Esferas de Dyson.

A preocupação de pelo menos alguns setores da sociedade humana com a preservação do nosso planeta é recente, muito recente. Na maior parte da história da espécie, o ser humano trabalhou com a ideia de que os recursos ao seu dispor eram basicamente infinitos. Hoje em dia a história é bem outra, mas… será que o futuro vai ser assim?

Com base no que já sabemos sobre o Universo lá fora, escassez tende a ser o menor dos nossos problemas com o passar dos séculos. Com exceção de vida, recursos não faltam nos nossos arredores. Sejam elementos radioativos, metais, combustíveis e mesmo água, os asteroides, luas e planetas do Sistema Solar tem quantidades inimagináveis capazes de sustentar a existência de quadrilhões de seres humanos por bilhões de anos, fácil fácil.

E se não existe um asteroide feito de carne bovina voando por aí, evoluímos o suficiente para não precisar mais desse tipo de material “secundário” jogado por aí para tirarmos proveito do recurso. O ser humano saiu da categoria de caçador e coletor para criador, precisando apenas de um local adequado para gerar esse tipo de recurso. O que normalmente exige energia para transformação da matéria-prima. E se precisamos de energia, tem um reator nuclear muitas vezes maior que o nosso planeta emitindo-a sem parar por outros bilhões de anos.

Não adianta nada ter tantos recursos disponíveis se não podemos ir buscá-los, reforçando a preocupação com a preservação do ambiente aqui no nosso planeta. Mas, pra falar a verdade, o futuro não é tão sombrio assim se conseguirmos sobreviver mais uns duzentos ou trezentos anos… porque considerando o ritmo dos avanços tecnológicos que estamos alcançando desde o século XX, é de se esperar que a “escapatória” para os céus esteja se aproximando rapidamente. Uma civilização tende a ficar cada vez mais voraz no consumo de matérias-primas e energia com o passar do tempo, e mesmo que estivéssemos cuidando do nosso planeta exemplarmente, logo a Terra não daria mais conta do nosso apetite.

A tecnologia que já temos permite, com algum esforço, sair do planeta e manipular rudimentarmente os recursos disponíveis no sistema solar. Praticamente todo satélite tem painéis solares, nossas sondas já conseguem fazer feitos como pousar em cometas… e desde que não tenhamos muita pressa pra chegar, praticamente todo o local pode ser alcançado com nossos sistemas de propulsão atual. Até argumento que sem grandes preocupações com segurança, já é trivial mandar pessoas para Marte e além. Ainda é muito caro, mas ninguém precisa inventar algo totalmente revolucionário para dar conta desse recado.

Como basicamente todas as tecnologias que mudam o paradigma de funcionamento da humanidade (medicina, produção de alimentos, transporte e comunicação), o segredo é alcançar um ponto onde a produção é suficientemente barata para que as pessoas possam consumir em massa. Quando alcançamos esse ponto, a tecnologia na área explode com o enorme incentivo comercial. Mais pessoas se interessam pela área, mais recursos são disponibilizados para pesquisa e desenvolvimento, maior a vontade de tornar tudo ainda mais econômico para aumentar a base consumidora. Isso aconteceu com todas as áreas citadas acima, e nada sugere que o desenvolvimento espacial seja diferente.

Até poucas décadas atrás, apenas governos muito ricos e militarizados eram capazes de ir para o espaço, mas recentemente já temos empresas privadas entrando no negócio e criando formas mais eficientes de trabalhar com o conceito. A SpaceX já trabalha com foguetes reaproveitáveis (a parte mais cara do processo) enquanto você lê este texto. A tendência lógica é que a tecnologia necessária para mandar máquinas e pessoas para fora do planeta torne-se cada vez mais eficiente e barata nas próximas décadas, fazendo com que empresas com menos do que bilhões para investir também tenham sua chance. O acesso “barato” ao espaço não está longe. E o lucro que ele pode gerar também não.

A Lua já tem no seu solo elementos altamente rentáveis que podem ser extraídos por milhares de anos com operações de mineração relativamente simples para a tecnologia atual. Desde que não custe o orçamento de um país para chegar até lá, o lucro é basicamente garantido. Marte e Vênus não estão tão distantes assim e também tem vários elementos valiosos prontos para serem explorados. Asteróides estão por todos os lados, alguns deles basicamente coleções imensas de elementos raríssimos aqui no planeta, flutuando sem rumo por aí. Entre Marte e Júpiter há um cinturão deles com uma massa combinada de milhares de vezes a do nosso planeta.

E no sentido oposto, indo para o Sol, temos um aumento considerável de energia emanada pela estrela. Matérias primas são valiosas, mas o que realmente define o grau de evolução de uma civilização é a quantidade de energia que ela é capaz de captar e aproveitar. Para realmente poder transformar toda a matéria que temos ao nosso dispor, precisamos dessa energia. A ideia é basicamente se afastar do Sol para buscar material e se aproximar dele para transformá-la em elementos úteis para nós. A posição da Terra realmente ajuda nisso.

E como utilizar todo esse potencial? Aqui entra a ideia da Esfera de Dyson, teorizada pelo físico e matemático inglês Freeman Dyson, uma estrutura capaz de captar e consumir basicamente toda a energia emanada por uma estrela. A versão mais famosa da ideia se baseia numa “capa” de estruturas que tape toda a luz e calor emitidas pela estrela, não deixando nada escapar para a escuridão do espaço. Uma civilização muito avançada poderia ter todos seus problemas de energia reduzidos se morasse na casca dessa esfera. Um planeta com atmosfera e campo magnético é muito importante para nós agora, mas nem de longe é condição inescapável para a vida humana, ou a vida em geral.

Com tanta energia ao nosso dispor, seria trivial construir máquinas e sistemas que transformem a quantidade incrível de matéria ao nosso redor no sistema solar em ar, água, comida e eletricidade, por exemplo. Mesmo os elementos mais raros na Terra seriam triviais contabilizando toda a massa de outros planetas, luas e asteroides. Seria basicamente o fim da era da escassez e uma mudança considerável de paradigma para a humanidade. Construir uma estrutura dessas, cobrindo perfeitamente uma estrela, necessitaria de uma quantidade imensa de matéria-prima que não conseguiríamos aqui na Terra (não sem destruir completamente o planeta), mas se não tivermos dó de destruir alguns asteroides ou planetas anões para coletar o material, o único problema aqui é o tempo que isso demoraria.

E tempo, pelo menos pensando na escala do universo, é o recurso mais abundante de todos. O Sol vai continuar se comportando bem por pelo menos mais uns 5 bilhões de anos, tempo suficiente para um organismo unicelular evoluir até um que pisa na lua do seu planeta… estaremos seguros. Mas mesmo antes de termos uma capa perfeita dessas, existe outra forma de Esfera de Dyson muito mais eficiente: um enxame de naves ao redor da estrela, deixando vazar sim muita energia, mas considerando quanta o Sol emana por segundo, muito mais do que o necessário para uma população humana de quintilhões… bilhões de vezes mais que temos hoje.

E como funcionaria cada uma dessas naves? Teoricamente simples: com proteção suficiente da radiação, dá pra simular gravidade com a força centrífuga em grandes habitats rotatórios que podem abrigar cidades completas com áreas rurais para produzir comida e viagens constantes até os asteroides mais próximos para mineração. Conhecendo a humanidade, obviamente teremos mega corporações trazendo esses elementos periodicamente para a esfera, reduzindo os custos para as naves individuais. E apesar das distâncias gigantescas entre cada uma das naves, a relação entre elas vai ser basicamente como viajar de uma grande cidade para outra. Lembrando que o mais difícil da viagem espacial atualmente é sair da atmosfera terrestre. Quando não tem pressão atmosférica e gravidade para gastar seu combustível numa viagem, ela fica imensamente mais barata e rápida.

Um sistema complexo desses obviamente não está há apenas um ou dois séculos de distância, mas parece ser o caminho mais claro para o desenvolvimento da humanidade a partir daqui. E no caminho até uma Esfera de Dyson, a escassez vai diminuindo em escala exponencial. Estamos vivendo num pequeno espaço de tempo entre abundâncias: a primeira quando nossa população e necessidade de matéria-prima e energia eram pequenas demais para a disponibilidade de nosso planeta e a próxima quando elas serão pequenas demais de novo, mas dessa vez para o sistema solar como um todo. E em alguns milhares de anos passaremos de novo por isso, até ficar barato o suficiente a viagem interestelar. E nem precisamos “quebrar a física” com viagens mais rápidas que a luz. Com a escassez básica resolvida e habitats externos à Terra triviais o suficiente, uma viagem de um ano e de mil anos dão basicamente no mesmo. Que diferença faz passar a vida numa nave perto da Terra ou numa nave viajando pelo vazio interestelar?

Não é que devamos esquecer completamente a preocupação com a proteção ambiental, precisamos desse planeta por muito anos ainda, mas o futuro da humanidade não depende e não deveria depender apenas dessa rocha flutuando no espaço. Ela é um limite físico muito restritivo para as possibilidades humanas, e basta um milênio ou dois de sossego do consumo humano que a Terra se recupera muito bem, obrigado. O futuro depende de tecnologia e inovação, não de proteção ambiental. O nosso, pelo menos.

Para dizer que o desfavor do futuro vai ser reclamar da nave Brasilis, para dizer que o Trump é um visionário, ou mesmo para dizer que a humanidade vai se destruir antes disso (não vai, a janela de oportunidade passou cem mil anos atrás): somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • Geralmente acho desperdício comentar em textos antigos pois a discussão já esfriou, mas desta vez abro uma exceção.

    Não acredito que o futuro seja composto de algo exatamente igual aquele filme Elysium, ainda tem muito chão até conseguirmos viabilizar uma sociedade humana fora da Terra, nada garante que vai dar certo e gente rica nunca colocaria em risco a si mesmo ou seus herdeiros.
    Mas algo semelhante já está a caminho na própria Terra, começando por essa tendência de terceiro-mundização total. Trump e suas contrapartes europeias estão aí pra provar que vulgaridade, tosquice e populismo não são mais “privilégio” de países subdesenvolvidos. No futuro o mundo vai se tornar um imenso favelão, exceto a Califórnia, que vai ter muros da altura de prédios protegendo aqueles empresários progressistas que concentram renda e causam desemprego em escala global. Essa turma ainda vai provocar muito problema no mundo…

  • Sempre fico imaginando o que poderíamos fazer com uma forma eficiente de captar e aproveitar fontes de energia.
    Quanto à exploração espacial, a Netflix tem uma boa série de ficção, chamada The Expanse, em que a humanidade basicamente minera o cinturão de asteróides do sistema solar. A série não é só isso. Ao contrário. Consegue cativar e surpreender com uma trama intrincada, e interessante.

  • O texto é meio um mix de Elysium (filme) e Homo Sapiens (Yhuval Harari) e outras teses que andam rolando por aí, mas com um toque especial do Somir, bem legal!

  • Guilherme Maia

    Não há certezas, e só isso é certo. Melhor garantir a integridade desse rochedo flutuante que nós já temos e que vem servindo muito bem à vida por mais de um bilhão de anos que pôr todos os ovos na cesta do porvir. Há míseros 50 anos pensavam que hoje colonizaríamos a lua e teríamos teletransporte… Nem chegamos perto. Isso pode com certeza se repetir.

  • Isso reforça minha teoria de que países e pessoas mais “privilegiados” vão dar um jeito de vazar da Terra assim que possível e deixa-la toda poluída e lascada pros povos pobres.
    Acho difícil alguém fazer questão de gastar recursos pra mandar pro espaço montes e montes de gente faminta, doente, traumatizada, sem conhecimentos básicos e com manifestações culturais duvidosas. E vão continuar assim por várias décadas… governos ditatoriais/corruptos, guerras, grupos insurgentes e toda sorte de desgraças atrasam ainda mais qualquer suspiro de evolução desses povos. Triste, mas real.
    Não que eu esteja tentando “azedar” a expansão dos horizontes da humanidade, não sou igual aquela idiota que perguntou pro Elon Musk no Twitter por que ele não compra comida pros pobres em vez de investir em tecnologia. Mas acabei tendo essas divagações sobre o futuro das desigualdades porque, bem, faz parte.

    Nunca comento, mas curto muito os textos futurísticos do Somir!

    • Fato. Os ricos serão os primeiros a vazar. E a Terra vai ficar zoada e superpopulada por pessoas fudidas e sem a menor condição (apesar dos anseios) de sair daqui. Isso me lembrou do filme Elysium

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