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Gravidade: 2016

Gravidade: 2016

| Somir | | 2 comentários em Gravidade: 2016

TEXTO ORIGINAL

A ideia de revisitar alguns temas já passava pela minha cabeça há algum tempo, e o texto linkado acima era um dos principais culpados. Em 2009 eu tentei explicar a gravidade, mas acho que acabei falando mais de outras coisas… vamos tentar de novo. Dessa vez, partindo do princípio que a gravidade não existe. Oi?

NEWTON OU EINSTEIN?

Emblemático que no texto original eu tenha usado uma ilustração de Newton e a maçã. Esse é o conceito sobre gravidade que a maioria de nós temos, que gravidade é uma força de atração que acelera objetos. E foi bem isso que eu escrevi lá: que a gravidade estava sempre ativa, não tem limite de distância e que apesar de ser uma força minúscula, fica gigantesca quando um objeto tem massa o suficiente. A força da gravidade faz a maçã cair no chão e mantém o Sol tão pressionado que até os átomos são esmagados e quebrados em seu interior.

Pois bem. Havia um Einstein no meio do caminho… e o que saiu de sua teoria da relatividade geral não desmente o que podemos observar, mas manda todas nossas noções sobre a realidade para as cucuias! Para Newton, a gravidade era uma força atuante, para Einstein… bom, para ele ela nunca esteve lá. E entre Newton e Einstein, a ciência moderna escolheu o modelo mais recente. Não pelo carisma linguarudo do cientista alemão, mas porque fazendo os experimentos, a explicação de Einstein se provou mais correta. O que não esvazia o meu aviso do texto anterior: ainda há muito sofrimento para tentar unificar a ciência do macro e do micro… eu vou pular a física quântica hoje por questão de brevidade. Vamos com Einstein e todas as maluquices que essa visão das coisas pode gerar.

ESPAÇO-TEMPO

A relatividade de Einstein provou-se tão certeira que você provavelmente usa um resultado dela todos os dias: o GPS. Vou explicar melhor depois, mas basicamente um relógio na superfície do planeta e um em órbita (num satélite) não correm na mesma velocidade. Essa discrepância pode gerar erros de quilômetros na sincronização do seu GPS com o satélite, tornando o sistema todo pra lá de inútil. Mas não é isso que acontece, certo? Na verdade, antes mesmo de termos satélites Einstein já tinha provado matematicamente que isso ia acontecer… botaram as máquinas em órbita e… certo! Hoje em dia se sabe como sincronizar levando em consideração essa diferença.

Mas, você já parou pra pensar como isso bagunça totalmente o funcionamento do universo? Por questão de quilômetros, o tempo não é mais uma constante! É o tipo da coisa que você aceita bovinamente vendo num filme como Interstellar, mas cujas implicações são de mandar nossa visão de como tudo funciona para reforma com uma placa de “sob nova direção”. Se você realmente estiver entendendo o que eu estou falando, vai explodir a cabeça como já aconteceu comigo: tempo e espaço são ilusões baseadas no seu ponto de vista. A realidade pouco se importa com quando e onde: longe, perto, passado, presente e futuro são uma coisa só. O que nós percebemos são relações de causa entre eventos, fatias ínfimas de tudo o que tem ao nosso redor.

E eu digo isso porque o simples fato da percepção de tempo ser diferente para dois observadores diferentes em velocidades diferentes derruba a consistência de um sistema com espaço e tempo fixos. Como é que a mesma coisa pode acontecer em tempos diferentes dependendo de quem a vê? Salvo explicação melhor, é porque não existe essa obrigação besta de sequência de tempo e distâncias padronizadas. Só uma coisa demonstra-se estável nessa bagunça toda: causas e consequências. Dois observadores vão concordar que A foi até B, mas podem ter registrado tempos e distâncias diferentes entre os pontos. Tecnicamente, a única realidade é dos eventos. Se aconteceram, aconteceram.

Por limitações nossas, vemos a realidade em três dimensões, mas pela lógica da relatividade, o tempo é a quarta delas. Assim como em tese é possível andar pelas outras três pra frente e para trás, com o tempo não deveria ser diferente. É uma questão de limitação de percepção e leis físicias que parecemos andar numa linha do passado para o presente. Mas para o universo isso é tão irrelevante que se você estiver numa velocidade suficiente ou perto de uma atração gravitacional muito poderosa, o tempo pode facilmente funcionar de duas ou mais formas ao mesmo… tempo.

E aí é importante entendermos que espaço e tempo não podem ser separados na nossa percepção. Porque se duas pessoas podem ver ambos de forma diferente, mas podem concordar que um evento ocorreu, eles provavelmente são a mesma coisa, afinal, suas diferenças não impediram o evento de acontecer.

E o que diabos isso tem a ver com gravidade? Bom, basicamente tudo.

CAINDO PRA CIMA

Vai parecer idiota, mas: talvez a maior sacada de Einstein no entendimento da gravidade foi pensar que ao invés da maçã estar caindo na Terra, a Terra podia estar subindo até a maçã. A gravidade de Newton diz que a Terra, por ser mais massiva, tem gravidade muito maior que a maçã, e por isso a atrai até seu centro de massa. Mas, tecnicamente, não precisa ter uma atração para sentirmos uma força dessas agindo num objeto: se um carro acelera com você dentro, não tem gravidade te empurrando para trás, mas você é pressionado contra o banco como se estivesse “caindo para trás” do mesmo jeito, não? A ideia de Einstein é que não dava para garantir que era uma força de atração ou se era o resultado da Terra estar subindo naquela velocidade em direção ao objeto.

Como eu disse, parece idiota mesmo. Mas é esse tipo de pergunta quase que infantil que costuma gerar resultados incríveis para a ciẽncia. Até onde sabemos, a ideia mais maluca venceu: entre os dois modelos, o aceito hoje em dia é o de Einstein. A gravidade, neste contexto, não existe. Só parece que é uma força porque o espaço-tempo (é a mesma coisa) está curvado e as coisas não conseguem ficar paradas nele. Gravidade seria então a delicada relação entre todas as trajetórias de objetos que escorregam pelo acidentado terreno da realidade.

E aí voltamos ao exemplo do GPS: o tempo só pode fazer essa maluquice de funcionar diferentemente no chão e em órbita porque está “fazendo uma curva” daqui até lá. E se você aceitar que o tempo decorrido e a distância percorrida entre as coisas são apenas medidas diferentes da mesma coisa, começa a entender que a realidade não pode ser um plano perfeito onde as linhas nunca convergem: escrevi no texto antigo que um objeto massivo como a Terra e o Sol distorcem o espaço ao seu redor, mas deixei de explicar que o mesmo acontece com o tempo!

A maçã cai porque a Terra distorce a linha da fruta em sua direção enquanto faz o seu caminho pelo universo (nada está parado, só percebemos assim porque coisas se movimentando a mesma velocidade lado a lado parecem estáticas umas para as outras, é tudo relativo…). Fica complexo demais para explicar aqui, mas modelos matemáticos já provaram que até as órbitas dos planetas ao redor do Sol podem ser explicadas pela deformação no espaço-tempo que ele causa. Não precisa ter a força da gravidade para isso. Aliás, o termo é usado por conveniência e costume, porque na verdade é a curvatura do espaço quadrimensional que faz o que vemos acontecer.

Até porque, a ideia que eu escrevi no texto anterior de átomos do seu corpo estarem atraindo átomos de estrelas a bilhões de anos-luz gera a necessidade de provas pra lá de extraordinárias. Se ao invés disso entendermos o espaço-tempo como um plano curvo onde cada átomo influencia seu formato, começa a fazer mais sentido que ao invés de uma força mágica conectando as coisas, temos relações de causa e consequência espalhando-se pelo universo até seu limite de influência. Por isso a gravidade da Terra ganha da do Sol aqui na superfície, e nenhuma das duas é lá muito relevante num ponto médio.

E com esse entendimento das coisas, tem algo que fica ainda mais maluco do que já era…

BURACO NEM TÃO NEGRO

Buracos negros são fascinantes até para quem não liga para física ou astronomia, mas isso talvez ocorra por não ter muito material sobre o entendimento relativístico deles na mídia. Porque eles podem ficar bem menos compreensíveis com esse conhecimento.

Pra começo de conversa, sem gravidade buracos negros não sugam nada. Não tem uma força acelerando as coisas em sua direção. Tanto que até um certo limite de distância, dá pra orbitar um sem essa preocupação. A definição de “buraco” explica isso muito melhor com a ideia de um espaço-tempo curvado: você pode andar tranquilamente ao redor de um poço no chão, mas cai assim que botar os pés para dentro dele. O poço não precisa estar te puxando antes, mas assim que você passa pelo buraco, não tem outra opção a não ser cair.

Buracos negros são isso, mas além de serem um buraco no espaço, também o são no tempo. Se as duas coisas são a mesma, quem cai no buraco de espaço (fácil de entender para a percepção humana) também cai no de tempo. E aí, mais maluquice: um observador distante veria alguém caindo num buraco negro de forma cada vez mais lenta, embora o coitado que caísse lá visse tudo em tempo real. Como é um buraco de tempo, eventualmente o observador externo veria quem está caindo nele parar completamente. A curva “pra baixo” do tempo na borda do buraco negro é tão insana que a diferença de ponto de vista dos dois seria irreconciliável. Lembremos que vemos os eventos que se conectam, causas e consequências: se a consequência é esticada de uma forma tão imensa como seria na borda de um, nunca vemos a coisa terminando e por consequência, “some” da nossa própria realidade.

E aí, a maior surpresa: de negros esses buracos não tem nada. Eles tem todos os elementos necessários para emitir quantidades imensas de luz, mas a luz que sai dele tem que passar por essa “subida” toda pra ser vista por alguém de fora. Os fótons que saem do buraco negro acabam tão esticados que seus comprimentos de onda não podem mais ser registrados. A luz é uma partícula e uma onda, e quando a onda fica “reta” demais, não dá mais pra ser captada. Buracos negros escondem tudo o que sugam por causa dessa borda de curvatura basicamente infinita que estica tudo pra fora de qualquer escala de compreensão e captação de seres dimensionalmente desfavorecidos como nós.

Mas até segunda ordem, está tudo lá. E outra, buracos negros, em tese nem precisariam de massa para funcionar… o que importa é a curvatura insana que fazem no espaço-tempo. Porque muitos nem são tão densos assim. Um buraco negro especialmente grande como o do centro da Via Láctea tem provavelmente a mesma densidade da água. Sim, a concentração de massa num ponto especialmente pequeno desencadeia o processo, mas é sobre o tamanho dele, no final das contas. Por exemplo, um buraco negro de uns seis quilômetros de diâmetro na exata posição do Sol manteria a Terra e todos os outros planetas na mesma órbita, porque a geometria espaço-temporal continuaria a mesma. Ah, sabem o tamanho do buraco negro no lugar da Terra que manteria a Lua basicamente na mesma órbita atual? Um centímetro.

Tecnicamente, coisas ainda acontecem dentro de um buraco negro, mas o buraco é fundo demais para até o tempo delas ser notado por nós. A noção de que espaço e tempo são a mesma coisa complica demais a nossa percepção de como tudo funciona no universo, mas ao mesmo tempo, azar da nossa percepção limitada: o GPS está aí pra provar que por mais maluca que a proposta de Einsten parecesse, ela está aguentando o teste do tempo… espaço-tempo, aliás.

Para dizer que o antigo era mais divertido, para dizer que ainda não entendeu porra nenhuma, ou mesmo para dizer que isso não aconteceu: somir@desfavor.com

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