Marca pessoal.

No mundo atual, especialmente o mundo das redes sociais, cada pessoa é uma marca. Marca no sentido de Apple, Coca-Cola e afins. Seu produto está na prateleira para todo mundo ver, mas você não está lá para influenciar o que as pessoas pensam dele. O ser humano médio entendeu isso rapidamente e encheu seus perfis de redes sociais de propagandas próprias, mas pode estar descobrindo que ser uma marca dá muito mais trabalho do que o esperado…

No mundo da publicidade, pensamos em dois momentos: o impacto e a ativação. O impacto é quando a mensagem de uma marca chega na pessoa. Pode ser num anúncio de TV, rádio, revista ou internet. Naquele momento, o importante é passar sua mensagem. E essa mensagem pode ter vários objetivos diferentes: uma marca popular pode te mostrar que o produto que vende é barato e fácil de encontrar, já uma marca elitizada vai querer te passar ideias como exclusividade e excelência. Existem milhares de mensagens possíveis, e com o advento da publicidade online, as mensagens podem ser personalizadas para públicos bem distintos. O importante nessa fase é que aquelas ideias entrem na sua cabeça.

Porque impacto sozinho não gera dinheiro. A parte mais importante é a ativação, ou seja, o momento onde a pessoa vai lá e compra o produto ou serviço anunciado. A mensagem que aquela marca colocou na sua cabeça tem que ser recuperada na hora que você está diante da prateleira do supermercado. É naquele momento que você decide entre duas marcas de arroz para colocar no seu carrinho que vemos a “magia” da publicidade funcionando. A que você lembra ganha uma força gigantesca em comparação à desconhecida e tem mais chances de ser comprada. E claro, isso não é garantia de venda, afinal, basta uma promoção para desequilibrar o jogo.

Isso é o resumo do resumo da publicidade. Existem milhões de variáveis possíveis nesse processo, e tem muita gente disputando pela atenção e orçamento das pessoas. É uma guerra complexa que não termina nunca, e o que era considerado básico no ano passado já é abaixo da média hoje. É uma profissão difícil que exige muitas habilidades diferentes, é para uma minoria muito apaixonada pela área e muito focada em aprendizado constante. Mas eu aposto que muitos de vocês devem estar se lembrando de pessoas que conhecem que cursaram publicidade e nada tem desse suposto alto nível. Ei, eu tenho quase certeza que você conhece algum formado em publicidade que não trabalha na área. Bom, aqui entra um dos problemas mais sérios da profissão:

Publicidade parece muito mais fácil do que é. A ideia geral parece muito simples, é quase uma certeza nessa profissão que o cliente vai achar que sabe tanto ou mais do que você sobre como divulgar sua empresa. É na hora do “vamos ver” que a maioria percebe o tamanho do problema. Se fosse realmente fácil, era só vender qualquer coisa que todo mundo ficava rico. Mas sabemos que o mundo não funciona desse jeito. Como todo mundo acha que é fácil até ir fazer, muita gente faz o curso e descobre que não tem a menor condição de seguir na carreira.

E voltando ao começo do texto: hoje em dia, todo mundo acaba sendo uma marca nas redes sociais. Um produto em exposição constante que outras pessoas julgam a cada interação. E isso serve para quem quer um relacionamento ou um emprego. Relações afetivas e profissionais cada vez mais decididas pela forma como você se coloca nessa prateleira de gente. E como disse, o cidadão médio estava tão acostumado com a ideia de fazer propaganda que aplicou isso imediatamente nas redes sociais. Não só estão cada vez mais preocupados com sua embalagem, fazendo plásticas para compensar a distorção das câmeras na hora dos selfies, como sinalizando cada vez mais suas visões e opiniões do mundo, tentando gerar “valor” para seus possíveis consumidores.

Fazer um anúncio não vem sem seus riscos: o que não falta por aí é campanha publicitária que dá errado e queima o filme da marca. Quando você escolhe uma mensagem para passar, lida com as percepções dos outros sobre ela sem poder controlar a situação. Depois que sua propaganda está no ar, ela não é mais sua, é de quem a está vendo. É extremamente complicado prever reações em larga escala, e profissionais de publicidade gastam horrores fazendo pesquisas para testar grandes campanhas antes de torná-las públicas. Novamente, uma questão de muitas variáveis ao mesmo tempo: será que a mensagem é clara? Será que as pessoas vão entender outra coisa? Será que o ambiente está propício para falar disso? Será que isso vai ajudar a marca a vender mais?

É complicado. É muito complicado. Mas, como já disse, publicidade parece muito mais fácil do que realmente é. O cidadão médio que acha que entende como tudo funciona correu para aplicar sua visão de publicidade nos seus perfis de redes sociais. E agora estamos vendo um problema sério: as pessoas parecem mais divididas do que nunca. Irritadas, na defensiva. Aparentemente não passa pela cabeça de ninguém que ficar brigando por causa de política, moralidade e tudo mais o que nos divide é uma forma de fazer propaganda sobre você mesmo. E isso tem que obedecer às regras da publicidade.

Quando as pessoas acham que entendem do assunto, quase sempre estão pensando na fase do impacto, e não da ativação. Impacto é colocar a sua mensagem no mundo, ativação é gerar valor com isso. Brigar com sua família inteira por causa de política passa uma mensagem em alto e bom som, mas como ninguém parou para pensar nas implicações disso, a única coisa que a pessoa ganha é um clima merda no almoço de domingo. Um profissional de publicidade bom te mandaria prestar atenção no público-alvo da mensagem: essas pessoas entendem do que você está falando? Elas se importam com isso? O que você espera que elas façam depois de receber sua mensagem? É algo possível?

E eu aposto que a maioria das pessoas jamais parou para pensar nessas respostas. E não estou falando só de briga entre esquerda e direita, é muito maior: você quer mesmo passar a mensagem que bebe muito na balada? O que você ganha com isso? Vai fazer alarde que malha quatro horas por dia ou que gosta de meditar no parque com qual objetivo em mente? Atrair parceiros? Para cada mensagem que você coloca no mundo, existem infinitas combinações de significados que outras pessoas podem depreender. Quem gosta de balada vai achar bacana seu post com dez garrafas de vodka vazias, mas quem quer te contratar pode não ter essa personalidade. Um possível interesse romântico pode ter um trauma com pessoa alcóolatra e ficar com horror de você. Mesmo que naquele dia você tenha bebido só uma dose daquela mesa toda, você não tem controle sobre como essa informação vai ser percebida.

Porque é uma peça publicitária. Não é uma história que você está contando para seus amigos, não é uma experiência que outros estão compartilhando, é só um texto, foto ou vídeo sem contexto perdidos na internet. O leigo acha que fazer publicidade é só fazer uma arte ou dizer uma frase, não prestando atenção no mundo de possibilidades que existem antes e depois dessa etapa. Todo mundo é uma marca, e quase todas as marcas estão sendo malcuidadas. A não ser que você seja rico ou viva disso, não pode pagar um profissional para gerenciar como você lida com o grande público das redes sociais. Você tem que ser a sua própria agência de publicidade.

E é aqui que a coisa complica: eu tenho uma e sou bom o suficiente para saber que ainda tenho muito para melhorar. Porque é infernal assim. Mil variáveis antes de fazer uma propaganda, um milhão de resultados possíveis depois. Se a cada vez que você interage com a internet, faz uma propaganda, eu tenho pena de quem depende disso para socializar e ganhar dinheiro. Este texto não consegue te explicar em detalhes como fazer isso direito, são anos de estudo para começar a entender o negócio. O que eu posso fazer é te dar 3 dicas:

1 – Na dúvida, fique quieto: a não ser que você poste num lugar anônimo como o desfavor, só poste algo se você estiver bem confortável com as consequências disso. Seu rabo sempre está preso em alguma coisa. Cada foto, vídeo, frase ou texto que você publica influenciam na sua marca pessoal. E essa marca funciona muito diferente na internet e na vida real: seus relacionamentos verdadeiros te conhecem, pessoas aleatórias não. Você não sabe fazer publicidade, quase ninguém sabe, mesmo os formados na área.

2 – Seja lembrado por algo seu, não dos outros: você não pode ligar sua marca com outra, não seja o “cara do Bolsonaro” ou o “fã da Xuxa”. Ninguém te acha melhor por ser seguidor de outra pessoa, mas te acham pior se não gostarem dela. Todo mundo pode ser fã de quem quiser, compartilhar material que acha interessante, mas você está arriscando sua marca por um benefício muito pequeno. Melhor diversificar o que posta, fazer coisas que façam as pessoas lembrarem de você e não ser só um “poste” do outro.

3 – Sua marca é maior que você: quando você está no banheiro cagando, sua foto mais bonita continua online. Quando você está dormindo, seu perfil continua conversando com o mundo. Sua marca não fica de bom humor quando você fica, nem puta da vida quando você está. Ela existe como uma projeção idealizada de você. Se se meter numa confusão, defenda sua marca primeiro. Pare de chamar atenção, busque aliados e seja uma pessoa muito maior do que você costuma ser no dia a dia: perdoe, releve, peça desculpas, siga em frente. Se você quebrar sua marca, ninguém vai se importar com seu lado da história, porque as pessoas da internet não interagem com você, mas com ela. Sua marca não é humana, não vai ser tratada assim.

Sim, dá para aplicar todas essas dicas para marcas tradicionais de produtos ou serviços. É basicamente a mesma coisa. A diferença é que você provavelmente não vai ter ninguém prestando atenção no que faz e te dando dicas em tempo real. Se você não quiser aprender publicidade (justo), não se meta em publicidade. Poste coisas que não são polêmicas e escute mais do que fale. Estamos num mercado saturado com milhões de empresas e bilhões de pessoas fazendo propaganda sem parar na internet, ninguém tem paciência para mais. Ninguém tem paciência para seus anúncios. Quer ser humano? Chame a pessoa para tomar um café ou troque mensagens num meio privado.

Se você postou algo público na internet, é propaganda da sua marca. Lide com isso.

Para dizer que quer nos contratar para cuidar do seu Instagram, para dizer que só manda foto de mulher pelada no WhatsApp e está feliz com sua marca, ou mesmo para dizer que maior que o ego do publicitário é só a burrice dele mesmo: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Clóvis Basílio dos Santos

    Gostei do seu blog. Faz tempo que não acho um blog legal e ativo, a maioria morreu com o Facebook – que também já tá morrendo. Achei o blog procurando por “aceleracionismo” no Google mas só tinha conteúdo esquerdista, como você bem disse lá. Encontrando o post no Google Imagens, fui rolando a barra até o final e vi a imagem do Pepe/Clown World. Entrei na intenção de rir da opinião de algum lacrador denunciando o “novo símbolo da extrema-direita” e tudo mais, mas me surpreendi, foi lindo. Favoritei aqui.

  • Bacana o texto, interessante pra refletir. Por um lado, redes sociais são realmente marcas pessoais, algo que tu veste como uma máscara pra se esconder de quem tu realmente é, mas isso também pode gerar consequências catastróficas. Por outro lado, é um recurso interessante querer captar ou desvendar quem tu realmente seja, vestido apenas por um perfil numa rede, apenas por bandeiras levantadas todas à mostra, já que isso pode gerar bastante confusão, afinal, a primeira impressão é a que fica, e muitas vezes essa primeira impressão passa uma imagem errada sobre ti. Se as pessoas ao menos soubessem utilizar as redes sociais de maneira diferente, além de saber se comportar de maneira diferente…

  • Adorei o post! Estou na faculdade de administração e temos uma “pincelada” de aulas de marketing e eu acho muito interessante. Mas sei que o buraco é muito mais embaixo que meras pesquisas de opiniao e saber seu público alvo.
    Um exemplo de dilvugação de uma campanha que não deu muito certo foi aquela de adoção de crianças em MT. Colocaram elas com padrinhos e pais adotivos para desfilar num shopping (centro do capitalismo e desigualdade). Na visão da instutuição estavam dando visibilidade às crianças, mas as pessoas viram como um desfile de escravos mostrando os dentes saudáveis pra ver quem daria o melhor lance. Nem acho que a intenção foi essa, pegaram fotos aleatórias do evento e fora de contexto ficou uma situação meio bizarra. É a questão da interpretação do público como vc apontou no texto, hj em dia as pessoas estao muito sensíveis com alguns temas e tem que se tomar cuidado com a abordagem…

    • Exemplo interessante… não só as pessoas andam muito insensíveis, como parece cada vez mais claro que estão nessa com a intenção de destruir mesmo. É só um pensamento que veio à cabeça agora, mas talvez esse mundo de marcas pessoais tenha despertado um instinto de concorrência nas pessoas. Elas querem ver as marcas de empresa explodindo porque inconscientemente sabem que estão em desvantagem.

  • Me vi um pouco nesse texto. Na vida real eu sou muito “NPC energy”, respondo mais do que puxo conversa e faço um esforço pra me atualizar em algumas coisas populares pra não me isolar, embora a maioria das coisas que eu goste seja nicho. Não porque quero ser do contra, isso é ridículo, é simplesmente porque algumas coisas que gosto por acaso não são tão populares nas massas, fazer o que… Só falo dos meus nichos quando sei que é um tema que a outra pessoa se interessa, mas no geral as pessoas devem me achar bem genérica. E é melhor assim, considerando a quantidade de desocupados que fazem questão de arruinar sua vida real por não ter gostado de um post seu na internet. Não sei como ainda ninguém foi morto no meio da rua por causa disso.
    Acho que só nesse parágrafo já falei 3 vezes mais do que costumo falar na vida real. Bom ter um lugar pra descarregar :)

    • Todo mundo é genérico para desconhecidos, a não ser que você fique tentando fazer propaganda da sua marca. No final das contas, passar a mensagem real sobre quem somos só vale para um punhado de pessoas nessa vida.

      E pode falar aqui. Somos anônimos por um motivo. Tem muita marca nesse mundo, mas estamos nessa pelas pessoas.

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