
Carga máxima.
| Somir | Somir Surtado | 7 comentários em Carga máxima.
Há algum tempo atrás li uma teoria que me deixou intrigado: a de que o mundo moderno está fazendo com o que o cérebro humano chegue no seu limite de eficiência. Apesar de ser uma máquina orgânica formidável, o recheio de nossos crânios, segundo alguns palpites educados de estudiosos da computação, está prestes a ser ultrapassado em poder de processamento pelas máquinas que criamos. E a tendência de máquinas trabalhando acima da capacidade sugerida pelo fabricante é de começar a ter alguns bugs…
Já pensou na quantidade de informação com a qual lida no dia a dia? E em como muito da sua memória já está terceirizada em máquinas? Celulares, computadores… eles surgiram sim para facilitar nossa vida, mas ao mesmo tempo, criaram uma demanda de armazenamento de informações que simplesmente não existia em tempos passados. Mais ou menos como aquela história de quanto mais você ganha, mais você gasta. Nosso “salário” de informações cresceu muito nas últimas décadas, e as despesas de processamento delas acompanharam o ritmo.
Sim, o cérebro humano é poderoso, mas há de se considerar se não estamos rodando um programa muito pesado numa máquina desatualizada. O ritmo de atualizações do “hardware” humano pela mãe natureza é na melhor das hipóteses conservador. Estima-se que nossos cérebros estão mais ou menos na mesma há uns 70 mil anos, o limite de onde, em teoria, poder-se-ia voltar no tempo, pegar um “bebê das cavernas” e educa-lo na nossa sociedade atual sem que ele parecesse… retardado. Voltando antes disso, parece que ainda era uma versão anterior do sistema.
Claro, é um festival de suposições. Um que só é possível para um cidadão médio como eu nesses tempos de profusão de informações. Curioso que até para você poder achar todo esse papo uma bobagem, precisou de séculos de conhecimento acumulado para criar o ambiente propício. Cá estou eu desperdiçando poder de processamento do meu cérebro preocupado com isso, e te arrastando junto ao ler o texto. Acho que não dá pra escapar mesmo, vamos ter que continuar!
Voltando ao foco, falava sobre como podemos estar trabalhando tão perto do limite da capacidade do cérebro (aquele papo de só usar 10% é mito, espero que todo mundo já saiba a essa altura) que é esperado que ele comece a apresentar mais e mais defeitos. Durante muito tempo eu estive no time que acreditava que a humanidade tinha caído num conto sobre problemas mentais, que pra evitar lidar com seus problemas, as pessoas começaram a dar nomes chiques para suas inseguranças e incapacidades e tinha um bando de espertos ganhando dinheiro com isso. Mas, como sempre, deve ter mais nessa história do que uma simples explicação generalista.
Tudo bem, parece demais que tantas crianças sejam diagnosticadas com problemas que necessitam de remédios, alguns faixa preta até, quando nossos antepassados se viravam muito bem sem nada disso. Mas na verdade, não estamos falando de pessoas muito parecidas nessa comparação… não é a primeira vez que falo isso, mas acredito que no futuro a popularização da internet vai ser tratada como uma singularidade tecnológica. Nós que estamos dentro dela não percebemos direito, mas caso você tenha vivido nos anos 80 ou no começo dos anos 90, pense com sua cabeça daquela época: em algum momento você conseguia prever algo PARECIDO com a vida pós internet que vivemos agora? Se não, seja apresentado então a um dos pilares do que significa uma singularidade tecnológica. Aconteceu algo muito grande debaixo dos nossos narizes.
Talvez por isso a dificuldade de conciliar as limitações da mente nesses tempos em que vivemos. O grau de exigência sobre a capacidade intelectual humana cresceu mais rápido que nossa capacidade de perceber isso acontecendo. Sapo na panela. Talvez tenha mesmo algo sólido por trás de tanta gente “pirando” nesse mundo de hoje. Mais do que minha teoria antiga de que não passava de uma ilusão causada por termos mais acesso à informação. Talvez o cérebro não tenha poder o suficiente (na média) para aguentar tanta coisa. E aí, problemas como a ansiedade e o estresse sejam o computador dando pau.
Digo isso porque começa a me soar cruel dizer para tanta gente que elas tem que mudar sua mentalidade ou tomar remédios para lidar com essas sensações. Que elas tem que colocar mais pressão num sistema no limite pra “pensar” seu caminho pra fora uma mente sobrecarregada. Auto-ajuda, terapia, médicos, grupos de apoio, literatura variada… é muito verdade que nos dias de hoje não faltam informações e conexões para quem quer lidar com seus problemas, mas, e se o problema for cérebro sobrecarregado por limitação fisiológica mesmo? Aí até a informação útil pode ser parte do problema.
Longe de mim advogar pensar menos, mas até a brincadeira que sempre faço que o cérebro é um músculo tem seus limites: sim, ele fica mais forte quando se treina, mas nem com muito “anabolizante mental” ele fica maior do que já é. Não são fibras musculares que se reconstroem cada vez maiores, são neurônios trabalhando cada vez mais perto do seu limite de eficiência. E não é como se tivéssemos muito controle sobre a disposição dessas áreas tornadas mais eficientes: não tem “dia de perna” no exercício cerebral, pelo menos não de forma tão clara. Posso estar viajando aqui, mas já existem estudos sobre como as gerações mais recentes já estão desenvolvendo mais algumas partes do cérebro do que seus antepassados.
E se, ainda na analogia do músculo, a humanidade estivesse malhando o bíceps sem parar e esquecendo de lidar com o resto? Pode ser que o estranhamento que muitos de nós temos com o mundo atual esteja relacionado com milhões, quiçá bilhões de nós nos tornado aberrações de braços desproporcionais e pernas muito franzinas. E coisas como as redes sociais e o excesso de polarização nas opiniões sejam sintomas desse desequilíbrio. Não porque o ser humano é uma merda necessariamente, mas por exagerar na carga e ficar dolorido depois.
Se eu tenho uma solução para tudo isso? Quem me dera. Mal sei se esse é mesmo o problema. Entendo bem – provavelmente melhor que a maioria das pessoas – o que é estar com a mente sobrecarregada, mas até por isso prefiro fazer uma coisa por vez. Acredito que agora valha a pena tirar essa dúvida: você sente que lida com mais informações do que é capaz no seu dia a dia? Eu, muito a contragosto, começo a acreditar que sim.
Os limites saíram de moda.
Para dizer que isso sim tem cara de texto meu, para dizer que isso não foi um elogio, ou mesmo para dizer que parou no primeiro parágrafo para proteger sua saúde: somir@desfavor.com
Excesso de informações.
Este tem sido destacado como o maior causador de problemas psicológicos nesta era virtual.
Começa com um cansaço mental, depois o estresse, passando pela depressão e, culminando na loucura.
Seu texto é um lembrete que precisamos cada vez mais prezar pelo equilíbrio e pela seleção dos pesos que o nosso “músculo” esta suportando.
Somir, vc ta precisando de remédios controlados? Que mudança de pensamento, hein?!
Eu tenho certeza que lido com informações demais no meu dia a dia! Talvez por isso nunca me interessei por mais redes sociais virtuais.
Desculpa,
não acho que eu tenha mudado tanto o pensamento assim. Digamos que é mais uma evolução previsível na linha de análise. E não, não estou precisando de remédios controlados. Quer dizer, não até eu ler o texto que a Sally vai me mandar…
Na verdade, está ocorrendo sim uma sobrecarga de informações no cérebro atualmente. Ironicamente, o que ocorre é que cada vez mais precisamos usá-lo conforme nossos antepassados: intuitivamente. Não é possível lidar com tamanha carga de informações. Esse fato é citado em “As armas da persuasão” do Cialdini.
Desculpa,
Harison, estou positivamente impressionado pelo seu comentário. A parte de necessitar mais de intuição realmente dá o que pensar. Difícil se aprofundar com tanta informação disponível…
Taí uma coisa em que também penso às vezes, Somir. Parece mesmo que a cabeça da gente vai travar” qualquer dia desses… Sinto mais ou menos o mesmo que você e, por ter vivido na “era pré-internet” dos anos 80, às vezes, também tenho a sensação, no mínimo incômoda, de que meu tempo e lugar não são estes em que estamos hoje. Certas coisas da atualidade – meios de comunicação, idéias, opiniões, sobrecarga de informação e facilidade de acesso – que é absolutamente normal pra essa molecada de agora ainda me são algo com que não me acostumei por completo. Serei eu um ser analógico vivendo num mundo digital que já não é mais o meu?
Desculpa,
acho que no final das contas nós que vivemos a transição seremos relíquias com o passar das gerações. O que nós deixarmos de informação sobre essa era provavelmente vai influenciar a percepção de historiadores futuros.