Hoje o texto é sobre um tema sugerido pelo leitor Eneas (risos). Um metal pouco conhecido, mas muito utilizado. Ele está no seu carro ou no seu piercing, mas ele também está nos foguetes da Space X – e mais de 98% das reservas desse metal tão utilizado estão no Brasil. Desfavor Explica: Nióbio.

Quem viu Enéas concorrendo à Presidência do Brasil já ouviu falar deste metal. Era comum que o candidato usasse os poucos segundos dos quais dispunha no horário eleitoral para gritar a palavra “NIÓBIO” com o nariz colado na câmera. Ao contrário do Enéas, nós temos tempo para explicar em detalhes o que é esse tal de Nióbio e a forma como o Brasil lida com ele.

O Nióbio é um metal (papo técnico: metal de transição) que recebeu esse nome em homenagem à deusa grega Níobe, que, de acordo com a mitologia grega, foi transformada em rocha por Zeus. Por ser um metal que deixa tudo mais duro e resistente, se fez uma alusão a esta pobre coitada petrificada.

Diversas características fazem do Nióbio um metal muito versátil e prestigiado. Para começo de conversa ele é capaz de dar um baita upgrade em outros metais. Quando misturados com o Nióbio eles se tornam muito mais fortes e maleáveis, e, por consequência, muito mais aptos e resistentes a construir o que quer que seja.

O Nióbio também é flexível e anticorrosivo, o que faz dele um excelente aliado para metais que serão expostos a intempéries extremas: plataformas de petróleo, foguetes, etc. Fácil de moldar, difícil de corroer, um sonho para construções que demandem uma resistência extra.

Ele também e hipoalergênico, (papo técnico: suas ligas são fisiologicamente inertes), portanto, também é bom para seres vivos. Pode ser usado em marcapassos ou até mesmo em joias, pois dificilmente causarão uma reação em humanos. Há muitos estudos sobre implantes de próteses feitas ou revestidas de Nióbio no corpo humano graças a esse combo resistência + hipoalergênico.

É um excelente condutor de energia, mesmo em situações extremas, como temperaturas muito baixas. Na verdade, ele se converte em um supercondutor quando exposto a temperaturas muito baixas. Isso faz com que esteja presente nos cabos dos aparelhos mais fodásticos da atualidade, inclusive do LHC, o maior acelerador de partículas do mundo.

Como reage muito bem à radiação e às altas temperaturas (papo técnico: baixa captura de nêutrons termais), é um material excelente para usinas nucleares ou outras instalações que usem calor e/ou radioatividade. E estas são apenas as principais vantagens do Nióbio, existem muitas outras.

Tantos benefícios fazem com que o Nióbio esteja presente e desejado nas mais diversas indústrias. Na área de construção (desde pontes, plataformas de petróleo a usinas nucleares), na área biomédica (desde aparelhos de ressonância magnética até marcapassos), na tecnológica (foguetes, acelerador de partículas, telescópio Hubble), na armamentista (foguetes, turbinas de aviões, sondas espaciais, mísseis) e em muitas outras.

Considerando a sociedade atual, é fácil perceber como o Nióbio está valorizado. E quase todo o Nióbio do mundo está no Brasil: mais de 800 milhões de toneladas, o que equivale a mais de 98% do Nióbio do mundo. Estima-se que essa quantidade valha algo em torno de 22 trilhões de dólares, o dobro do que vale todo o petróleo do pré-sal. Mas calma, pode parar de comemorar que a coisa não é tão matemática como parece. Não, não estamos ricos.

Você deve estar se perguntando por qual motivo o Brasil ainda não é o país mais rico do mundo, certo? Vamos chegar lá, mas já te adianto que, como sempre, é por incompetência mesmo. Ninguém passou a perna, ninguém sabotou, ninguém além do próprio país tem culpa.

Quando as propriedades do Nióbio são expostas, com tantos benefícios, sempre surgem teorias da conspiração sobre os motivos para que o Brasil, como grande detentor das reservas de Nióbio mundiais, não esteja rico. Coisas como “os americanos passaram a perna na gente e levaram nosso Nióbio”. Bem, na verdade, o que aconteceu foi o contrário. Os brasileiros se associaram aos americanos para explorar o metal quando precisavam deles e, como quem não quer nada, foram empurrando os gringos para fora da jogada.

Na década de 1960, foi descoberta a primeira grande reserva de Nióbio do planeta, localizada em Minas Gerais. É muito Nióbio. Muito Nióbio mesmo, cerca de 75% da reserva de todo o país, o que faz com que seja praticamente 75% da reserva mundial do metal.

Em 1965, o almirante americano Arthur W. Radford, integrante do conselho da mineradora Molycorp, convidou o banqueiro brasileiro Walther Moreira Salles para montar uma empresa de extração e refino do Nióbio. A Molycorp tinha acabado de comprar algumas minas em Araxá. O brasileiro topou, e nasceu a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Percebam que o brasileiro foi um convidado, o negócio seria, em princípio, dos americanos.

Como em 1965 o metal ainda não tinha utilidade comprovada, o governo não se preocupou em ter americanos minerando no território nacional. Permitiu que a CBMM explorasse o nióbio à vontade mesmo com a presença dos gringos. Mas, com o tempo, as propriedades do Nióbio foram sendo descobertas e, sem alarde, os brasileiros perceberam que aquilo poderia ser muito lucrativo.

Aos poucos, discretamente, como quem não quer nada, Salles foi comprando a parte dos americanos, até que a CBMM virou controladora mundial de um mercado que nem sequer existia. Eles sabiam das maravilhas do Nióbio, mas o resto do mundo não.

Muitas pesquisas depois, finalmente as mil e uma utilidades do Nióbio foram reveladas ao mundo, na década de 70, e aí já era tarde, os americanos estavam fora da jogada, era a CBMM e a família Moreira Salles quem mandavam e desmandavam no Nióbio.

Hoje o Nióbio é um dos principais negócios da família Moreira Salles (mais conhecidos como “donos do banco Itaú”). É considerada uma das famílias mais ricas do mundo e pelo menos metade dessa fortuna vem da exploração de Nióbio. Então, não tem nenhum gringo malvado explorando as riquezas naturais brasileiras, podem respirar aliviados.

Hoje duas reservas de Nióbio são exploradas no Brasil: essa em Minas Gerais e outra em Goiânia. Existem mais, como por exemplo uma enorme na Amazônia, mas, por hora, essas duas bastam para suprir a demanda mundial. Na verdade, só o Nióbio de Minas Gerais já bastaria para suprir a demanda mundial pelos próximos 200 anos. Não é algo que se precise em grande quantidade, uma pitadinha de Nióbio já melhora uma grande quantidade de metal. Por exemplo, 100g de Nióbio bastam para uma tonelada de ferro.

Aí pode bater outra paranoia: e se invadirem o Brasil e roubarem todo o Nióbio? Muito simples: não saberiam o que fazer com ele. O Nióbio não costuma ser vendido puro, e sim já misturado aos metais que as empresas procuram. O principal produto é o chamado “ferronióbio”, um troço realmente difícil de preparar, que envolve um segredo industrial de quase 20 etapas.

Improvável que alguma empresa no mundo tenha esse conhecimento, essa tecnologia e essa capacidade. Poderiam chegar lá? Facilmente. Mas não precisam e não querem. Ninguém vai se desgastar para fazer matéria prima barata, eles fazem melhor: compram e constroem coisas com valor agregado.

Quem mais compra Nióbio do Brasil (EUA, Japão e China) lucram muito com aquilo que criam a partir dele, não tem interesse em gastar tempo e dinheiro na matéria prima, pois tem um otário fornecendo. Fiquem tranquilos, ninguém quer roubar o seu Nióbio. O que vale mesmo são os produtos tecnológicos feitos com Nióbio, que o Brasil não tem capacidade de produzir.

Além disso, se for necessário, o Nióbio é substituível por outros metais (papo técnico: Vanádio e Titânio) que podem desempenhar a mesma função e, se for para “roubar”, eles podem ser encontrados em países mais vulneráveis, como África do Sul e Índia.

Esse grande holofote que o Brasil coloca no Nióbio é puro patriotismo, para exaltar algo cuja hegemonia é brasileira: “O Nióbio é nosso”, como se fosse algo único. Não é. Os metais “concorrentes”, que podem desempenhar o mesmo papel, estão espalhados por vários países no mundo: Austrália, Russia, Canadá e outros.

Isso explica parcialmente o motivo pelo qual o Brasil não se tornou o país mais rico do mundo. Nióbio é legal, Nióbio é importante, mas, considerando a demanda mundial, está sobrando. Além de existirem outros metais que o substituam, a quantidade que o Brasil tem não será escoada pelos próximos séculos. Por isso a tonelada do Nióbio é vendida hoje por um valor muito abaixo do ouro.

Ainda assim, a idolatria continua. O atual Presidente disse que o Nióbio pode dar ao Brasil a independência financeira que o país precisa. É uma meia verdade. Poder… pode. Mas para isso vai ter que construir muitas empresas de alta tecnologia. Ver o Nióbio como uma salvação ou um caminho fácil para riqueza é tratá-lo como ouro de tolo.

Hoje o Nióbio não pode “salvar” a economia do Brasil pois, como já foi dito, o país o trata apenas como matéria prima. O velho ciclo se repete: vende a matéria prima e compra ela de volta de uma forma mais sofisticada (e mais cara). Da mesma forma que o Brasil vende grãos de café por um preço X para os EUA e depois compra café solúvel por um preço 10X, também vende metal com Nióbio por um preço X e depois compra cabos para um aparelho tomógrafo feitos de Nióbio pelo valor de 10X.

Sobra matéria prima, falta tecnologia. Para “ficar rico” com o Nióbio seriam necessário séculos de desenvolvimento tecnológico, de modo a vender o produto final (foguetes, mísseis, aparelhos médicos sofisticados, etc.) e não a matéria prima. Como já dissemos, o que vale muito não é o Nióbio e sim os produtos nobres e sofisticados que são feitos usando o Nióbio.

Ter toneladas desse produto em território nacional ajuda, claro. Não será necessário importar, ele terá um custo reduzido etc. Mas ainda é preciso ter indústrias que produzam os produtos sofisticados com valor agregado. E isso não se consegue do dia para a noite, sobretudo em um país onde engenheiro marreta pilastra de prédio até derrubá-lo. É um longo caminho.

Para ser sincera, não vejo o país se movendo nessa direção. Sinto decepcioná-los, mas ter minas de um metal, por si só, não vão tornar o Brasil um país rico. Além dessa sorte, também é preciso competência para explorar o que a natureza te deu. E quem explora o Nióbio como matéria prima hoje, está podre de rico sem precisar fazer isso, então, é bem provável que continue assim. Bom para quem explora, péssimo para o país.

Por isso, também não precisa ter medo das ameaças sobre a exploração de Nióbio acabar com a floresta amazônica. Lá estão cerca de 20% das reservas de Nióbio do país, ou seja, ainda tem 80% de lenha para queimar antes de precisar se embrenhar na selva. Vai demorar até que precisem recorrer ao Nióbio amazônico, é bem provável que outra exploração avacalhe com a floresta de vez antes desta demanda se apresentar.

Chega a ser meio que vergonhoso ficar se gabando de deter as reservas mundiais de Nióbio, pois além de não existir qualquer mérito nisso (simplesmente estavam lá, sem que para isso o brasileiro tenha que fazer nada), é uma vergonha que não sejam devidamente exploradas. Menos vergonhoso deixar esse assunto quieto.

Para dizer que só confirmou seu achismo do quanto o Enéas era lunático, para dizer que só confirmou seu achismo do quanto o Bolsonaro é lunático ou ainda para continuar se apegando à versão onde os gringos querem nosso Nióbio por ser mais agradável para a sua autoestima: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Belo texto, Sally. Muito elucidativo. Sou engenheiro metalurgista e não aguento mais virem me perguntar em qualquer reunião de pessoas quando descobrem minha área de formação “mas por que o Nióbio isso?” “por que não o Nióbio aquilo?”.
    Só uma correção no texto, a outra mina de nióbio que você mencionou não fica em Goiânia, fica em Catalão, uma cidade a uns 250 km da capital.

  • Ué, mas se matéria prima não interessa, por que tem gente de olho na Amazônia? O Lacron falou com todas as letras. Não seria pra catar matéria prima, principalmente pro império farmacêutico?

  • nióbio daria ótimas bijuterias hahah não consigo mais ler sobre isso sem rir m. Enéas e pocket alegrando meu dia.

  • O Nióbio, por si só, jamais tornará o Brasil rico porque de nada adianta possuir grandes reservas de um mineral – ainda que valioso – se não houver a capacidade técnica, a infraestrutura e a competência para se conseguir fazer algo de útil com essa matéria-prima. Assim, o que acaba sobrando para esta pocilga é repetir o velhíssimo ciclo de vender o material bruto a preço de banana para outros países apenas para depois ter que recomprá-lo na forma de produtos acabados por valores muito mais altos. Esse texto tem que chegar nas mãos de alguns “fanáticos por Nióbio” que eu conheço…

  • Sally, você bem que podia fazer um texto sobre ASMR. Já ouviu falar ? É bem interessante. No YouTube tem vários vídeos bizarros, um mais vergonha alheia que o outro. Alguns até são relaxantes, mas a maioria é só risível mesmo.
    Adoraria ler um texto com seu ponto de vista, no maior estilo “Sally ácida” que eu adoro ! Hahahaha
    Beijão !

  • “eles podem ser encontrados em países mais vulneráveis, como África do Sul e Índia” Mas a Índia não tem armas nucleares? Brasil é o único trouxa que obedece o Tratado de não proliferação.

  • Os Moreira Salles fazem parte do grupo de controle do Itaú, mas os herdeiros do Unibanco não tem o naco mais relevante no negócio.

  • Praticamente não serve pra porra nenhuma. Se servisse, já tinha dado lucro há mais tempo. Brasil é sempre o país do amanhã.

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