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Filmes B de Terror

Filmes B de Terror

| Sally | | 34 comentários em Filmes B de Terror

Seguindo o cronograma estipulado pela Lilith, hoje vamos falar sobre um gênero de filme que não é muito conhecido no Brasil, mas deveria, pois quem se maravilha com carro alegórico de escola de samba certamente tem algum pacto com a precariedade: Desfavor Explica, Filmes B de terror.

Quando falamos em “Filme B” pensamos imediatamente em uma classificação por qualidade: todo filme ruim, tosco ou de baixo orçamento seria um Filme B, algo produzido meio que de sacanagem, com uma intenção de sátira pela ruindade. Mas não é esta a definição. Tem toda uma história por trás dos Filmes B.

Após a massiva crise econômica gerada pela queda da bolsa em 1929, nos EUA, a indústria cinematográfica se viu obrigada a inovar para continuar atraindo clientes. A crise foi tão grande que público do cinema caiu quase que pela metade e um terço dos cinemas fechou as portas. Era preciso trazer o público de volta.

Surgiu então a ideia de oferecer um pacote ao cliente: pagando um ingresso ele teria direito a ver dois filmes. Porém, justamente pela crise, não dava para fazer dois filmes no mesmo nível de produção, então, o preimeiro filme a ser exibido costumava ser menos elaborado e o filme mais bem feitinho ficava para o final. Assim, os grandes estúdios passaram a dividir suas unidades de produção em A, com os melhores atores, mais tempo de duração e mais investimentos e em B, filmes com atores, roteiristas e diretores iniciantes, menos tempo de duração e maior restrição orçamentária.

Sabe quando você vai a um show e tem que suportar uma banda ruim ou menos famosa que abre o show, para só depois ver o astro principal? Pois é, era o mesmo esquema. Os filmes da Unidade de Produção B, conhecidos como Filmes B, eram exibidos antes, como um aperitivo, para só depois exibir o filme principal.

Esse esquema de oferecer dois filmes pelo preço de um fez muito sucesso e quase todos os cinemas aderiram, o que estimulou uma produção obrigatória de filmes B. Os estúdios começaram a fazer vendas casadas: quem quisesse exibir seus Filmes A teria que comprar junto pacotes com os filmes B. Assim, os Filmes B tinham sua venda garantida, sem estar atrelada à bilheteria: quem levava o público para o cinema era o filme A. Isso permitia maior liberdade de criação e execução, pois não importa o que fizessem nos filmes B, o público seria obrigado a assisti-los.

Nem todo filme B era terrivelmente tosco, porém, surgiu uma demanda enorme de algo que até então não era feito em larga escala, então, muitos estúdios se viram obrigados a rodar Filmes B de uma hora para a outra, com baixíssimo orçamento, chamando novatos que geravam um roteiro risível e cenas grotescas. Mesmo os estúdios que tinham capital, investiam tudo nos filmes A, já que graças à venda casada, os filmes B já tinham sua comercialização garantida. Assim, a tendência era que a maior parte dos filmes B fosse na base do amadorismo e improviso.

Isso fica mais gritante quando falamos de filmes de terror, que geralmente se valem do sobrenatural ou de criaturas fictícias. Uma história de amor você pode filmar com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, um monstro, uma criatura fantástica, não. Então, foi no terror que os Filmes B mostraram maior discrepância com o cinema convencional, foi onde a falta de recursos e precariedade mais se fez notar.

Para compensar a falta de recursos, muitos abusavam da criatividade e do absurdo nos filmes de terror, na linha “já que vai sair uma coisa ruim por não ter recursos, vou fazer ruim de propósito”. Este mix de sinceridade com não se levar a sério cativou boa parte do público. Era tosco, era meio antiestético, mas era verdadeiro. Sangue feito de calda de chocolate escorrendo, vampiro com a cara pintada com giz, monstro feito com sombra à luz de velas, tinha de tudo um pouco.

Além disso, graças ao baixo orçamento, os diretores tinham pouquíssimo tempo para rodar os filmes, geralmente quatro ou cinco dias. Isso gerou situações engraçadas, como cenas que não deram certo inseridas no filme na marra ou na gambiarra, pois não havia orçamento para refazê-las. Quase todo filme de terror B tem esse tipo de cena com um defeitinho, basta assistir com atenção.

O figurino era bem improvisado, não raro víamos objetos do dia a dia compondo o traje de monstros ou alienígenas. Estúdios reciclavam material usado para os filmes A, então, o pessoal do Filme B tinha que pegar caixas com um monte de figurinos sem qualquer relação com seu roteiro e fazer gambiarras para adaptá-lo. Nessa tinha vampiro usando salto alto de filme de romance para parecer mais alto, cenário de avião sendo pintado todo de preto e virando tumba, múmia enrolada com tira do vestido de casamento da mocinha do filme A. O pessoal teve que dar show de improviso e reciclagem.

Em 1948 a Suprema Corte americana proibiu esta venda casada de filmes A e B, criando um entrave enorme para o esquema de exibição. Foi também um golpe duro para os filmes B, uma vez que ele não contavam mais com os filmes A para entrar em exibição. Agora eles concorreriam com os filmes A e teriam que lutar pelo seu público. Muitos chegaram a decretar a morte dos filmes B quando isso aconteceu.

As sessões duplas acabaram abolidas e algo surpreendente aconteceu: havia um público cativo de filmes B e ele ficou órfão. Um numero muito maior que o imaginado de pessoas queria filmes B, principalmente os de terror. Então, surgiu um mercado voltado exclusivamente para esse tipo de filme. A predileção geral eram filmes de horror, ficção, policial ou faroeste. Assim, os filmes B começaram a andar por suas próprias pernas, e deixaram de receber esse rótulo, pois quando acabou a venda casada e a dupla exibição, oficialmente, todo filme estava no mesmo patamar.

Hoje se tratam os Filmes B como algo tosco, uma fonte de riso involuntária, uma produção cagada. Porém, Filmes B foram muito mais do que isso, tem um lado lindo, mágico, promissor deles que ninguém aponta. Quando roteiristas e diretores tem poucos recursos, são obrigados a improvisar, a ser criativos, a compensar de alguma outra forma. Isso lhes deu a liberdade necessária para ousar, inventar, inovar. Filmes B trouxeram incontáveis contribuições para a indústria cinematográfica, coisas que provavelmente não seriam tentadas em um filme com orçamento gordo e com pressão para fazer sucesso. Os Filmes B foram um grande laboratório de experimentação e liberdade criativa. Mais coisa do que você imagina, nos dias de hoje, se inspirou em alguma inovação de Filmes B.

Um exemplo: no filme de terror “Sangue de Pantera”, onde uma mulher vira pantera e mata geral, não havia recursos para mostrar essa transformação, nem mesmo para fazer a mulher-pantera. Então, o filme todo insinua o monstro mas ele nunca aparece, o que causa um suspense enorme e permite que cada um imagine o monstro da forma mais assustadora possível. Esta gambiarra acabou virando recurso, usado em vários filmes famosos. Insinuar pode ser mais assustador do que mostra de forma explícita, mas isso só foi descoberto em um Filme B.

O fim da venda casada e da dupla exibição em cinemas não foi a única pancada que os Filmes B levaram. Tudo ficou mais complicado com a chegada da televisão, que roubou público do cinema em geral, já que muita gente preferia ficar em casa vendo TV do que ter que sair a pagar para ir ao cinema. Quando saía, geralmente o público optava pelos blockbusters da moda, não sobrava tempo para as excentricidades dos Filmes B. Era precisa fazer algo.

A solução foi genial: na década de 60 resolveram tiraram proveito de sua condição de marginalizados e sem regras. Passaram a mostrar nos filmes B aquilo que nem filmes A nem TV podiam mostrar: muito sexo e violência. Pronto, rendeu muito público novamente. Uma combinação que até hoje é muito utilizada nos filmes de terror: sexo e/ou violência vieram para ficar no mix. Nesse ponto, os filmes B de terror conquistaram de vez um público muito especial, os adolescentes.

Na década de 80, quando todo mundo mostrava sexo e violência, os filmes B não conseguiram mais se bancar nos cinemas por não ter mais este diferencial. Se reinventaram novamente começaram a migrar para VHS. Hoje continuam excluídos das salas de cinema, mas presentes em streaming. Os filmes de horror B abriram portas para grandes atores como Jack Nicholson, Tom Hanks, Brad Pitt, Leonardo DiCaprio, Jennifer Aniston, Demi Moore e Johnny Depp. O ex-Presidente dos EUA, Ronald Regan, começou em filmes B de faroeste.

Graças à sua irreverência e descompromisso com padrões sociais, os filmes B se tornaram atemporais. Muitos se tornaram um clássico e décadas depois continuam apreciados. Não é de bom tom contar spoilers, por isso vou me ater às sinopses de alguns dos que eu considero os mais divertidos filmes B de terror. Leiam e me digam se tem como não amar.

Em “O vampiro da morte”, um cientista se sente traído por seus assistentes e decide se vingar. A forma? Criar morcegos gigantes e treiná-los para atacar seus inimigos. Em “Os dragões negros” um cientista é contratado por japoneses para transformar seus rostos em rostos de personalidades famosas americanas. Em “A Dama e o Monstro” um cérebro (sim, um cérebro autônomo) domina a mente de um cientista para executar um plano de vingança. Em “A volta do homem macaco” cientistas encontram um homem das cavernas e decidem trocar o cérebro dele por um mais evoluído. Em “A vingança dos zumbis” um cientista fabrica zumbis para o exército nazista. Imaginem tudo isso com baixíssimos recursos orçamentários, tendo que ser filmado de primeira, com atores nem sempre tão bons… Gente, chega a ser comovente como conseguiram espremer um filme em tais condições.

Falando de produções mais recentes, não tem como não citar duas obras de Peter Jackson, que antes de filmar Senhor dos Anéis, molhou os pés nos filmes B. Em “Náusea Total” amigos começam a investigar o desaparecimento de pessoas na cidade e descobrem que são alienígenas donos de uma rede de fast food que serve carne humana matando pessoas para tentar aumentar a produção e vencer a concorrência. Em “Fome animal” uma mamãe-zumbi dá trabalho a seu filho. Tem também “Piranhas 3D”, um excesso grotesco do começo ao fim, com humor levado a limites inaceitáveis, daqueles que de tão ruim, mas tão ruim, acaba virando bom.

Temos também uma categoria interessante: os filmes que nasceram A mas se tornaram B pelo decurso do prazo. Filmes que, na data do seu lançamento tinham efeitos especiais aceitáveis e roteiro ok, mas, com o passar do tempo, ficou tão desatualizado que acabou virando Filme B. Um bom exemplo é o filme “A Mosca”, que nos apavorou décadas atrás, mas hoje se tornou risível. A memória afetiva no faz querer rever, mas agora com novos olhos.

A verdade é que a indústria cinematográfica e até os seriados devem muito aos Filmes B. Quem vê os filmes de terror B como uma palhaçada tosca e mal feita deveria olhar novamente. A base para muita coisa bacana que é feita hoje em dia vem dali.

Para dizer que em nossa homenagem vai assistir a um filme B de terror, para compartilhar os melhores que já assistiu ou ainda para sugerir que façamos um vídeo comentado sobre um deles: sally@desfavor.com

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