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Saúde mental na pandemia.

Saúde mental na pandemia.

| Sally | | 26 comentários em Saúde mental na pandemia.

Negação é o refúgio das pessoas assustadas, com medo e sem estrutura para lidar com a realidade. Só tem um pequeno problema: em algum momento a realidade te pega pelos cabelos e esfrega sua cara no asfalto. É o que está começando a acontecer neste momento no Brasil. A proporção dos estragos causados pela pandemia do novo coronavírus começam a ser sentidos de forma inegável, pois começam a bater à porta de cada negador.

O resultado, obviamente, não poderia ser bom. Se digerir isso tudo gradualmente, desde janeiro, já é difícil, imagina deixar cair essa ficha toda de uma vez. Um estudo feito ouvindo pessoas em 23 estados mostrou que os casos de depressão aumentaram 90%, estresse agudo 40% e crises de ansiedade 71% durante a pandemia. Em resumo, o brasileiro está surtando. E olha que nem chegaram no pico de mortes e não fizeram um lockdown de verdade. O pior, meus amigos, está por vir.

O Brasil, que já era o maior consumidor do mundo de Rivotril, remédio tarja preta utilizado por pacientes com síndrome do pânico, depressão, ansiedade e insônia. Agora então, o brasileiro resolveu se superar e se anestesiar. O brasileiro está determinado a levar sua negação até as últimas consequências: desacredita do vírus ou da seriedade do problema e, quando a realidade bate à sua porta, decide se entorpecer, se anestesiar, usar remedinho como muleta.

As vendas do Rivotril aumentaram em mais de 20%. Se considerarmos que é 20% sob os números do maior consumidor do mundo, veremos que é muito. Se considerarmos que a pandemia mal está começando no Brasil e que a coisa vai ficar pior, muito pior, é hora de se preocupar com o assunto. Rivotril não é tratamento, como já explicamos em um texto específico sobre o remédio. Rivotril é um S.O.S. para viabilizar um tratamento que só pode ser tomado por curto período de tempo e com acompanhamento médico. Ou, no caso atual, uma fuga. E no geral, sem prescrição médica.

Essa procura pelo remédio mostra que o brasileiro não está conseguindo lidar com a atual realidade e agora promove uma negação química, se anestesia para não vivenciar o que está acontecendo. Não é uma tática recomendável por vários aspectos, o principal deles é: não sabemos quando isso vai acabar e não dá para viver anestesiado por anos ou para sempre. Só existe um caminho para a sanidade mental neste momento: aceitar a impermanência, o imprevisível e o incontrolável. Se manter no presente e deixar ir o passado e não espcular ou criar expectativas para o futuro. Você pode fazer isso? Vai ter que poder, se quiser manter a sua sanidade mental.

Ninguém sabe nada, e quanto antes se aceitar essa realidade, menos se sofre. Aceitar o imprevisível/incontrolável é aceitar que não há data para reabertura de nada, para retomada de nada, pois, convenhamos, enquanto o mundo todo está tentando reabrir, o Brasil ainda está tentando fechar. Não dá para criar expectativas de uma reabertura se você ainda nem fechou. Quem está tentando reabertura (e não está dando muito certo) são países que passaram por muitas semanas de lockdown ou quarentena de verdade, ou seja, com isolamento social acima de 70%. Brasil fez uma gambiarra que fodeu o comércio e não gerou o isolamento social necessário, não pode nem sonhar em reabrir nada.

Não é opinião minha, é o que diz a ciência. Mas o Brasil anda limpando a bunda com a ciência. A quarentena brasileira nem começou, e quanto mais tempo demorar para começar, mais vai demorar para terminar. Se seguir nesse ritmo, terão que ficar trancados até 2021. Repito: ciência. O vírus não se importa se você está de saco cheio, se a economia vai quebrar ou se seu filho vai perder o ano letivo. Dadas as condições, o vírus se alastra e mata.

O fim do isolamento social não tem que ser decidido pelo seu achismo, pela economia ou por qualquer outra forma que não seja a ciência. E tem que ficar bem claro na cabeça das pessoas que a quarentena brasileira ainda nem começou. Talvez você esteja trancado dentro de casa, como tem que ser, desde março, mas a maioria não estava. E para fazer uma quarentena útil neste caso, é necessário que a maioria esteja. Não existe “Eu” na pandemia, qualquer pensamento que parta do “eu” está errado e inapropriado.

Não adianta ficar dando prazo, dizendo ao povo que vai “reabrir”, especulando mês em que vacina será entregue… NÃO SABEMOS NADA. Tudo pode mudar de um dia para o outro. E vamos ter que lidar com isso, aceitando que não há respostas, previsões ou estimativas. Quem te diz quando o comércio vai reabrir de vez, quando as aulas vão retornar, quando você vai poder viajar… está apenas chutando. Não construa planos com base em chutes.

Projetar datas só alimenta uma grande danação de cabeça que vai jogar muita gente em crises de ansiedade, depressão e pânico. Como bem disse o presidente argentino, full pistola com a pergunta de uma jornalista sobre quanto tempo iria durar a quarentena (já dura 65 dias): vai durar o tempo que tiver que durar. Eu não sei quanto tempo vai ser, você não sabe quanto tempo vai ser, os cientistas não sabem quanto tempo vai ser.

A vacina, tão prometida por tantas vezes, pode não sair nunca. Pode sair no mês que vem (improvável), pode sair no ano que vem, pode sair em dez anos, mas pode não sair nunca. E se não sair nunca, viver em quarentena será o novo normal de diversas nações que, por uma série de motivos, não terão outra alternativa para controlar o vírus. Então, viver na expectativa de uma vacina para retomar a vida e ser feliz é a maior furada na qual você pode se meter.

Sim, pode ser que você passe o resto da sua vida trancado na sua casa com sua esposa e seus filhos. E se isso te desespera, escolheu errado a esposa e criou mal os filhos. Faça algo a respeito, para não ter um resto de vida miserável. Sim, pode ser que você nunca mais possa sair pela noite catando sexo casual ou marcando encontro via aplicativo. Lide com isso e procure novas formas de se relacionar.

Estamos enfrentando uma situação dinâmica e inédita. Mudanças acontecem o tempo todo e não podemos prever com certeza qual será a próxima. A única certeza que temos é que o mundo não será mais o mesmo, como já havíamos avisando em março.

Esquece a vida que você tinha antes, muita coisa irá mudar, muita coisa precisará ser adaptada, muita coisa pode nunca mais voltar a ser como era. Desapega de hábitos, rotinas, lazer e planos antigos. O mundo mudou, você vai ter que mudar junto. Não dá para ficar no mundo de hoje de braços cruzados esperando alguém resolver o problema para que você possa retomar sua vida antiga. NÃO VAI ACONTECER.

Essa mania de esperar sempre por um salvador, por alguém que chegue e resolva os problemas, por algo que resolva tudo de forma mágica… Passou da hora disso acabar. Assim como não será um Presidente da República quem vai consertar um país, também não será um cientista quem vai restaurar a “normalidade” do mundo. Aquele mundo acabou. Quanto antes aceitarem isso e vivenciarem esse luto, menores as chances de se emburacar em uma doença mental. Não dá para viver nostálgico do passado ou focado em uma “cura” que virá no futuro. Não faça isso consigo mesmo, é nocivo.

Chega de manter a cabeça no passado ou no futuro. Foda-se como sua vida era antes, foda-se quando vai ter vacina. O lugar da sanidade mental é no presente, apenas no presente. Eu sei que tudo à sua volta te arrasta para o passado ou para o futuro, mas você é um adultinho capaz e pensante, e tem poder de colocar a sua mente onde você quiser.

Infelizmente ninguém está batendo nessa tecla. A mídia vive de reportagens no estilo “qual é a primeira coisa que você vai fazer quando a pandemia acabar?” e o Governo corre atrás de restaurar o antigo mercado de trabalho como era, sem perceber que se tornou obsoleto e incompatível com a nova realidade. Tire sua mente do “quando a pandemia acabar”. O agora é com pandemia, é com lockdown, é com uma nova dinâmica. Foco total em se adaptar da melhor forma possível a essa nova realidade.

Saiam do passado, saiam do futuro. Se quiserem preservar sua sanidade, fiquem no presente, no agora. O que você vai fazer no próximo réveillon? O que você vai fazer no mês que vem? O que você vai fazer no Natal? Não sabemos. Não planeje pois não está nas suas mãos.

Planejar algo que não depende exclusivamente de você é perda de tempo, de energia e é pedir para se frustrar. O confinamento (que ainda virá), por si só é um desafio para a mente, se além dele você se maltratar colocando foco no passado ou no futuro, em algum momento você vai colapsar.

Planeje apenas aquilo que depende exclusivamente de você, e esteja preparado para se adaptar ao que quer que venha naquilo que não depende de você. Sem lamentos, sem vitimização, sem sofrimento. Toma, você recebeu isso. Lide com isso da melhor forma possível. Seja um solucionador de problemas e não um criador de problemas. Esse é o combo da sanidade mental.

Resetem suas mentes. Todo aquele rol de coisas que você gostava, que de dava prazer, que te fazia feliz, pode nunca voltar. E se você ficar sentado esperando que elas voltem para ser feliz novamente, pode nunca ser feliz novamente. Foco no presente. Procure outras coisas que preencham essas necessidades que você ganha muito mais.

Enquanto durar essa pandemia (e não sabemos quanto vai durar) é hora de se reinventar e procurar novas fontes de alegria em vez de chorar pelas que se foram e ficar esperando que elas voltem. Não dá para esperar a pandemia acabar para voltar a ser feliz, pois, sinto dizer, ela pode nunca acabar. O dia de ser feliz é hoje, com as ferramentas que você tem. Tire leite de pedra, faça um esforço, ressignifique. Dá teu jeito, ou por acaso você quer ser infeliz?

Façam uma limonada desse limão, se não vocês vão para a vala dos tarja preta. Não caia na armadilha de projetar coisas para seu futuro, pois seu futuro, como o de toda a humanidade, é incerto e incontrolável neste momento. Deposite seus projetos apenas no presente e trabalhe sua mente para ter zero expectativas para o futuro. E isso não quer dizer ficar indiferente ou perder a vontade de viver, quer dizer ter a flexibilidade de saber lidar e ficar bem em qualquer cenário que apareça.

Não é que você vá achar lindo qualquer coisa que aconteça. É apenas o saber que, o que quer que aconteça, com um pouco de tempo e empenho, você vai se adaptar e viver da melhor forma possível. Não seja a criança mimada que se joga no chão do shopping quando não pode ter um brinquedo e fica gritando “eu querooo!”. Não é sobre o que você quer. Não existe “eu” em pandemia. Daqui pra frente é sobre a capacidade de se adaptar.

Não caiam nessas armadilhas de ficar esperando ou depositar expectativas em reabertura, em retorno à vida normal, vacina ou qualquer argumento para ficar com os braços cruzados esperando que tudo se resolva para então voltar a viver e ser feliz. A pandemia pode não se resolver. Mas você pode resolver a sua vida, se adaptando diariamente à nova realidade, totalmente consciente dela, vivendo da melhor forma possível dentro das restrições que são impostas.

Não fique de braços cruzados esperando nada: reabertura, vacina, fim do isolamento social, volta às aulas… NADA. Faça você da sua realidade hoje uma realidade melhor. Pesquise, conheça coisas novas, descubra novidades que te façam feliz dentro da realidade atual. Não viva no passado, no futuro e muito menos à base de promessas para o futuro. A vida é agora. Faça o melhor que puder pela sua vida agora.

E não se anestesie: bebida, remédios, jogos, internet, pornografia… pouco importa com quê. Não se anestesie. Seja adulto, olhe o para a realidade, encare a realidade de frente. Não dá para fugir por toda a vida, se você escolher se anestesiar, uma hora a realidade te pega, e quando isso acontecer, o sofrimento vai ser muito maior.

Sua realidade agora é essa: tem um vírus mortal circulando, para o qual não há remédio nem cura e a única coisa que pode ser feita a respeito é ficar trancado dentro de casa. Aceite isso. Faças as pazes com isso. Não sabemos o quanto isso vai durar, pode ser para sempre. Aprenda a viver e ser feliz dentro dessa realidade. Se vier uma vacina, é lucro. Mas você não pode precisar dela para ser feliz.

Você é capaz de se adaptar a tudo, até mesmo a aquilo que pensava não ser capaz. Basta encarar o problema de frente, sem negação, sem anestesia, sem vitimização. É, crianças… chegou a hora de crescer.

Para dizer que já está na vala dos tarja preta, para dizer que essa pandemia é o melhor álibi para justificar não fazer o que você tem dificuldade em realizar ou ainda para dizer que prefere a negação: sally@desfavor.com

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