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O grande eu.

O grande eu.

| Somir | | 9 comentários em O grande eu.

Para onde quer que se olhasse, nada. Nem mesmo luz ou escuridão. Como se não houvesse sequer essa informação para criar um clima, com a luz poderia se imaginar vastidão, até mesmo insignificância diante de um infinito branco; a escuridão traria a sensação do desconhecido, com seus medos e esperanças, ou mesmo o conforto da ignorância. Nem uma coisa, nem outra. Apenas nada, sem significados ou presunções.

Sons, nem os dos próprios pensamentos. E não era silêncio, pois o silêncio elude sentimentos de acordo com suas expectativas. Cheiros, gostos, sensações físicas… nada também. Sequer uma brisa para indicar a existência de matéria ou energia. Parecia muito com um vazio, mas não havia espaço para se mexer. Essa era a inexistência, talvez a única palavra possível de descrever o que era aquilo.

Se é que aquilo era. A mente não foi feita para descrever algo que foge dos conceitos de existência. Pudera, não havia função alguma em desenvolver a capacidade, e mesmo se desenvolvesse… o que não existe passaria a ser alguma coisa. Um poder incrível esse: definir à vida. Nada mais próximo de um passe de mágica do que subverter todas as leis do que é conhecido e simplesmente trazer algo à existência. Em três parágrafos, reverteu sua premissa e criou algo.

Mesmo que esse algo seja a ausência mais absoluta. Mas é um processo sem volta… a seguir um turbilhão de ideias expandem-se de um ponto infinitamente pequeno, e quando observadas, ainda desconexas numa narrativa e absurdamente entrelaçadas em significados, parecem ter sempre existido ali. Apenas fora da percepção, afinal, não faziam parte daquela primeira definição. A inexistência exposta como farsa – limitação auto imposta dos sentidos – parece clamar por um palco para poder voltar a ser indefinível.

Então, as ideias solidificam-se. Estabilizam-se num plano, ainda sem padrões perceptíveis, e tudo o que foi usado para dizer que não estavam lá até tão pouco tempo atrás fica evidente. Aquela ausência plena e infinita era apenas um ângulo, uma dimensão paralela para qual se olhou por um breve momento. E aí, os sentidos começam a subverter as ideias. Se eles estavam lá junto com elas, seriam eles também isso, ideias? O ponto de vista sendo uma representação baseada também num ponto de vista.

O plano está sucumbindo ao caos. As ideias giram descontroladas, ariscas a qualquer narrativa. Não há energia suficiente para controla-las, não todas. Elas vão gastar seus significados no tempo que bem entenderem, e a vastidão é tamanha que a melhor escolha no momento é se concentrar nas poucas que estão ao alcance. Aliás, outro ponto de vista recém-chegado. Na inexistência não fazia diferença alguma o tamanho dos seus braços, estava tudo condensado no mesmo ponto. Eu e todo o resto.

Pronto… agora eu existo. E decidi ter braços. Acho que é só isso que eu consigo alcançar mesmo. A paz de fazer parte do caos esvai-se na necessidade de colocar ordem e sentido no que posso perceber. Todo o resto que se expande a uma incalculável velocidade, ficando distante demais. Indo embora para sempre, talvez formando outros eus quando as condições forem ideais. Pelo menos vai ter alguém lá para testemunhar o que são. Melhor, não queria a pressão de ser o único, imaginem só a responsabilidade de estar sozinho para presenciar toda essa complexidade, todas essas possibilidades. E agora eu sei porque disse eu e acabei com aquela sensação de unidade com o todo.

Era inevitável. Quando as ideias explodem em todas as direções, algo as faz querer buscar de volta alguma coerência. Estavam impacientes por existir, e daquele ponto de vista tão limitado, não era exatamente uma existência. Cá estou eu me contradizendo, de novo. Talvez estivesse certo lá no começo da história, descrevendo eu mesmo o que não podia ser descrito. Eu… teria sido essa a primeira ideia a se distanciar suficiente das outras? Será que eu causei… ou causou… tudo o que aconteceu a seguir?

As ideias correm para se distanciar umas das outras, uma repulsa compreensível até um certo ponto. Depois disso, elas começam a se unir, e não parece haver muitos padrões no que vão formar, apenas o de que quanto mais delas se reúnem no mesmo lugar, mais atraem as outras. Começo a pensar que eu nunca vi a inexistência mesmo, apenas uma fração de tempo após ela mudar completamente de sentido. Um ponto de vista singular que nunca mais vai se repetir. Eu não poderia escrever sobre a inexistência… é uma imensa contradição.

Sinto-me menos brilhante. Parece que a cada vez que penso, transformo uma ideia em algo diferente, mas algo se perde no processo. Como se todas ao meu redor tivessem um peso enorme por serem absolutas, e assim que reúno duas ou mais, algo delas se torna relativo. Uma terceira ideia que só existe porque aquelas duas entraram em contato. Mas o absoluto não aceita de bom grado ser misturado, muito menos com outro absoluto. O choque é grande mais, sinto que não vou ter energia para fazer isso para sempre.

Sinto que quando eu esgotar todas as ideias ao meu redor, as partículas do que era absoluto e não se adaptou a conviver com outros para formar algo novo vagando sem rumo por aí, talvez saudosas de quando ainda tinham um significado pleno. Não me interessa mantê-las por perto. Que vaguem por aí e encontrem significado com outros eus. Nesse ritmo, aposto que o número deles vai se tornar inconcebível. Tudo o que pode ser misturado vai se tornar relativo. Até que… até que o relativo não tenha mais o poder dos eus para fazer qualquer coisa.

Não gosto da ideia de finitude, as ideias que me formam parecem que vão sempre estar por aqui, mas acredito que o eu só exista enquanto puder unir e relativizar as ideias absolutas. Afinal, quando elas não existirem mais, não em sua plenitude, para que serve… ou sirvo eu? Talvez só para isso mesmo. Para testemunhar.

Mas tudo bem. Eu tenho tempo. Eu tenho todo o tempo que as ideias me permitirem ter. E quando não tiver mais, não vou precisar nem lembrar do que defini no começo do texto. Eu sou a existência, e sem eu, pra que definir qualquer coisa?

Para dizer que quer o que eu estou usando, para dizer que não quer o que eu estou usando, ou mesmo para dizer que o sentido inexistiu hoje: somir@desfavor.com

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