
Enfarto em mulheres.
| Sally | Desfavor Explica | 12 comentários em Enfarto em mulheres.
Você acorda sentindo uma forte angustia sem explicação. Sente o corpo cansado, um pouco de enjoo e uma dor de estômago estranha. Levanta e sente uma tontura. Vai até o banheiro lavar o rosto e sente dor nas costas. Alguma ideia do que pode estar acontecendo com você? Se você for mulher, existem chances de estar enfartando.
Todos os dias, no Brasil, cerca de 200 mulheres morrem por causa de um enfarto. É a principal causa de morte de mulheres do país, matando seis vezes mais que o badalado câncer de mama. Mais: as chances de uma mulher morrer ao enfartar são quase o dobro das de um homem morrer nas mesmas condições. Sim, existem alguns fatores físicos que podem ser levados em conta, como hormônios femininos e o uso de anticoncepcional, mas estudos recentes indicam que mais mulheres morrem pela dificuldade em diagnosticar os sintomas que o enfarto provoca nelas.
Os livros pelos quais os estudantes de medicina estudam foram, em sua maioria, escritos por homens e relatam os sintomas de enfarto clássico como aqueles sentidos por homens: dor opressiva no peito, dormência no braço, dificuldade em respirar. Esse é o retrato típico até mesmo entre o povão: um homem com a mão apertando o próprio peito enquanto alguém afrouxa sua gravata e o socorre. Só que enfarto nem sempre tem essa cara. Quando ocorre em mulher, na maior parte das vezes, não a tem.
Desde sempre é sabido que a principal causa de morte de homens são doenças cardiovasculares, e as mulheres tem isso em conta na convivência com homens. Não me refiro apenas ao clássico marido e esposa, qualquer mulher, seja ela mãe, filha, irmã ou até amiga frequentemente dá conselhos e se preocupa com o que pode acontecer com o coração dos homens que as cercam. É algo público, de conhecimento comum, mesmo entre as classes mais populares. Mulheres dão esporro mandando parar de comer coisas que “entupam as artérias”, mandam se exercitar e se estressar menos. Enfim, mulheres cuidam de homens, se preocupam.
Porém, a preocupação com o coração das mulheres não tem a mesma atenção. Seja pela indiferença eterna dos homens a tudo, seja pelo desconhecimento dos estragos que doenças cardiovasculares causam em mulheres e peculiaridades dos sintomas. Pergunte a qualquer mulher o que pode estar acontecendo se um homem sente fortes dores no peito e formigamento do braço e a esmagadora maioria vai mencionar enfarto.
O sintoma principal descrito na literatura médica há mais de 200 anos (por homens) é uma dor opressiva no peito, por isso, todos estão sempre muito atentos quando este sintoma aparece. As pessoas já se assustam e tem toda uma mobilização para correr para uma emergência, mesmo que contra sua vontade, mesmo que o paciente não esteja sentindo nada de mais, vide os inúmeros casos de homens que tem apenas gases mas aparecem no pronto-socorro arrastados por suas mulheres com suspeita de enfarto.
Porém, se você perguntar a um homem o que pode estar acontecendo com sua esposa se ela sentir náuseas, fadiga, indigestão, dor nas costas, tontura, falta se ar ou simplesmente uma sensação muito forte de angústia, na melhor das hipóteses ele diz que deve ser algo estragado que ela comeu e na pior, que é frescura. Acontece que esse são sintomas de infarto nas mulheres, descritos (por homens), como sintomas “atípicos”. Considerando que hoje mais mulheres do que homens enfartam, estes deveriam ser os sintomas típicos, de conhecimento de todos, mas não é essa a realidade. Aqui vai uma pequena contribuição para tentar mudar isso.
Mais da metade das mulheres que enfartam não sentem essa dor no peito que os homens alegam sentir, e, justamente por isso, muitas vezes tem uma demora no diagnóstico que acaba por ser letal, seja pelos médicos, seja por ela mesma e aqueles que a cercam. Ninguém leva a sério, ninguém acha necessário correr para o hospital por uma angustia ou uma suposta indigestão.
Pense em um pronto-socorro. Entra um homem dizendo que sente uma forte dor no peito, uma pressão que o impede de respirar e formigamento no braço. Qualquer estagiário de enfermagem vai saber o que investigar, a primeira coisa que se pensa é enfarto. Agora pensem no mesmo pronto-socorro, onde chega uma mulher com tonturas, se dizendo angustiada e com dor no estomago e náuseas. A menos que ela tenha a sorte de um médico muito atento e cuidadoso atende-la, vão investigar primeiro outras funções, como a digestiva, antes de sequer pensar no seu coração.
Para tratar um enfarto, o tempo é fator crucial. Quando o fluxo de sangue que chega ao coração é interrompido, o tecido começa a morrer. Cada minuto de demora causa um dano maior, podendo culminar na morte. O problema é que nas mulheres, os sintomas nem sempre despertam um senso de urgência, pois aprendemos que é algo grave quando temos o a clássica dor no peito, é ela que nos assusta e nos faz correr para a emergência. Os sintomas tipicamente femininos não estão relacionados, no imaginário popular, com algo grave. Assim, mulheres demoram a procurar ajuda e, por consequência, morrem quase duas vezes mais de infarto do que homens.
E aqui entra outro ponto, que qualquer médico vai te confirmar. Quando um homem adoece e reluta em procurar um médico, as mulheres que estão à sua volta fazem um escândalo e o levam debaixo de porrada para o pronto-socorro. É normal que o doente entre em estado de negação, assusta muito pensar que tem algo grave e mortal acontecendo com você. Nessas horas, os homens tem que cuide deles. Já as mulheres… Você já viu uma mulher que sobreviveu a um enfarto porque seu marido reparou nos sintomas dela e fez questão de leva-la à força para um pronto-socorro? Pois é.
Mais um dado curioso: há casos onde os sintomas começam muito tempo antes do enfarto em mulheres. A maioria das mulheres que enfarta tem queixas relacionadas ao problema até um ano antes dele acontecer, coisas aparentemente não relacionadas como uma fadiga fora do comum, falta de ar, dor no maxilar, indigestão e até mesmo transtornos do sono. Em uma rotina estressante às vezes é difícil parar para escutar o próprio corpo, ainda mais nessa geração de super-mulheres, que devem ser esposas, mães, profissionais de sucesso, jovens e em forma.
Além disso, o emocional, frequentemente taxado de frescura ou histeria, também pode desencadear problemas físicos: a Síndrome do Coração Partido (ou Cardiomiopatia de Takotsubo ou ainda Balonamento Apical Transitório do Ventrículo Esquerdo) pode ter efeitos similares ao enfarto, interferindo na eficácia do bombeamento de sangue, mesmo sem qualquer obstrução das artérias. Esta síndrome pode ser fatal e geralmente é desencadeada por estresse, tristeza ou choque extremos e dificilmente é tratada com a seriedade que merece pelas pessoas que cercam a mulher e até pelos médicos que fazem um primeiro atendimento.
A moral da história é que você deve ouvir seu corpo. Quando acontecer algo fora do comum, ele vai mandar sinais. Fazer exames periódicos com um cardiologista, porque enfarto não é exclusividade de homem, também é fundamental. Informar às pessoas que te cercam dos sintomas do enfarto “atípico” também ajuda, pois se um dia, atolada em tarefas, você não ligar os pontos, pode ser que eles percebam. E, se quiser ajudar a reverter este quadro de forma global, divulgue estas informações para o máximo de pessoas que conseguir.
Mulheres: nós temos artérias coronárias mais estreitas que os homens, coração menor, o dobro de chances de morrer em um enfarto e nossos sintomas de enfarto podem ser bem atípicos, por isso, estejam atentas, não esperem pelo aval de ninguém para procurar um atendimento de emergência. Não tenham medo de passar por histéricas ou do ridículo, se vocês acham que tem algo errado, procurem atendimento imediatamente, cada minuto conta e pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Para dizer que não gosta dessa vertente educativa do Desfavor, para dizer que esperava um Siago Tomir ou ainda para confundir esclarecimento com empoderamento: sally@desfavor.com
Texto muito esclarecedor!
Até então, eu não sabia que os sintomas do enfarto na mulher podem ser diferentes.
Sally, qual a diferença entre “enfarto ” e “infarto”?
Nenhuma, Ivo. Ambos estão corretos!
Obrigado!
Obviamente está correto, senão você não utilizaria. Só perguntei por ignorância mesmo…
O pior é que a maioria desses sintomas citados no texto também se encaixam nos sintomas de transtorno de ansiedade. Então, ao procurar ajuda médica, você sai do consultório com uma receita de fluoxetina, rivotril etc.
Salvo exceções, é difícil encontrar um médico que investigue a fundo o problema apresentado pelo paciente.
Ótimo texto, Sally. Desfavor Explica é uma das melhores colunas da RID!
Os psiquiatras estão uma vergonha em termos gerais! Mal escutam o paciente e já o entopem de remédio. Psiquiatra só com boa indicação de alguém de confiança!
Sally, você conhece algum psiquiatra para indicar? Estou precisando desesperadamente de um porque a psicóloga que me atendia simplesmente não faz nada além de me olhar e balançar a cabeça no melhor estilo pinguins de Madagascar.
Não quero continuar tomando remédios que me apagam, isso só me deixa cada vez pior.
P.S.: estou te devendo um currículo, não me esqueci. Peço desculpas pela demora.
Primeira coisa: procure uma boa PSICANALISTA, pois só psiquiatra não resolve nada. Ela vai saber te indicar um psiquiatra. Psicanalista > psicóloga. Em qual cidade você está?
Obrigada Sally! Amo seus Desfavor Explica <3
Por nada, bel! Divulgue a informação, toda mulher deveria aprender isso na escola!
Meter Criacionismo no currículo é mais importante, Sally. (¬_¬)
Vou ler os outros textos de primeiros socorros que tiver!
Minha avó materna morreu num enfarto fulminante aos 37 anos.
Volta e meia, minha mãe apresenta pressão arterial alterada, um tio meu morreu ano passado de AVC.
Pense em como eu fico a cada alteração que minha mãe apresenta! Corro pro hospital mesmo (e sim, já teve uma ocasião que eram apenas gases mesmo, rsrsrsrsrsrsrs).
Diana, não vale a pena fazer um cursinho rápido de primeiros-socorros? Em uma emergência, isso pode fazer toda a diferença. Você sabe fazer RCP?