
Inteligência fluída e cristalizada.
| Somir | Somir Surtado | 7 comentários em Inteligência fluída e cristalizada.
O conceito de inteligência é um daqueles que vive gerando polêmicas, até mesmo entre as pessoas mais inteligentes desse mundo. O que é compreensível: é um tema cheio de variáveis, com muita subjetividade de acordo com a pessoa que está fazendo esse julgamento. Mas mesmo nessa confusão toda, surgem várias teorias interessantes sobre a capacidade intelectual humana. E se ao invés de só uma inteligência padronizada, tivéssemos mais?
Alguns de vocês devem ter imaginado aquela coisa de sete tipos de inteligência, aposto. Inteligência linguística, lógica, motora, espacial, musical, interpessoal e intrapessoal… sim, é uma lista bem famosa na internet e para alguns estudiosos, mas há controvérsias. Se faz sentido que capacidade em cada uma dessas áreas pareça algo desejável para praticamente todos nós, o quanto cada uma delas contribui individualmente para o sucesso de um indivíduo nesse mundo já torna as coisas mais nebulosas.
E eu vou ser surpreendentemente bonzinho nessa análise: não quer dizer que essas supostas inteligências são prêmios de consolação para quem tem Q.I. baixo, mas sim que segundo vários estudiosos da área de inteligência humana, elas são uma forma de dividir o indivisível. Para terem o privilégio de serem tratadas como formas únicas de inteligência, deveriam aparecer de formas bem pronunciadas nas pessoas (cidadão tem pontuação altíssima em uma e baixa nas outras) e deveriam ser bons pontos para prever o que vai acontecer com a vida da pessoa.
E é aí que as sete inteligências perdem fôlego. Algumas pessoas realmente são espetaculares em alguma dessas inteligências, mas não é como se elas fossem coisas realmente únicas dentro do cérebro de um ser humano normal ao ponto de explodirem sozinhas deixando as outras muito para trás. Alguém muito bom em inteligência motora não vira necessariamente um atleta de ponta, muito como uma pessoa com inteligência lógica apurada pode nunca se formar numa faculdade… pessoas são complexas. Uma habilidade especial muito isolada de outras capacidades tende a nem mesmo ser notada por outras pessoas.
Somos combinações de capacidades e focos, alguns mais impressionantes, outros menos. Mas, o grosso da humanidade tem um mínimo de pontos em qualquer uma dessas inteligências de qualquer jeito. É meio o que define ser humano. Em estudos com várias pessoas catalogadas de acordo com as sete inteligências, não se achou relações palpáveis entre essas características isoladas e a capacidade de se formar numa faculdade, conseguir um emprego estável ou mesmo formar relacionamentos com outras pessoas.
Não quer dizer que só essas coisas importam numa vida, mas a questão aqui é a falta de padrão. Se algum ponto da sua capacidade mental é valioso o suficiente para receber notas, espera-se que ele tenha algum impacto bem único. Que perceba-se padrões entre as pessoas de acordo com suas notas mais altas e mais baixas nesses testes, mas… não é bem o que acontece. Significa que são áreas nas quais não devemos tentar melhorar? Claro que não. Se virou tamanho consenso que é importante, evidente que tem algo aí. Mas parecem mais caminhos diferentes para a mesma coisa do que habilidades únicas e impactantes.
Para criar alguma unidade entre o que consideramos inteligência, talvez faça mais sentido irmos em direção de que característica da capacidade mental mais impacte na sua vida, consistentemente mesmo entre pessoas muito diferentes. Oras, já sabemos que cada um de nós é um pacote único de forças e fraquezas, e que ser bom numa coisa não significa sucesso na vida. Então, que tal ser mais… mecânico no pensamento? Ao invés de pensar na máquina da mente como algo que produz um ou outro produto, pensemos nela a partir do seu funcionamento no processo.
Mas primeiro, vamos nos situar: na ciência moderna, o primeiro a tentar colocar números na inteligência foi o inglês Francis Galton, um estatístico que se colocou o desafio de criar um teste padronizado que atendesse a todo tipo de pessoa e encontrasse um valor médio para cada. Infelizmente Galton tentou encontrar relações em lugares meio complicados como hereditariedade e até mesmo o tamanho da cabeça. Não foi muito popular. Mas, inspirou outros a estudar a área e preparar seus próprios testes tentando encontrar algum padrão estatístico que explicasse a sensação de inteligência que sempre tivemos ao julgar outras pessoas.
O também britânico Charles Spearman chegou bem mais perto. Os testes que preparou e aplicou começaram a demonstrar alguma relevância estatística consistente o suficiente para dar suporte à sua teoria do fator G (eu sei… eu sei… a letra ficou mais famosa com coisas mais divertidas depois, nesse caso, é G de geral mesmo). A ideia de que existia um fator geral de inteligência humana que poderia ser medido através de vários exercícios mentais diferentes, e que um número baseado na relação entre as pessoas de acordo com os resultados delas e não apenas na habilidade única da pessoa poderia ser encontrado. Ao invés de procurar um talento específico, o padrão que tornava aquela pessoa… aquela pessoa. O fator G, de uma forma ou de outra, ainda é muito aceito pela comunidade científica. Mas é claro que as coisas não pararam por aí.
Aqui entramos na teoria CHC de inteligência humana. Tem esse nome pelas iniciais das pessoas que a construíram: Raymond Cattel, quem propôs as ideias iniciais, seu estudante John L. Horn que a manteve viva e finalmente Jonh B. Carrol, que muitos anos depois, complementou-a com novas informações. A ideia básica de Cattel é que a inteligência humana podia ser dividida entre fluída e cristalizada.
A fluída seria nossa habilidade de adaptação a situações novas. Ter que resolver um problema ou encontrar uma relação entre informações que acabamos de receber. É uma forma de inteligência mais “natural”, mais força bruta do cérebro para receber e processar informações de forma eficiente. Excelente para reconhecimento de padrões, pensamento abstrato e resolução de problemas. A inteligência fluída é o que normalmente nos faz achar que uma pessoa é sagaz, que pensa rápido. Não à toa, é a inteligência mais conectada com a criatividade: a capacidade de tratar diversas informações ao mesmo tempo e não depender muito de conhecimento prévio tem um enorme potencial de gerar ideias e conceitos surpreendentes para outras pessoas. Quem consegue criar rapidamente novos universos e significados na cabeça e recombinar informações com velocidade também vai ser especialmente adepto do pensamento abstrato. Pensar fora da caixa é muito relacionado com inteligência fluída. É mais fácil de ser medida por aqueles testes de figuras em que você reconhece os padrões, para saber o que cérebro consegue fazer sem nenhuma ideia prévia do que fazer. É também o motivo pelo qual testes de Q.I. não podem ser aplicados iguais para a mesma pessoa duas vezes. Você começaria a testar outras coisas.
Já a cristalizada vai um passo além: quão boa é a pessoa em reter e utilizar o conhecimento que ela já acumulou. Por mais inteligência fluída que tenha uma pessoa, ela não tem garantia de presumir exatamente como algo funciona e fazer bom uso dela por conta própria. Você precisa conhecer algumas regras para resolver um problema matemático, para desenvolver um projeto arquitetônico, para praticar algum esporte competitivo… e até mesmo para saber como interagir com outros seres humanos. Essa não é só uma inteligência de quem memoriza coisas, é também a de aplicar no momento certo. Grandes coisas saber pi até o centésimo dígito se você não enxerga utilidade nisso na hora de calcular uma circunferência… pessoas com grandes inteligências cristalizadas (não só decoreba) normalmente são vistas como sábias, seguras e confiáveis pelos os que os cercam. Essa inteligência se mede em testes mais comuns para nós, como provas de escola e testes de conhecimentos gerais.
Segundo os últimos estudos disponíveis, a inteligência fluída é bem mais atrelada à condição física de uma pessoa que a cristalizada. O consenso atual é que a fluída chega no seu auge no começo da vida adulta e vai despencando com o passar dos anos, a melhor forma de reduzir essa queda é a atividade física e alimentação saudável (sempre é). Já a cristalizada permanece bem consistente até mais ou menos os últimos anos de vida, onde o grau de esquecimento de informações fica maior que o de aprendizado. Até por isso as pessoas idosas mais inteligentes acabam ficando com alguma dificuldade de aprendizado de informações novas, mas continuam excelentes naquilo que aprenderam durante a vida. E também explica porque muitos jovens são capazes de aprender tecnologias novas em segundos, mas são completos tapados em qualquer aspecto social (que exige sabedoria e experiência). Não dá pra usar inteligência na força bruta para tudo.
E se você está pensando nisso e tentando descobrir qual é o seu tipo… você não tem tipo. As pessoas são misturas das duas. Alguns cérebros são mais eficientes numa do que na outra, mas sem essa dupla, não seríamos considerados pessoas… no seu dia-a-dia você vive usando as duas basicamente ao mesmo tempo. E elas podem ser aplicadas em qualquer atividade, inclusive aquelas sugeridas nos sete tipos de inteligência. Um atleta tem ter inteligência fluída para tomar decisões rapidamente sobre como movimentar seu corpo e ao mesmo tempo cristalizada para manter essas decisões dentro do conjunto de regras do seu esporte. Não precisamos falar de inteligência motora para explicar isso, por exemplo. Nossa forma de lidar com as outras pessoas e com nós mesmos também está conectada a isso: quem consegue perceber mais coisas sobre si acaba sendo mais verdadeiro com seus sentimentos, quem consegue perceber padrões emocionais nos outros tende a ser mais efetivo no contato humano… quem já viveu muitas experiências interpessoais não é pego de surpresa em interações… a dita inteligência emocional cabe fácil dentro dessa dupla de inteligências.
Tudo o que fazemos é um mix de informações novas e informações já acumuladas. O tempo todo o cérebro está exigindo essas duas capacidades para interpretar o mundo ao seu redor. Uma te ajuda a aprender e a outra a manter esse aprendizado. A lógica da complementaridade entre o novo e o conhecido rege tudo o que fazemos, e querendo ou não, pessoas são diferentes e vão ter níveis diferentes dessas inteligências. Alguns de nós temos mais de uma do que outra, mas a relação entre a fluída e a cristalizada é mais favorável também para quem tem mais fluída. Meio injusto, eu sei, mas tem lógica: quem tem mais facilidade para aprender tem mais facilidade de ter um grande repertório de informações para usar.
Se eu tenho um ponto aqui, é que não é tão ofensivo quanto se diz por aí pensar em inteligência através do Q.I., você não precisa correr para coisas mal explicadas como sete inteligências ou inteligência emocional para ter uma medida muito humana do que se passa na cabeça de uma pessoa. Q.I. é capacidade de resolver problemas visuais, espaciais e matemáticos, mas também é uma forma de medir com quanta inteligência uma pessoa é capaz de viver nesse mundo. Agora, se essa inteligência vai ser bem aplicada… bom, aí depende de muito mais coisas.
Para dizer que se achou burro pelo texto, para dizer que seu forte é a cristalizada mas tem preguiça de aprender, ou mesmo para dizer que seu forte é a fluída e já presumiu tudo errado no primeiro parágrafo: somir@desfavor.com
Sally/Somir, por acaso o site está com algum bug? Aqui mostra que há 5 comentários, mas aparecem só dois. Ou é alguma nova ferramenta que permite bloquear alguns comentários pra determinadas regiões?
Tá bugado sim, só tem um comentário e uma resposta minha a esse comentário…
Sei não, esse texto ta parecendo uma justificativa de quem foi mal no teste do Dia do Troll…Acertei Somir?
Mas o texto está ótimo, a Sally ontem com o papo da Fenda Dupla e você com essa de Inteligencia Fluida x Cristalizada causaram um pequeno bug no meu cérebro. Muito obrigado, vocês estão fazendo com que eu use minha Inteligencia Cristalizada.
wat
oi
Nunca beba e comente.
Isso aí, vamos botar pra oxigenar esses neurônios! Hahahahaha