Corredor – Parte 5
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Algum tempo antes:
S0882 sente que o corpo desfalecido de Marcos ficando mais e mais pesado enquanto sente o ar ao seu redor mais e mais gelado. Juntando todas suas forças, puxa o homem que carregava uma última vez antes de finalmente perder o contato com a pele agora escorregadia de Marcos. Sem o contrapeso, o seu impulso o lança desequilibrado até o chão.
Ele percebe o chão úmido e nada para protegê-lo. Suas roupas não estavam mais no corpo. Ele tateia pela escuridão em busca de Marcos, que deveria estar a poucos centímetros do ponto de sua queda. Ele chama pelo homem que trouxera para o corredor, mas nenhum sinal de resposta. Por mais alguns minutos, S0822 continua a procura, sem sucesso.
VOZ: Você quer ele de volta?
S0822: Você disse que ia ajudar…
VOZ: Quem disse que não ajudei? Ele está melhorando.
S0822: O que você fez com ele?
VOZ: Agora eu vou querer algo em troca. Me diga o seu nome.
S0822: Não.
VOZ: Teimoso… teimoso. Você não quer saber o que está acontecendo com o Marcos?
S0822: Você já disse que ele está melhorando. Os detalhes não valem essa informação a mais.
VOZ: Onde foi parar aquela passionalidade? Ah, 822… você está me decepcionando.
S0822: O que você vai fazer quando eles explodirem a base?
VOZ: Eu? Ha… haha… eu vou continuar existindo. O fogo de vocês nunca foi capaz de acabar comigo.
S0822: Talvez não, mas te assusta.
VOZ: Como assim me assustar?
S0822: Você continua confinado neste buraco. O que te impede de subir?
VOZ: Você não quer saber mesmo o que aconteceu com o Marcos?
S0822: Você desviou da minha pergunta. Você está com medo de me contar?
VOZ: Não ouse fazer esse jogo comigo, inseto!
S0822: Então você tem pontos fracos…
VOZ: Pense na sua prepotência pela eternidade, adeus!
S0822 sorri. Depois de tatear por mais algum tempo, resigna-se em sentar no chão macio e úmido, eventualmente deitando por lá. Ele começa a perder a noção do tempo, no que parecem horas e horas de silêncio ininterrupto. Os anos de vigília no décimo, frequentemente sozinho, servem de treinamento para a situação atual. A ausência de frio, fome ou qualquer outro incômodo físico tornam tudo ainda mais tolerável. Ele fica por lá, girando o corpo de tempos em tempos ao notar como a superfície na qual está deitado tende a colar em sua pele dada inatividade suficiente.
Até que o silêncio é quebrado. O que parece ser uma voz muito abafada começa a surgir à distância. As palavras ininteligíveis, mas definitivamente o padrão de fala de uma pessoa. O som é difícil de ser apontado numa direção específica, mas isso não impede S0822 de levantar e começar a andar cegamente em busca de uma pista da localização. Eventualmente, uma palavra fica mais clara: “filha”. E a voz também é reconhecível: S9134. Nesse momento também nota uma elevação no solo, como se estivesse subindo uma rampa. S0822 continua seu caminho até sentir algo parecido com uma parede, mas macia e pulsante como o chão que pisara até ali.
S0822: Nove um três quatro! Oi! Você está me ouvindo?
Nenhuma resposta. Mas algumas palavras ficam mais claras do outro lado quando ele encosta o ouvido na parede viva.
S9134: papai aqui… amo… dor… mamãe…
Usando os dentes, S0822 começa a rasgar partes da parede, que parecem se recolher instintivamente a cada dentada. Após abrir espaço suficiente, usa as mãos para continuar rasgando o que parece cada vez mais com carne crua. Seus dedos vão se prendendo aos tendões e grandes veias que consegue tatear, e uma substância quente jorra incessantemente sobre seu corpo. A espessura e o gosto sugerem ser sangue. Ele não sente cansaço, mesmo com o enorme esforço para adentrar aquela parede de carne.
A voz de S9134 fica mais forte. Ele parece estar cantando uma canção de ninar.
S0822: EI! ESTÁ ME OUVINDO?
S9134: Shhh! Não acorda a minha filha. Ela estava cansada…
S0822: Onde você está?
S9134: Não sei. Não estou vendo nada.
S0822: Fica aí, eu estou chegando.
S9134: Só não faz barulho…
S0822 parece encontrar um espaço mais vazio entre as enormes fibras musculares no seu caminho. Já quase submerso em sangue, estica o braço e sente que há algo diferente logo acima de sua cabeça. Ossos, aparentemente. Ele agarra firmemente um deles e tenta usar para se erguer de onde está.
Um grito desesperado se segue.
S9134: FILHA! FILHA!
S0822 acelera seus movimentos instintivamente, erguendo-se através dos ossos. Logo consegue rasgar uma última camada, fina. Os gritos aumentam em intensidade, e S9134 berra em pânico ao mesmo tempo. S0822 finalmente consegue escapar, seus ouvidos impactados imediatamente pela gritaria, agora sem nada abafando o som.
Uma luz tênue inunda o ambiente.
Continua…
Para dizer que isso fica cada vez pior, para dizer que o final dessa história vai ser cagado, ou mesmo para dizer que aposta que eu não sei o final dessa história: somir@desfavor.com
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Etiquetas: contos
Babsi
Já quero esse conto dirigido pelo David Lynch.
Somir
Agora estou imaginando a Voz naquele esquema de som invertido e revertido…
Babsi
Vai dizer que não seria interessante? A Voz por si só já dá medineos, com. Lynch no meio, então …
Desfavorecido
Aposto que você começa histórias com uma ideia do final, mas acaba modificando alguma coisa na medida que a história flui.
Aposto que não sou o único que achou o final de Lost uma merda.
Aposto que você vai admitir que a história poderia ter menos partes.
Aposto que a história poderia ter menos partes, mas agora já era.
Aposto que você não sabe o final da história.
Somir
Tantas apostas…
Às vezes precisamos tentar coisas novas. Por muito tempo eu estava incomodado por não conseguir desenvolver as ideias numa vez só, então estou indo para o lado oposto. A história ainda está planejada da mesma forma, mas estou tomando meu tempo para descrever as situações.
Nanda
Meu Deus!!!
Minhas cutículas agradeceriam se vc terminasse logo essa história!!!
Somir
A história vai crescendo feito um… opa…