempre faço. Pra vcs verem como os mesmos que bradam em favor da democracia e tolerância acabam sendo os mais intolerantes quando o assunto é a simples aceitação da discordância. A maior ameaça à democracia é o próprio povo, seja elegendo políticos ruins, seja defenestrando pessoas por opiniões opostas ou ânsia de histeria punitiva e acusatória).

  • Nossa, as orgias da galera da senzala eram bem interessantes, uuuiiii! :P

    E mesmo os senhores queriam entrar na farra, todo mundo no bacanal…

  • Por acaso Lorde Sommir e Lady Sally também agiram na independência das colônias hispânicas mais ao sul? Ouvi dizer que a coisa por lá não foi tão pacífica, e que Sua Majestade não teria ficado muito feliz com os resultados…

  • Master Lady Larissa

    Lorde Sommir chato de cojones!!!

    1º – A Inglaterra se nega a receber cria de RPG.
    2º – O sarcasmo inglês se nega a conviver com sua chatonicelite aguda agravada por características tupino traumatica daqueles que não aceitam sua condição de tupininquim. Pode que isso seja contagioso!!!! ui!
    3º – LadySally Maria Joaquina Chiquititas Alfajor, Sim! que pode chegar junto porque assim foi decidido pois o Reino a considera parceira!! Tá tranquilo! Tá favorável!!

    Atenciosamente,

    Comandante da guarda real realissima!!
    Master Lady Larissa Patricia Silvina Hamptons Firefly

    • Cara Lady Larissa,

      Por mais que tenha apreço pela nobre tarefa que é cuidar da limpeza das latrinas no Castelo de Windsor, temo que fuja de sua alçada a resposta de correspondência particular do Rei George IV. Essa não é a primeira vez que te aviso, sua insistência em interceptar as mensagens vindas desta colônia – talvez por saudades de sua terra natal da qual foi retirada à força para ser escrava branca do outro lado do Atlântico – está nos fazendo perder muito tempo. Terei que reenviar a carta original, novamente. Lembre-se, você está na Europa, mas não pertence a ela.

      • Master Lady Larissa

        Quanta ingenuidade Lorde Sommir chato de cojones… na latrina é exatamente onde estás agora… (risos a la Clodovil)!!
        Sua rebeldia não te levará nem mesmo a fronteira com Argentina.

        Por mais que mais que seja difícil aceitar, minha posição de Master Lady Larissa Patricia Silvina Hamptons Firefly, é e sempre será monarquicamente e geograficamente melhor que a sua.

        Esta insolência não será aceita e desde logo sua presença está definitivamente proibida na terras do Rei George IV e do Rei Juan Carlos!!!

        Frases feitas de baixo escalão que alardam sua desesperada ansia de viver nas saias desta velha senhora chamada Europa.

        Caro Lord, muitos desejarão “pero” poucos conseguirão.

        • Cara Lady Larissa Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino Mufumbbo,

          Creio que o odor pungente dos dejetos reais tenha causado danos à sua já frágil mente. O Rei da Espanha chama-se Fernando I, e não Juan Carlos. Minha frases de “baixo escalão” – como sua brilhante educação tupiniquim descreve – pelo menos apresentam algum sentido. Já você parece que foi brutalmente atacada por um dicionário e ainda está com dificuldades de processar o trauma.

          E sobre a velha senhora, temo discordar: suas saias são deveras permissivas, e considero nossa correspondência prova cabal disso.

          Mesmo assim, continuo um humanista por definição: se você estiver sendo mantida em cativeiro contra sua vontade, utilize a expressão “adoro uma espanhola” casualmente em alguma frase de sua resposta. Estamos aqui para te ajudar.

          • Master Lady Larissa

            Querido Lorde Sommir chato de cojones,

            …mas não se irriiiiiiiiiiiiite!!! :D
            No pasa nada…

            Em 5 anos você pode tentar o visto de novo ;)

            *Tá tranquilo, tá favorável!! :)

Deixe um comentário para Sally Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: