Grandes números.
| Somir | Desfavor Explica | 15 comentários em Grandes números.
E não estamos falando de números com piadinhas como 24, 42, 51 ou 69, hoje eu trago para vocês números famosos por motivos bem mais nerds (ok, o 42 conta como nerd…) do que fazer alguém rir quando mencionados. Se acha o assunto chato, vai dar um googol de ioctossegundos de cu, ok?
Sim, muito fofo começar o texto assim, mas é um bom gancho para falarmos do primeiro deles, o googol. Vamos então só entender o que é um ioctossegundo primeiro: é a menor divisão utilizada para o tempo. Tão pequena que a soma de 1.000.000.000.000.000.000.000.000 deles equivale a um segundo. Então, na verdade, eu não te mandei ser sodomizado por tanto tempo assim, não? Pois é, estou quase começando a me arrepender de ter te desejado esse destino, o problema é que um googol é um número muito, muito grande.
Foi criado por um matemático americano nos anos 20, e recebeu o nome de um sobrinho dele, de apenas 9 anos de idade. A ideia era criar um número absurdamente grande, mas que mesmo assim demonstrasse como no final das contas, não era suficientemente grande para rivalizar com o infinito. Tecnicamente, o googol está tão longe do infinito quanto o número um. Por mais que imaginemos algo tão extenso, ainda sim não se compara ao infinito. O googol é descrito com um 10 elevado à centésima potência. 10¹°°, para ser mais fresco.
O nome não te é estranho porque uma das marcas mais famosas do mundo atual é baseada nele. O Google escolheu essa inspiração porque queria demonstrar como suas ambições de catalogar a web eram grandiosas. Mas, por mais que pareça que tudo está no Google, tudo ainda não é suficiente para rivalizar com o verdadeiro googol. Lembram dos ioctossegundos? Quantos zeros são necessários para formar um mísero segundo deles? Pois então, se formos contar a idade do universo em ioctossegundos, ainda não chegou nem PERTO de dar um googol. Por isso meu arrependimento com a praga: seria te condenar a dar o cu provavelmente até o fim do universo, e ainda ficar devendo ioctossegundos.
Um número mais prático, se é que podemos chamar assim, é o número de Shannon. Criado por Claude Shannon para demonstrar a complexidade do xadrez e a impossibilidade de programar um computador para vencer no jogo por pura força bruta (isso é, analisando todas as jogadas possíveis no momento e depois), o número consiste de um 10 elevado à centésima vigésima potência, vencendo o googol. E olha que o número é uma estimativa conservadora, considerando que o jogo teria uns 40 movimentos antes de acabar… até porque, considerando xadrez, em dado momento é possível chegar numa sequência infinita… o número já é maior que o de partículas no universo. Se um computador não for capaz de se controlar e calcular baseado em “atalhos” e estratégias pré-programadas, poderia passar a eternidade procurando pela melhor jogada, passando por incontáveis estúpidas e sem sentido no processo.
Mas, matemáticos não se contentam com pouco. Mesmo quando o pouco é um googol. Criou-se (em termos) um número ainda pior que o googol: o googolplex. E esse veio pra provar como depois de um ponto, números são essencialmente imaginários mesmo. Com alguma dificuldade, você consegue escrever um googol com uns e zeros. Mas, o googolplex é dez elevado a um googol. O que parece que não vai aumentar tanto assim o número de dígitos necessários, mas potências tem esse péssimo hábito de sair de controle…
Se alguém quisesse escrever o número de zeros que vão depois do um para escrever completamente um googolplex… bom, não conseguiria. E nem é falta de dedicação, é falta de tudo mesmo. Não há matéria suficiente para fazer isso… mesmo se tudo o que existe no universo fosse magicamente transformado em papel e tinta, ainda sim não chegaríamos nem perto de conseguir escrever todos os zeros. Sim, eu sei que parece masturbação mental, e provavelmente é para muitos que lidam com esses conceitos, mas se pararmos pra pensar, uma das maiores dificuldades da mente humana é aceitar o conceito da infinidade. Ela simplesmente não cabe. O googolplex é um exercício de imaginação que demonstra como podemos dar nome e considerar um número que sequer pode ser escrito. Ele existe, mas não existe, ao mesmo tempo. Mesmo se fôssemos usar a memória de um computador para escrever esse número, seriam necessários uns três bilhões de anos e recursos virtualmente infinitos para dar conta do recado. E mesmo o computador estaria roubando um pouco, por usar compressão e presumir os zeros ao invés de realmente armazená-los. E, de novo, um googolplex estão tão longe do infinito quanto o número um.
Mas por incrível que pareça, ainda há um número conhecido mais absurdo, e esse foi realmente usado na solução de um problema matemático. Ele se chama número de Graham, criado por um cidadão chamado Ronald… Graham. Numa simplificação grosseira, basta dizer que ele se propõe a descobrir quantas linhas podem ser traçadas dentro de um cubo com mais que 3 dimensões (wat). O que realmente deveria gerar números ridículos. Graham não achou exatamente o resultado, mas demonstrou mais ou menos de onde ele não poderia passar. E aí surge um número que faz o googolplex parecer fácil de contar.
Imagine que você tem um quadrado, você pode cruzar os pontos dele com retas de 6 formas diferentes. Se for um cubo, o número sobe para 28 linhas possíveis. A partir daí, apesar de ser possível de contar, tem que começar a usar a imaginação. Um cubo de quatro dimensões (não exatamente um cubo… mas um tesserato) já teria 120 linhas possíveis. Não podemos visualizar, mas podemos presumir pela matemática. E assim por diante, colocando mais e mais dimensões, com os números subindo brutalmente a cada uma adicionada.
O problema é: se você usar duas cores diferentes para traçar as linhas, com quantas dimensões desse “quadrado” torna-se impossível não traçar 6 da mesma cor formando um plano só? Parece bobagem, talvez seja, mas muitos dedicam-se a resolver esse problema. Os cálculos mais recentes estimam que o número de dimensões onde não dá mais para evitar essa configuração da mesma cor nas linhas está entre 13 e o número de Graham.
E escreve-se ele com um três seguido de quatro setas para cima e mais um três. 3↑↑↑↑3. A seta para cima chama-se notação de Knuth. Uma seta para cima significa elevar o número. 3↑3 é igual a 27, 3 ao cubo. Fácil, né? Duas setas para cima começam a complicar as coisas… porque aí é elevado ao elevado. Ou seja, 3↑↑3 é três ao cubo do cubo de três. Ou, 3 elevado à vigésima sétima potência. 3↑↑3 é igual a 7.625.597.484.987! Percebam agora que se eu escrever 3↑↑↑3, vou estar elevando o três a esse número absurdo que acabei de escrever. E ainda falta uma seta! Não dá nem pra escrever o quanto o 3 estaria elevado a de tão imenso que ele fica.
E agora, eu revelo uma mentira. O número de Graham não é esse… na verdade, o 3↑↑↑↑3 que eu tentei te fazer imaginar é só o começo dele. Na verdade, esse é chamado de g1. O primeiro que se usa para fazer a conta. Depois tem o g2. E o g2 é um 3 com g1 setas entre ele o outro três (3↑↑↑↑↑↑↑…3). O g3 seria 3 com g2 setas antes do outro 3. Estão entendendo o absurdo disso? Bom, o número de Graham é o g64. Num exemplo besta, se por algum motivo fosse possível manter na sua cabeça todos os dígitos desse número, seu cérebro se tornaria um buraco negro de tanta coisa que estaria concentrada no mesmo ponto. Então, cuidado ao tentar pensar nele…
O curioso é que essa imensidão, adivinhem só, ainda está tão longe do infinito quanto o número um. O que realmente torna o número de Graham um limite bem pequeno de soluções possíveis para um problema. Pensando no infinito, um número entre 13 e o de Graham é um universo incrivelmente limitado de possibilidades. Ainda não existe capacidade de computação necessária para provar que ainda dá pra não usar as linhas da mesma cor num quadrado de 13 dimensões, quiçá as que vem depois. Talvez o resultado esteja muito perto, na décima terceira mesmo, mas enquanto não tem quem consiga calcular ou provar sem sombra de dúvidas, fica nessa estimativa. Do número de Graham não passa! Até porque, se tivermos que chegar nele para resolver o problema, já não há mais universo presente para abrigar alguém berrando “Eureka!”.
Na verdade, números assim só provam como nossa imaginação e engenhosidade são bem maiores que a realidade e as limitações físicas inerente ao cérebro humano e até mesmo às máquinas. Bote um computador para calcular o número de Graham e ele VAI travar. Sem alguma forma bem inteligente de cortar caminho e se focar apenas no que pode ser útil, poder de processamento é desperdiçado.
O que não deixa de ser uma lição pra vida, parando pra pensar.
Para dizer que vai contar com mais textos assim, para dizer que não te somou nada, ou mesmo para dizer que pelo menos gostou de aprender uma ofensa nova: somir@desfavor.com
Eu posso afirmar que a Conjectura de Collatz é verdadeira e pode ser provada algébricamente em cima do Teorema Fundamental da Aritmética e das propriedades dos números naturais.
Com base no fato de que todo número impar positivo é sucedido por um número par também positivo, podemos subdividir o grupo dos números naturais em infinitos subgrupos com base nos mesmos sendo escritos como a soma de um número de Mersenne na forma 2^r – 1 com um número inteiro não negativo q multiplicado por 2^(r+1).
Nisso podemos subdividir os números inteiros não negativos nos infinitos subgrupos, sendo o maior deles o dos pares (2n). Já os demais números (os ímpares) se subdivídem nos demais subgrupos, que são o 4n+1, 8n+3, 16n+7, 32n+15, 64n+31, etc.
E podemos afirmar facilmente que o Número de Graham aqui relatado é um número do subgrupo 8n+3, com base no fato de o número ser uma potência de 3 elevada a um número ímpar, sendo que os últimos três digitos do número citado corroboram isso, dado que 387 é um número do subgrupo 8n+3 (onde n=48) e 1000 é divisível por 8.
E o (1)V, ele é 89× ele mesmo infinitamente, você esqueceu dele, esse sim chega ao menos do lado do infinito.
.(=\/=).
Episódio do programa de TV português “Isto É Matemática” sobre Googol e Googolplex:
https://www.youtube.com/watch?v=6Opl3tgbicA
Muito legal. Mas o sotaque “tuga” do cara atrapalha um pouco o entendimento…
Mais interessante que isso são os ordinais infinitos que mostram que existem infinitos maiores que outros infinitos ex:ω,ε,ζ,η…
Também voto por mais textos sobre matemática!
Melhor texto do desfavor até agora. Tinha tempo que voces nao escreviam nada tao interessante.
Esse foi o melhor texto que eu já li no Desfavor. E olha que eu acompanho isso aqui há uns 157.680 x 10²⁷ ioctossegundos.
E eu achando que só eu achava o assunto interessante… agora temos números para comprovar. 66,666…% de aprovação de leitores! Obrigado.
tem que ser MUITO nerd pra ler toda essa caralhada de texto inútil.
Meu coração sangra com a sua desaprovação.
Adorei, Somir. Adorei mesmo. Matemática é algo que sempre me fascinou, especialmente esses conceitos mais abstratos que vão muito além da aritimética, álgebra, geometria e trigonometria que se aprende na escola. E olha que eu nunca fui exatamente bom de matemática, hein? Aliás, depois deste texto sobre esses números imensos – e que, como você mesmo demonstrou, ainda estão incrivelmente longe do infinito – será que rola uma “parte dois” sobre números incrivelmente pequenos? Afinal, na natureza, assim como existe o infinito para fora – que nos faz pensar na vastidão do próprio universo – , também existe o infinito para dentro – no microcosmo das partículas subatômicas e além -, não?
Obrigado! Matemática é muito divertida quando “quebra” a realidade. Vários experimentos científicos que só foram possíveis com máquinas pra lá de modernas já eram previsíveis nas contas feitas em um caderninho de alguém décadas ou séculos atrás! Molhei os pés nos números pequenos com aquela gracinha dos ioctossegungos, estou pensando em escrever um sobre as “medidas de Planck” no futuro. Vai combinar bastante com a sua sugestão.
Oba, vai seguir a sugestão !
Eu me sentia muito feliz “e abstrainte” quando eu praticava ao máximo de análise combinatória no colégio e tinha algumas aulas com citações do tipo na graduação (que tentava)…
Obrigado por lembrarem deste tipo de diversão, Somir e W.O.J. !
Opa, mudaram as estatísticas…
E podemos estar vendo o nascimento de um monstro, porque tem muita coisa abstrata dessas na gaveta.