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Marcados pelo Brasil.

Marcados pelo Brasil.

| Sally | | 94 comentários em Marcados pelo Brasil.

Brasileiro, esse povo peculiar. Em vez de dar (pela milésima vez) minha opinião, deixo grandes marcas falarem por mim. Vamos avaliar o perfil do brasileiro pelas mudanças que grandes marcas tiveram que fazer em seus produtos para sobreviver no mercado?

Você deve estar se perguntando porque o Somir não fez este texto, afinal, ele é publicitário, portanto falaria do assunto com mais profundidade e pertinência do que eu. Respondo: ele não quis. Dei a sugestão de tema para ele e ele disse que preferia que eu falasse, pois a minha revolta deixaria o texto muito mais engraçado. Espero corresponder, porque de fato estou muito revoltada com o que li.

Vamos começar falando de comida. A verdade é que o brasileiro não tolera sabores novos, coisas que saiam do conhecido. Um povo que vai morrer comendo mais do mesmo. Ainda que se introduza uma novidade no mercado, como foi com a comida japonesa algumas décadas atrás, é preciso dar um toque local, se não, simplesmente não dá certo. Aí vemos essas atrocidades estuprando a culinária japonesa. É condição de sobrevivência que as empresas macaquizem seus produtos, caso contrário não vende.

Marcas grandes, de expressão mundial, como KFC e Pizza Hut faliram mais de uma vez no Brasil. O único jeito de se firmarem foi abrasileirar sua comida. KFC faz baldes de frango frito para serem comidos como petiscos, geralmente acompanhando um evento, como um programa de televisão. A ideia é a praticidade: você mete a mão no balde e vai beliscando. Não rolou no Brasil. A ideia de comer só frango remeteu a “pobreza”, era pouco, afinal, quem se importa que proteína é a parte nobre da refeição? Só tem fartura se tiver quilos de carboidratos.

KFC só emplacou minimamente bem depois que, além do frango, passaram a servir acompanhamentos nacionais como arroz, feijão e farofa (em alguns lugares vende também batata frita, porque carboidrato nunca é demais). Ah sim, detalhe importante: com talheres. Assim, o brasileiro pega um petisco que foi criado para ser beliscado diretamente do balde e facilitar a vida e faz uma marmitão: tria o frango do balde, que passa a ser uma mera bandeja, o coloca em um prato com arroz e feijão, transformando-o em um mero bife. Nem precisava do balde (ou do preço mais caro que se paga pela comodidade de ter frango pronto para comer de imediato.

A Pizza Hut também amargou um fracasso inesperado por isso em 1989. Pizzas com ingredientes que não eram muito familiares aos brasileiros. Rejeição total e, o mais curioso, a maior parte vinda de consumidores que sequer experimentaram o produto. Basta abrir o cardápio e ver coisas não familiares que o brasileiro rejeita. Mais infantil impossível. Brasileiro adora novidade, desde que a novidade esteja dentro do que ele considera familiar. Pode colocar sabor estrogonofe na batata Rufles que tá ok, mas não venha com ingredientes que saiam do padrão. Em 2011 a Pizza Hut tentou novamente, agora com ingredientes conhecidos dos nativos locais, coisas como catupiry. Foi só então que conseguiu se firmar no mercado nacional.

Quando falamos de doce, o brasileiro é a formiga do mundo. A Coca-cola brasileira durante muito tempo foi a mais doce do mundo, além de conter a maior concentração de uma substância com potencial cancerígeno, chamada 4-metil-imidazol, 4-MI para os íntimos, um subproduto do corante Caramelo IV. Ninguém se importa. Vale tudo para deixar o produto com o gosto que o brasileiro quer. Até mesmo chocolates tiveram que mudar sua composição para vender para o Brasil. A Hershey’s chegou aqui com sua formula original em 1998 e se deu mal, teve que adicionar generosa quantidade de açúcar para conseguir vender.

Até a gigante Starbucks se viu obrigada a mexer no seu produto. Enquanto a maior parte dos países se adapta às novidades e as experimenta com curiosidade e mente aberta, o brasileiro pirraça se o que lhe for vendido não for algo que ele está acostumado. Graças ao gosto do brasileiro médio, a Starbucks “aguou” o café, já que quem prefere expresso é uma minoria e passou a servir café filtrado como regra. Os muffins de sabores pouco conhecidos dos brasileiros, como o de blueberry (uma delícia, por sinal) encalharam, obrigando-os a criar novos sabores exclusivamente para o Brasil, como o muffin de parmesão. Mesmo assim, o muffin por si ainda causa estranhamento. Resultado: tiveram que começar a vender pão de queijo, que é algo bem conhecido dos nativos locais, e atual campeão de vendas da rede. Ir à Starbucks para comer pão de queijo é como ir ao Moulin Rouge para comer uma puta de Minas Gerais.

A tradicional fabricante de massa italiana Barilla também se viu obrigada a, pela primeira vez e 150 anos de existência, mudar a receita para vender no Brasil. O mundo todo compra a massa italiana como ela tem que ser, grano duro. Mas não o brasileiro! Se não for na mesma consistência da massa furreca local, aquela coisa molenga, ele não come. Lá foi a Barilla estuprar sua própria receita, sucesso de venda no mundo todo, fazendo um macarrão mais macio para brasileiro. Além disso, tiveram que mudar o nome em um primeiro momento, pois farfale e fusilli geraram rejeição. Viraram “gravatinha” e “parafuso”.

Você pode pensar que gosto não se discute. Ok. Mas e quando o gosto nacional faz mal ao próprio consumidor, nesse caso vale um questionamento, certo? O brasileiro tem essa veia ignorante de pensar que “mais” é “melhor”, por isso, tende a comprar o xampu que fizer mais espuma, pois acha que ele é o que melhor limpa seu cabelo. Só que não. O xampu que faz mais espuma é o que tem mais detergente na sua composição, isso não quer dizer que ele limpa mais, e sim que danifica mais o seu cabelo.

Quem já experimentou xampu de outros países sabe a diferença que faz no cabelo. Xampu nacional detona o cabelo de tal forma que abre portas para todo tipo de condicionador, creme de tratamento ou o que mais se queira inventar. Não é à toa que o Brasil é o quarto maior mercado em xampu do mundo mas o primeiro em condicionadores. Haja condicionador para tratar a agressão aos fios que é o xampu brasileiro!

Até algumas marcas de sabonete líquido, como a Lux, por exemplo, tiveram esse problema: rejeição por fazer pouca espuma. Mudaram a fórmula e tacaram detergente em uma pele que já é bem maltratada pelo sol. Parabéns aos envolvidos. Bom para o mercado de hidratantes, que cresce com peles tão ressecadas por tanto detergente. Como costumam ser todos produtos do mesmo fabricante, compensa. Então, basta mostrar um comercial onde limpeza esteja associada a muita espuma que o povo compra a ideia, e também compra muito mais condicionador e creme hidratante. Parabéns Brasil, um povo que baseia sua ideia de higiene pelo que vê em comerciais de televisão.

Até os absorventes foram obrigados a rever seus conceitos. Como a mulher brasileira tem o hábito de usar, em seu dia a dia, micro calcinhas enfiadas na bunda, os absorventes de tamanho padrão sofriam uma certa rejeição, pois as impediam de andar com calças bem apertadas e a calcinha enfiada na bunda por sete dias ao mês. Imagina a frustração! Para não marcar a calça intrauterina das brasileiras, fizeram uma versão do absorvente que fosse bem fina na parte traseira, acompanhando o formato da calcinha. Agora a brasileira pode voltar a enfiar a calcinha (com o absorvente junto) no cu quando estiver menstruada. Sucesso de vendas.

Ainda na linha do “mais é igual a melhor”, resolveram mexer com um ponto fraco do brasileiro: o cheiro. No pacote dos complexos do brasileiro, o cheiro é um dos itens que causa mais preocupação (e ainda assim, tantos fedem!). Ótima oportunidade de mercado. Desodorantes que oferecem “máxima proteção” por 48h viraram sucesso de vendas. Me diz, pra que?

Alguém fica 48h sem tomar banho nesse calor dos infernos? Lamentável. Mas, o brasileiro não pensa, se um oferece proteção de 48h, então é esse que ele vai comprar, porque é mais! Não importa que ele tome banho diariamente, ou, pior ainda, passam a ver no desodorante 48h uma oportunidade de não precisar tomar banho todo dia. Sim, esta é a razão pela qual quase metade dos consumidores homens entrevistados disseram optar por esse desodorante, como se banho fosse exclusivamente para elidir cecê. Fica meu apelo aos fabricantes: já que criaram esses monstros, agora lancem um desodorante para saco 48h, por favor.

É regra mundial que para fazer a barba é preciso um combo de água morna, espuma, creme e loção. Mas não o brasileiro! Porque o brasileiro é muito macho e isso seria frescura! Os produtos acessórios para fazer barba simplesmente encalharam de tal forma que não teve jeito. O problema é que hábito de fazer a barba na base do sabonete gerava irritação na pele dos homens e estes culpavam a qualidade das laminas de barbear por isso. Chovia reclamação e não havia forma de explicar que estavam fazendo uso errado do produto.

Depois de tentar vender os produtos acessórios das mais diversas formas sem sucesso, a teimosia e machismo do brasileiro obrigou empresas a serem criativas: mexeram no próprio aparelho de barbear. Inseriram mais lâminas e as deixaram mais próximas, para reduzir o numero de vezes que ela era passada na cara e também uma fita que solta um hidratante/lubrificante quando molhada, assim o brasileiro macho cuida da pele ao se barbear sem ter sua masculinidade comprometida. Pronto, o modelo foi um sucesso por ser visto “de melhor qualidade”, apesar de custar o dobro dos modelos convencionais. Fica a lição: quando algo dá errado, a culpa é sempre do produto.

Brasileiro gosta de ser enganado. Atalhos, facilitadores ou apenas dizer o que eles querem ouvir. Pensando nisso criaram o sensacional produto que é protetor solar e bronzeador ao mesmo tempo, com fator de proteção solar 15. Com FPS 15 você não vai conseguir se bronzear, ou bloqueia os raios nocivos (que são justamente os que bronzeiam) ou não protege a pele deles permitindo o bronzeado. Mas deram um jeitinho, colocam uma corzinha no produto e quando você passa tem a percepção de pele dourada pelo corante. Tão de parabéns, tanto quem fez, como quem usa. Nada mais é do que autobronzeador que tinge levemente a pele.

Agora um dado triste, muito triste. Prepare-se: a Kimberly&Clark constatou que 99% dos brasileiros tem o hediondo cestinho de lixo no banheiro, onde porcamente jogam o papel higiênico com o qual limparam seus cus sujos de merda. Da porcaria, veio a oportunidade: lançara um papel higiênico que controla o odor desagradável de merda. Depois, veio a versão com cheiro, que além disso perfuma, deixando o ambiente com aquele toque de merda floral.

Nesse ponto você pode ser tomado de uma sensibilidade social e me dizer que os brasileiros não tem escolha a não ser amontoar em sua casa papel cagado, por causa da precariedade da rede de esgotos. MENTIRA. Brasileiro gosta, brasileiro tem o hábito de guardar papel cagado no seu lar! Existem tipos de papel higiênico que se dissolvem perfeitamente na água, não entopem a pior das tubulações e causam impacto mínimo no meio ambiente e, mesmo assim, o brasileiro não compra. É gosto mesmo, ter papel cagado dentro de casa.

E se você acha que isso é reflexo da parcela da sociedade de baixa renda, vamos falar de produtos que não são consumidos por pobre. Sim, Brasil é um dos poucos países do mundo onde dinheiro e o acesso a uma educação supostamente privilegiada não são sinônimo de melhor capacidade intelectual. A fascinante figura do burro rico e mal educado em larga escala é patrimônio nacional.

Quando os postos de gasolina Walmart chegaram ao Brasil, em 1995, vieram com o mesmo sistema americano: o próprio consumidor “se serve”, colocando combustível no seu carro. Menos custo com mão de obra, combustível mais barato, todo mundo ganha, certo? Errado. O brasileiro ficou super ofendido e, segundo pesquisas realizadas pela empresa, considerava o autosserviço humilhante. Preferiam pagar mais e serem servidos do que “executar função de frentista”. Eeeeuuu / sou vira-laaaataaaa / com muito orguuulhooo / com muito amoooooor. Único país do mundo onde a empresa teve que contratar frentistas por imposição social. Brasileiro adora se sentir “doutor”, ô raça!

Brasil está entre o top 5 em mercado de automóveis no mundo, por isso as montadoras levam em conta o gosto do consumidor nacional. O resultado disso são carros feitos para correr, para andar em alta velocidade. Sim, o brasileiro gosta de carro que acelera, se sentem poderosões e o fabricante reage à demanda, fazendo carros onde a relação entre as marchas sejam mais curta, para que o carro acelere mais. Resultado: em nome de se sentir poderoso e potente, o brasileiro é campeão em acidentes de trânsito com óbito. Sem contar que correm em ruas esburacadas, fodendo seus carrinhos tão queridos, o que os obriga a trocar de carro (e vender usados com uma depreciação enorme) em menores intervalos de tempo.

Mesmo para quem não corre, são necessárias adaptações na suspensão dos carros. As ruas brasileiras são tão cagadas, que as peças padrão não aguentam mesmo se andar na menor das velocidades. São desenvolvidas peças especiais apenas para suportar as ruas brasileiras. E muitas vezes, mexer apenas na suspensão não basta! O modelo Evoque, por exemplo, que é vendido no mundo todo com pneus de 17 polegadas, no Brasil tem 18 polegadas, para sobreviver aos buracos brasileiros e atenuar o tranco. Coisa triste a presunção de que suas ruas são uma merda.

Até produtos notoriamente de luxo precisam de adaptações ao chegar no mercado nacional. Marcas renomadas como Tiffany, Hermès, Cartier e Lancome abriram uma exceção e aceitaram parcelar o pagamento no Brasil. Vai me dizer que pobre compra Cartier? Não, né? O que acontece é que o consumidor brasileiro está sempre buscando consumir produtos que estejam ao menos um grau acima de sua capacidade financeira, isso gera um status na cabecinha de quem compra, criando um país onde ter é ser. Como sempre compram mais do que o orçamento aguenta, a forma padrão de pagamento é se endividar no cartão de crédito.

Finalizo com um breve apanhado tirado de um trabalho acadêmico sobre o gosto do consumidor brasileiro, baseado em dados fornecidos por pesquisas de empresas do mundo todo.

O consumidor brasileiro é impulsivo, desorganizado e complexado. Basta que você mostre que aquele produto vai trazer algum status e ele se endivida para comprar. Raramente tem a capacidade de calcular o impacto que a compra faz no seu orçamento, compra e depois pensa em como vai pagar ou se pode pagar.

Uma coisa que o atrai muito é quando uma marca internacional lança em sua linha de produtos algum inspirado no Brasil ou com matéria prima brasileira, pois o faz sentir importante e homenageado. Por esse mesmo motivo também adora qualquer produto em edição especial, premium ou qualquer outra porcaria que lhe dê a sensação que ele está adquirindo algo que outros não poderão adquirir.

A razão principal da escolha de uma marca não é o desempenho do produto, nem sua qualidade, nem mesmo sua aparência: é a marca e o status social que ela gera. Também constataram que os principais influenciadores não são revistas de moda, desfiles ou estilistas e sim personagens de novela. Ah sim, adora promoções e brindes, ainda que saibam que o brinde não lhes é útil e nunca vai ser utilizado. Único país do mundo onde mulheres fizeram fila para pegar loção pós barba de brinde.

Cerca de 50%, ou seja, metade das compras, é motivada pela emoção, geralmente para compensar uma frustração, o que faz com que a indústria da inspiração jogue pesado em publicidade e pinte como vida ideal, casamento ideal e corpo ideal algo quase que impossível de ser alcançado, gerando frustrações diárias e, por consequência, mais consumo. Ou seja, o estopim para comprar vem de uma frustração (e não da necessidade) e a escolha da marca que será comprada vem do status que ela gera (não da qualidade).

A pior parte é: as marcas estão cientes de tudo isso, e exploram uma cabecinha que já é bem tosquinha e vulnerável, cutucando em seus pontos fracos, suas inseguranças, complexos e baixa autoestima. Assim, o Brasil é um dos países do mundo com maior quantidade dos chamados “superendividados” que, para fins deste artigo, são as pessoas que devem mais de dez vezes o valor que ganham. Sim, tem muita gente com salário de cinco dígitos superendividada no Brasil e a tendência é piorar.

Reflitam.

Para pedir outra versão do mesmo texto escrita pelo Somir, para dizer que o texto fico longo demais ou ainda para ficar ofendido em um mix de patriotismo e complexo de vira-lata: sally@desfavor.com


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