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História mal contada.

História mal contada.

| Somir | | 42 comentários em História mal contada.

Vamos esquecer do Coronavírus por alguns minutos? Essa é boa demais para não virar um texto: a Marvel está fazendo o lançamento de uma nova revista em quadrinhos chamada New Warriors, com uma série de heróis lacradores, inclusive dois gêmeos chamados… Snowflake e Safespace. Não, não é paródia…

Se quiser ver o vídeo, boa sorte, mas se quiser um resumo da coisa: a ideia dos produtores é o novo clássico da representatividade, com heróis cada vez menos homens e cada vez menos brancos. O que por si só nem é um problema, mas como sempre, é feito de forma tão desastrada que se torna uma piada. Esse novo grupo de heróis tenta “se conectar com os jovens” trazendo temas supostamente relevantes para as novas gerações como inclusividade, bullying e justiça social.

Para isso, escalaram um time formado por uma mulher indígena gorda, gêmeos de pele escura e cabelos coloridos, um nerd branco e um… gótico? Já era sem noção antes de sabermos os nomes, mas quando revelaram que os gêmeos se chamariam Snowflake (Floco de Neve) e Safespace (Espaço Seguro), ficou difícil segurar o riso. Ambos os termos já devem ser de algum conhecimento de brasileiros, mas para reforçar: snowflake é um termo para denominar lacradores que acham que o mundo gira ao seu redor e safespace é um termo para locais onde ninguém pode criticar lacradores ou ter qualquer opinião contrária, normalmente criados em universidades tomadas por eles.

Segundo a lógica do criador, a ideia é usar a ironia para “tomar de volta” os termos derrogatórios e transformá-los em motivo de orgulho. Na prática, a Marvel passou vergonha com as risadas dos mais conservadores e apanhou do mesmo jeito dos lacradores: acusaram o criador de homem branco sem noção da realidade dos oprimidos. A suposta fêmea dos gêmeos, Snowflake, foi chamada de não-binária, vulgo alguém que não se identifica como homem ou mulher. Os não-binários que viram aquilo disseram que ela (ele, isso) estava totalmente errado, mas não deram muitas dicas de onde melhorar (acho que nem eles sabem o que é não-binário).

Tudo muito engraçado, uma vergonha sem fim, mas o pior é que provavelmente a Marvel vai lançar a revista do mesmo jeito. E vai ser um fracasso de vendas, como quase tudo o que eles fazem nesse mercado atualmente. Há uma década atrás os quadrinhos tinham alguma importância no faturamento da empresa, hoje em dia não fazem a menor diferença. A Disney só manteve os quadrinhos para não perder a identidade da marca que adquiriu e quem sabe se aproveitar de alguma coisa criada pelos roteiristas e desenhistas que trabalham ali.

É por isso que tanto faz lançar mais um revista do Hulk ou uma piada pronta lacradora para eles: vai tudo dar prejuízo no final do dia mesmo. Pouca gente ainda consome quadrinhos, e o público que cresceu com os heróis da Marvel ou perdeu o hábito, ou foi buscar quadrinhos menos juvenis. Marvel e DC iriam à falência não fosse a explosão de popularidade dos filmes de super heróis nessas últimas décadas. O mercado acabaria como algo de nicho, longe dos olhos do grande público.

E já que quadrinhos não fazem diferença para as finanças mesmo, deixaram os lacradores assumirem. O que faz sentido: você tem um lugar onde pode conquistar pontos de lacração com a turba eternamente furiosa da justiça social sem tomar um prejuízo grande demais. É meio como dar um controle desconectado para seu irmãozinho achar que está jogando e não te atrapalhar.

Claro que isso não apazigua completamente os ânimos da lacrosfera, afinal, nada é suficientemente representado quando cada pessoa pode inventar denominações originais para qualquer uma de suas características. E convenhamos que tentar criar material para agradar jovens é uma missão furada historicamente: esse público não escolhe sua cultura predileta por causa de uma roupa nova num personagem velho. Vimos isso nos quadrinhos dos anos 90, quando todo mundo tentou criar um estilo mais “grunge” para seus heróis, o que além de não vender muito, queimou o filme da indústria por um bom tempo.

Não existe isso de criar material para público adolescente (a adolescência vai até bem perto dos 30 hoje em dia), não porque suas cabeças são indecifráveis, mas porque esse público rejeita naturalmente qualquer atitude nesse sentido. E se alguém deveria entender isso, deveria ser a Marvel. A empresa tenta renovar seus heróis há décadas e décadas, mas a última coisa que pegou mesmo foram os X-Men nos anos 70. Praticamente todos os heróis que vemos hoje em dia foram criados na primeira metade do século passado. É quase impossível fazer algo novo funcionar e entrar de vez na cultura popular.

Então, nada para ver aqui: uma indústria que não ia durar muito tempo mesmo levou suas marcas para outra mídia, e toda essa palhaçada de heroína gorda e floquinhos de neve é algo inconsequente no quadro geral, não? Bom, tem algo mais nefasto aqui: a Disney, através da Marvel, está efetivamente “pagando por proteção” com a lacração nos quadrinhos. E isso é tão transparente que revistas como New Warriors são lançadas…

Em algum momento, executivos dos mais altos escalões da maior empresa de entretenimento do planeta perceberam que não teriam paz para fazer seus bilhões caso não acalmassem um grupo cada vez mais vocal de autointitulados guerreiros da justiça social. E daí surge uma relação doentia de pagar pelo silêncio dos lacradores com menções sutis à sua ideologia nos filmes e subserviência quase que completa nos quadrinhos. A Disney pode pagar pela proteção. A Warner e a DC pagaram seus impostos de lacração com o fracasso do filme recente da Harley Quinn, por exemplo. É ruim torrar dinheiro? É. É pior ficar com fama de opressor nazista e não conseguir mais parceiros na indústria? Bem mais.

Mas, e os outros criadores? Como eles pagam pela proteção? A máfia da lacração bate na porta de todos os negócios da cidade. Alguns podem jogar algumas moedas de atenção e continuar lucrando horrores no mercado, mas a maioria não tem a capacidade de fazer um projeto que “lacra, mas não lucra” só para ter um pouco de paz. Custa caro demais. Quem não paga a taxa é “cancelado” e vai se tornando um pária no mercado.

Só que aí, esse público que se diz marginalizado e anticapitalismo acaba justamente filtrando o mercado para deixar de pé apenas aqueles que tem tamanho para suborná-los. Megaempresas de comunicação e entretenimento vão se tornando cada vez maiores, pequenos empreendedores do setor correm risco sério de perderem suas plataformas. Porque essa lógica vai se estendendo inclusive para as empresas que dão a infraestrutura para o entretenimento: as gigantes de tecnologia.

O Google, a Apple e a Amazon podem se dar ao luxo de pagar esse pedágio de lacração. Mostram-se aliados dos oprimidos criando equipes de mulheres negras para gerenciar projetos que incentivam consumo desenfreado e fim da privacidade. Pode fazer a maldade que quiser, desde que uma minúscula parcela do seu faturamento seja revertida para ações superficiais de apoio aos lacradores. Se um concorrente entrar no meio desse caminho sem o dinheiro necessário para torrar nesses projetos de inclusividade de mentirinha, é atacado pela máfia. Se esse povo marca sua fachada com o símbolo da vergonha, você pode ser atacado e ficar sem plataforma nenhuma para se comunicar. Não é à toa que o YouTube está sendo tomado por grandes corporações de mídia e banindo criadores independentes sem parar.

É uma consolidação de poder que usa a histeria coletiva do politicamente correto como exército. Ou você tem dinheiro para desenvolver, imprimir e distribuir uma revista ridícula com personagens chamados Snowflake e Safespace sabendo que vai tomar prejuízo, ou você nunca vai ser grande como a Marvel. Os lacradores estão criando um pedágio que só as maiores corporações podem pagar. Sei que não é de propósito, mas as coisas acabam se assentando dessa forma.

Não é questão de ser velho e não entender mais a cultura dos jovens, são empresas gigantes usando descaradamente esse movimento cultural como soldados para proteger seus lucros. E cada vez que vemos algo como a revista em questão, devemos pensar no porquê de empresas tão grandes com tanta gente capaz de notar o problema não estão usando um mínimo e bom-senso ao lançar essas porcarias lacradoras que só dão prejuízo.

Eles fazem as contas. No final do dia, vale a pena pagar esse preço pelo tamanho do mercado que podem acessar sem grandes preocupações com o resto de seus produtos. No quadro geral, é lucrativo o suficiente deixar gente sem noção fazer material lacrador se isso mantém a presunção de aliado. E o mais curioso é que eu duvido que o suposto público-alvo dessas besteiras sequer entenda que virou uma máfia cobrando por proteção deles mesmos.

Alguém muito mais esperto se aproveitou da situação e conseguiu fazer deles essa máfia contra possíveis novos concorrentes. Se os bandidos da sua vizinhança te cobram pouco, mas ao mesmo tempo impedem que qualquer outra loja abra na mesma rua, talvez seja interessante não denunciá-los.

É tudo muito engraçado até você parar para pensar…

Para dizer que a vida real está virando uma paródia, para dizer que só pode ser trollagem, ou mesmo para dizer que o mundo não vai sobreviver sem bullying: somir@desfavor.com


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