Luto em tempos de pandemia.

Texto pesado sobre morte e luto – se não estiver em um bom dia, deixe para ler depois.

O coronavírus não mudou apenas a nossa vida, mudou também a nossa morte. A forma como temos que lidar com a hospitalização e falecimento de uma pessoa amada tornou muito mais difícil que passemos por um luto saudável: a pessoa é levada, você não pode visitá-la e, se ela falece, você não pode sequer se despedir dela. Graças a essa nova realidade, é possível que vejamos muitos casos do que se chama de “luto complicado”. Então, este texto é para te alertar que esse luto complicado pode acontecer, que é comum precisar de ajuda para passar por ele e que existem algumas coisas que podem ser feitas para atenuar o impacto desse novo cenário na perda de um ente querido.

Em meio a uma pandemia, por mais doloroso que seja, é preciso olhar para a realidade: as chances de perder uma pessoa amada ficam maiores. As chances de que alguém do seu convívio perca uma pessoa amada e precise de ajuda também são maiores. Portanto, por mais desagradável que seja o assunto, achei que era hora de fazer um texto sobre essa nova realidade, com sugestões de como lidar com ela. Não vou falar em “novo normal”, pois acho essa expressão odiosa. O que estamos vivendo é tudo, menos normal.

E não estamos falando apenas de pessoas que morreram de covid-19. Enquanto durar esta pandemia, é provável que todas as outras mortes por qualquer doença sofram as mesmas restrições: o paciente é obrigado a ficar sozinho no hospital, não pode receber visitas, se falecer será uma morte sem velório, sepultamento muito mais restrito, com caixão lacrado, com a pessoa dentro de um saco preto.

Não há chances de últimas palavras, de estar ao lado da pessoa em um momento que pode ser assustador e também não há a mesma oportunidade de despedida que tínhamos em tempos normais. É uma época dolorosa para perder alguém, e provavelmente os sintomas disso aparecerão dentro de meses, na forma do que se chama “luto complicado”. Daqui a pouco vamos falar dele em detalhes.

A morte faz romper o vínculo com a pessoa amada e dá início ao processo de luto, um longo percurso para superar essa perda. E esse processo será mais ou menos difícil/doloroso dependendo do que se viveu com aquela pessoa. Digamos que se “faltou viver algo”, essa conta chega no processo de luto, tornando-o mais sofrido.

Por isso a morte de uma avó de 99 anos tende a ser mais facilmente tolerada do que a morte de um filho de 9 anos, a sensação de que faltaram coisas a viver é bem maior no segundo caso. Assim, o primeiro grande passo para tentar estar um pouco mais preparado para um luto é resolver todas as suas questões com a pessoa, de modo a atenuar essa sensação de que faltou viver algo. Se existirem questões mal resolvidas ou pendências com a pessoa que faleceu, o luto pode se tornar mais doloroso. Logo, podemos concluir que manter questões pendentes com pessoas amadas na atual realidade é algo a ser evitado.

Com a pandemia, quase todas as mortes tem potencial para ter sua dor majorada por essa sensação de que faltou algo: a pessoa doente é internada em um hospital, onde não pode receber visitas e, se falece, a família não pode velar o corpo, não pode fazer os rituais de despedida naturais. A pessoa simplesmente desaparece, sem direito a um adeus. Isso pode dificultar muito o processo de luto.

Basicamente este texto é para te dizer que se você tiver que passar pelo falecimento de uma pessoa amada agora, a situação vai ser mais difícil do que o normal e essa dificuldade extra pode acabar gerando um processo de luto que demande ajuda de profissionais para ser superado. Mas existem coisas que você pode fazer para prevenir ou tentar remediar esse momento difícil.

Faltou falar algo? Faltou dizer que amava a pessoa? Faltou resolver brigas? Resolva isso hoje, pois se alguém adoecer, você não terá essa oportunidade. É muito mais fácil evitar um incêndio do que apagá-lo. Aproveite a oportunidade que muitos não tiveram e estão tendo que pagar um preço por isso. Diga o que precisa ser dito, faça o que precisa ser feito, para ficar com a sua consciência tranquila, caso alguma pessoa amada venha a falecer. Sua última conversa com ela pode ser hoje, sem que você saiba.

Vivenciar um luto é algo sofrido, trabalhoso e demorado, você não vai querer nenhum peso extra nesse caminho. Lidar com a perda de uma pessoa amada é um processo duro por si só, quando a isso a gente acrescenta mais sentimentos negativos como culpa, remorso, sensação de que faltou viver algo ou coisas mal resolvidas, tudo fica muito pior e o fardo pode ficar pesado demais para carregar.

O grande problema é, que pela atual realidade, por mais que todas as arestas sejam aparadas, esses sentimentos “extras” podem acabar aparecendo mesmo assim, ainda que você tenha feito tudo que estava ao seu alcance.

Não poder estar com a pessoa amada em um momento de tanta fragilidade como uma internação com risco de morte pode gerar sentimentos como culpa e raiva, ainda que racionalmente a pessoa saiba que não estava lá por não poder estar lá. Não é que alguém tenha abandonado a pessoa amada para morrer sozinha, todos foram impedidos de estar por perto por questões sanitárias. Mas isso nem sempre encaixa bem na cabeça de uma pessoa enlutada. Fica “faltando” uma despedida, fica faltando algo que deveria ser vivido e não foi.

É difícil não se perguntar se a pessoa amada sentiu medo, dor, se recebeu todo o amparo que poderia de funcionários atarefados. Se sentir mal, sentir dor, perceber a própria morte chegando, podem ser situações assustadoras. Ninguém deveria passar por isso sozinho. O suposto sofrimento do outro reverbera e acaba sendo sentido pela pessoa enlutada.

Em entrevistas com profissionais da saúde, o ponto no qual eles mais batem apesar de tanta coisa grave acontecendo é: “as pessoas estão morrendo sozinhas”. São muitas pessoas para atender, nem sempre tem algum profissional de saúde para segurar a mão da pessoa quando ela está falecendo. Percebam que profissionais da saúde estão em um momento crítico com mil problemas para lidar e, ainda assim, é isso que lhes salta aos olhos.

Não é a falta de equipamentos de proteção, não é a irresponsabilidade de babacas que não usam máscaras e colocam a vida dos profissionais em risco abarrotando hospitais, não é a distância das próprias famílias ou até os salários atrasados o que mais chama a atenção de médicos e enfermeiros. O que mais marca são as pessoas que estão morrendo sozinhas. Imagina o quão traumático isso deve ser, para receber prioridade de atenção de quem está na linha de frente.

Hoje, se você, sua mãe ou seu filho adoecem por qualquer motivo, serão levados ao hospital e você não verá mais a pessoa, a menos que ela tenha alta. Essa ausência, esse não saber o que está se passando, devem ser terríveis. Pode ser que a pessoa não esteja sofrendo, mas o não saber faz estragos no ser humano: não tem inimigo maior do que nossa imaginação, quem tem uma pessoa amada internada pode enlouquecer imaginando quão aterrorizante pode ser a realidade da pessoa internada. E, em caso de morte, essa conta vai chegar na hora do luto.

Ninguém está livre de adoecer e precisar ir para o hospital amanhã. Ninguém está livre de ter uma pessoa amada indo para o hospital amanhã. Então, para começo de conversa, considerando essa realidade que eu narrei, façam um favor a vocês mesmos e às pessoas que amam e resolvam todas as pendências, digam o que precisa ser dito, façam o que precisa ser feito para que, caso alguém seja levado ao hospital amanhã, não fique algo em aberto te atormentando mais do que já é tortuoso o processo natural de luto. Nada melhor do que agir preventivamente para evitar um luto complicado.

Que fique claro: não é um conselho profissional, minha área de formação não é psicologia. E um conselho de quem tem experiência na dor do luto. Se tudo for conversado, se tudo for zerado, se você disser como se sente e escutar do outro como ele se sente, vai ser menos difícil e talvez você consiga passar por isso sozinho, sem precisar de ajuda profissional.

Não deixem arestas para aparar. Não neste momento. Faça isso por você e pelo outro. Se alguém tiver que passar por essa experiência horrível, que ela seja o menos horrível possível. Que seja só a dor da ausência, sem a isso acrescer arrependimentos, sentimento de culpa e outros que poderiam ser evitados que tornam a jornada muito mais difícil. Já basta os que virão e não poderão ser evitados.

Dito isto, vamos trabalhar com a pior das hipóteses. Alguém que você ama foi levado ao hospital e faleceu. Você não teve oportunidade de se despedir, nem mesmo no velório, que, se ocorrer, é com caixão fechado. Vamos entender como isso pode impactar a vida da pessoa e como é possível tentar amenizar o estrago que essa “nova realidade” pode causar.

Existe um motivo para que, nas mais diferentes culturas, nas mais diversas eras, se façam rituais fúnebres de despedida. É algo que facilita o processo do luto. Isso nos foi tirado em 2020 e para muita gente pode gerar problemas na hora de lidar com a perda e desencadear o que se chama “luto complicado” ou “luto patológico” ou “luto prolongado”.

No luto, a perda da pessoa ocupa um lugar de destaque na sua vida. É um sapo difícil de engolir e de digerir, podem levar meses ou até anos para que essa perda seja assimilada, o sofrimento diminua e fiquem apenas as boas lembranças. Sofrimento faz parte, mas há um diferencial ser observado: no luto comum, a dor vai diminuindo com o passar do tempo. No “luto complicado” não. Por uma série de circunstâncias, a questão não é resolvida internamente e essa dor continua por tempo prolongado, gerando uma série de prejuízos à vida da pessoa enlutada, que não sai nunca desse buraco, só se receber ajuda.

Muita gente nem sabe que esse luto complicado existe, portanto, se força a continuar a vida em um estado de sofrimento extremos que não passa, em vez de procurar tratamento. Também é comum que se confunda o luto complicado com depressão, o que é um perigo, pois sem o diagnóstico correto, fica mais difícil entender o que está acontecendo e tratar da forma adequada. Então, vamos partir dessa premissa: pode ser que o luto se torne um “problema” e que para superá-lo você precise de ajuda, principalmente nessa nova realidade sem despedida que a pandemia está impondo.

É difícil falar dos sintomas do luto complicado, o ser humano não é matemática, mas vale um panorama geral, que possam acender uma luz de alerta e fazer procurar por ajuda: a principal característica é o sofrimento de forma ininterrupta. A dor está sempre presente, de forma constante, na mesma intensidade. Não há dias melhores ou dias piores, todos os dias a dor está lá na mesma intensidade, por um longo período. Talvez seja possível falar em seis meses seguidos, só como parâmetro para pensar em procurar ajuda. Não é uma sentença, é um balizador para nortear sua busca por ajuda.

Essa dor pode ser traduzida em sentimentos como: dificuldade em aceitar que a pessoa que faleceu não está mais ali, dificuldade em seguir em frente (abandonar sua rotina, suas obrigações), sensação de que o futuro não tem significado, perder a vontade de viver, estresse incapacitante, distração incapacitante, amargura ou ter todos os pensamentos e atos diretamente ligados à perda (a pessoa não consegue desligar nunca da morte do ente querido). Estes são apenas alguns sintomas, podem surgir muitos outros. O norteador é: ficar preso à morte da pessoa amada e não dar um passo adiante, não sentir melhora na dor.

Vamos para o campo do concreto, que sempre fica mais fácil de entender. O sofrimento do luto é como um vale deserto que precisa ser atravessado. Às vezes demora para conseguir fazer essa travessia e cada um deve fazê-la respeitando seu tempo. O ponto é: devemos estar atentos e perguntar se de fato estamos cruzando esse vale ou montamos acampamento nele. Se em algum momento você parou de fazer a travessia e estagnou, talvez seja prudente procurar por ajuda.

Como se sabe se a travessia continua? Há sinais de melhora na dor, no sofrimento, no mal estar. Mesmo que pequenos, há uma melhora. Mesmo que depois venham dias ruins, em algum momento há uma melhora. A tendência é que, com o passar do tempo, os períodos bons sejam cada vez maiores e os ruins, menores.

Não precisa ser linear, podem ocorrer momentos de piora, de intensificação do sofrimento. É normal, não é um “retrocesso”, é parte do luto. Faz muito tempo escrevi aqui um texto sobre os cinco estágios do luto (e me arrependo muito). Desconsiderem isso. Luto não é um processo linear, organizado em estágios. É uma montanha-russa no escuro. Tá tudo bem ficar péssimo de uma hora para outra, sem motivo aparente, desde que em algum momento também ocorra uma melhora e que, quanto mais o tempo passa, mais momentos de melhora venham.

Se a melhora nunca vem e tudo que a pessoa vivencia é a dor da ausência, se isso está acontecendo faz muitos meses, se o processo está estagnado, vale a pena uma consulta com um psicólogo. Pode não ser nada, pode ser o tempo do seu processo, mas também pode ser um luto complicado, que provavelmente vai ter maior incidência graças a essa nova realidade sem despedida.

Percebam que eu disse “uma consulta com um psicólogo”. Isso é questão para um psicólogo, não é algo que se solucione com remédios. Remédios apenas te anestesiam e adiam o problema. Remédios são muletas para quem está com tanto medo de sentir dor que prefere não sentir nada. O luto precisa ser vivenciado para ser resolvido, e isso você faz em uma boa terapia.

Eu sei que dói cruzar esse vale, mas para que a sua vida continue de forma saudável, você tem que fazer um esforço e atravessá-lo, e a dor faz parte desse processo. A melhor estratégia é se encher de coragem e encarar ela de frente. A dor não é sua inimiga, é parte do processo. E esse vale tem fim, eu prometo, por mais que pareça que não.

Pode acontecer do emocional da pessoa estar tão destruído que, para conseguir elaborar esse luto em uma terapia e vivenciar a dor, ela precise da ajuda de alguma medicação. Mas aí é uma questão que será orientada pelo psicólogo, que encaminhará o paciente a um psiquiatra de sua confiança (que não vai entupir a pessoa de remédios desnecessários ou nocivos) para usar e medicação como algo complementar à terapia. Remédio não é tratamento, é apenas um meio para permitir que a pessoa faça terapia.

Não se engane: você não pode fugir do luto. Uma hora ele te pega, mesmo que seja 20 anos depois. Não adie o processo, não vale a pena. Ter esse monstro no armário pode causar danos muito maiores do que cruzar esse vale do sofrimento na hora apropriada. Viver, meus queridos, é passar por dores e alegrias. Ninguém escapa disso.

O que você pode fazer por você ou por terceiros para evitar esse luto complicado? Quem dera houvesse uma fórmula. Há sugestões, que podem ou não dar certo. E se não derem, não se culpe, como dissemos, é mais do que compreensível passar por um luto mais difícil que o normal quando ocorre uma morte e uma despedida mais difíceis que o normal.

Fazer um ritual de despedida, por mais que não possa ser um velório padrão, pode ajudar. Faça o ritual que te gere mais conforto, deixe a sua sensação interna te guiar, é ela quem vai te dizer se determinado ritual vai te ajudar ou te atrapalhar: sentiu mal estar? Não é esse o caminho. A forma mais comum de substituir o velório e mais utilizada hoje são plataformas para velórios virtuais que podem tentar reproduzir o ritual padrão, mas também existem outras opções.

Pode ser uma reunião online com amigos da pessoa que faleceu para conversar sobre ela, sobre a perda, sobre como todos estão se sentindo. Pode ser um momento de oração silencioso. Pode ser escrever uma carta para a pessoa que faleceu se despedindo. Pode ser rever todas as suas fotos com aquela pessoa. Pode ser esvaziar o armário de roupas dela para doá-las. É clichê, eu sei, mas escute seu coração, não é algo que se consiga no campo da razão. Faça qualquer ritual de despedida que te gere algum conforto e que marque o encerramento da presença física daquela pessoa na sua vida.

No processo de luto é importante não se violentar e não se sujeitar ao tempo dos outros. É comum que pessoas, na melhor das intenções, aconselhem ou até pressionem para que vocês façam o que elas fariam para se sentir melhor: “você não pode ficar trancado em casa, tem que sair”. Não, não tem. Você não “tem que” porra nenhuma. Se violentar nos primeiros meses de luto só vai piorar a situação. Cada pessoa elabora o luto de uma forma, e seu guia é um só: sua sensação interna, não o que Fulaninho diz que você tem que fazer. Está sentindo que precisa ficar em casa? Fique.

Não tente bancar o forte e fingir que nada está acontecendo. Não se cobre retornar imediatamente à normalidade. Não varra a coisa para debaixo do tapete de nenhuma forma. Sentir dor é ruim, mas é parte do processo. Você é capaz de suportar essa dor e ela fica menor se você abrir a porta e deixar ela entrar em vez de fugir dela, pois ao fugir você acrescenta outro sentimento terrível de se lidar: o medo.

Deixe a dor entrar, com naturalidade, ciente de que sim, ela vai passar, mesmo que no momento pareça que não. Não tenha medo de deixar a dor entrar e ela te dominar, as chances disso acontecer são maiores se você não abrir a porta para ela. Parece que o mundo vai desabar, mas não vai.

O primeiro ano costuma ser o mais difícil, pois você revive todas as datas importantes sentindo a ausência da pessoa, sobretudo se você vem de uma família que dá muita importância para datas especiais. Minha sugestão que, repito, não é de um profissional, é de uma leiga: se está chegando uma data que vai ser especialmente difícil, que vai te fazer lembrar com mais intensidade da ausência da pessoa, monte um cronograma de atividades para esse dia. Coisas que você tenha vontade de fazer. Siga esse cronograma durante o dia, isso vai te dar um propósito e pode fazer com que a data passe de forma menos sofrida.

Acredite no que quiser acreditar, desde que te gere conforto (e não negação). Sua mãe virou uma estrelinha? Sua avó está no Nosso Lar? Seu filho está no céu esperando por você? Se te faz bem, acredite. Só não vale cair em negação: achar que a pessoa não faleceu e vai voltar a qualquer momento. A pessoa não está mais aqui, visível, na forma como você a conheceu. Aceitando essa premissa, abrace a crença que te faça sentir melhor.

Ignore as pessoas sem noção, que certamente se manifestarão. Não é por mal, as pessoas não sabem lidar com a morte. Se uma pessoa enlutada ganhasse um real por cada vez que escuta, como uma tentativa de conforto, que o ente querido “descansou”, estaríamos todos ricos. Como se fosse preciso morrer para ter paz ou descanso. Na melhor das intenções as pessoas falam muitos desfavores, não pegue para você, apenas ignore.

Converse com alguém que não vá te julgar sobre como você está se sentindo. É natural ter sentimentos que podem ser considerados “reprováveis” nesse período, não precisa ter vergonha deles. São apenas sentimentos, não vão criar realidade e, com o tempo, eles tendem a desaparecer. Você tem o direito a qualquer sentimento, pessoas enlutadas tem carta branca para se sentirem como quiserem.

Procure ajuda de forma preventiva. Existem psicólogos atendendo de forma gratuita online. Se não te violentar, procure ajuda antes do problema surgir, pois elaborar um luto nessas circunstâncias novas é difícil por si só, qualquer ajuda será bem-vinda. Não é vergonha nem fraqueza procurar um profissional para ajudar a curar uma ferida profunda causada por essa nova realidade, que impõe uma despedida muito mais sofrida.

Veja da seguinte forma: se você está cozinhando e sofre um acidente com uma faca e faz um corte muito profundo que não para de sangrar, você vai procurar um médico para que ele te ajuda a fechar esse corte e para que ele cicatrize sem infeccionar. Ninguém pensaria que é demérito ou fraqueza precisar de pontos para fechar uma ferida a faca. Por qual motivo seria vergonhoso procurar ajuda para fechar uma ferida emocional profunda, de modo a que ela cicatrize da melhor forma possível?

Tente não ficar no passado. O que aconteceu, aconteceu. Não adianta ficar se perguntando o motivo pelo qual aconteceu, não adianta espernear e dizer que não queria que tivesse acontecido ou que queria que tivesse acontecido diferente. O processo do luto, por si só, consome muita energia, não use a pouca que te resta para entrar em resistência ao que é, para pensamentos que não vão te levar a lugar nenhum.

Sua realidade agora é essa: uma vida sem essa pessoa. Aceitar isso é o ponto de partido do qual começa sua jornada para cruzar o vale do sofrimento. Quanto antes você começar essa jornada, antes você a termina. E sim, você é capaz de cruzar esse vale, mesmo que pareça que não.

Tente aceitar sua nova realidade, sem medo da dor que ela vai trazer. A dor passa, eu prometo. Jogue luz na questão, que ela se resolve mais rápido. Encare de frente, ciente de que você vai superá-la. Queira superá-la. Resista à tentação de ficar imerso na dor. A dor gera muitos ganhos secundários, muita atenção, muitos mimos e regalias, mas viver na dor não compensa. As pessoas vão continuar te estendendo a mão, mesmo que você não esteja imerso na dor.

Para terminar, sugiro que este texto sirva também como prevenção: reflitam sobre toda a dor e sofrimento que adoecer neste momento pode gerar e usem isso como combustível para tomar todos os cuidados possíveis para que isso não aconteça.

Como já dissemos, se além da dor do luto houver o peso da culpa, o processo fica muito mais difícil. Fique em casa ou, se não puder ficar, não tenha contato pessoalmente com as pessoas que você ama. Você não vai querer acrescer o peso da culpa nessa jornada.

Para dizer que não tem clima para fazer mais nada no dia de hoje, para dizer que foi um tapa na cara necessário ou ainda para dizer que luto é para os fracos, os fortes saem e bebem e tudo passa: sally@desfavor.com

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Comments (10)

    • Eu estou tentando escrever este texto tem mais de um mês e enchi bastante o saco de um psicólogo amigo meu, entupindo ele de perguntas até conseguir mais ou menos colocar as ideias no lugar. Não pense que é um “dom” ou que eu sou muito sensível, foi ralação mesmo. Qualquer pessoa no meu lugar teria conseguido.

  • Sally, obrigada por esse texto! Vc conseguiu desmistificar a lineariedade do processo e ao mesmo tempo falar sobre a elaboração da morte com tanta verdade e força.

  • Corona forever

    Um amigo meu apostou comigo que duvida vcs conseguirem ramificar temas em doenças e pandemias até julho de 2021, mas eu apostei em vcs.

    • Não depende da gente, depende da realidade. Enquanto acharmos que temos algo a acrescentar, que podemos disponibilizar informação útil ou ferramentas para que as pessoas lidem melhor com a situação, teremos temas sobre a pandemia.

  • Texto dolorido, Sally, porém necessário. Às vezes me pego pensando sim se, por ventura, eu ou algum parente ou pessoa querida ficasse doente de covid, fosse levada pra hospital de campanha e tal, e não pudesse mais vê-la. Poxa, seria enlouquecedor, uma dor enorme!

    Uma coisa que tu trouxe no texto que é pra refletir pra valer: as pessoas, no geral, têm medo da dor, tem medo de enfrentá-la de cara, e só adiam o sofrimento, inclusive gerando outros, além de consequências graves. Deveriam ter mais consciência no sentido de uma melhor educação sobre saúde mental, ter em mente que cuidar disso também é importante, não é frescura, enfim.

    • Quando mais você foge da dor, mais ela cresce, mesmo que esteja escondida. Isso gera muitas consequências ruins para a vida da pessoa.
      A dor não é inimiga, ela é parte integrante de um processo. Essa geração mimadinha que não suporta sentir dor e logo se medica é um tremendo desfavor para a humanidade. Acho que confundem dor com sofrimento. Não dá para escapar da dor, mas o sofrimento é opcional.

  • Caramba, Sally… Que texto e assunto pesados! Pesadíssimos, aliás. Até fiquei preocupado com você. Sem falar que hoje você tocou num ponto sensível em mim: o medo de ter que passar o resto da vida com o torturante pensamento de que “eu devia ter feito isso” ou “precisa ter dito aquilo” a alguém que se foi. Vejo tanta gente por aí se penitenciando por não ter agido quando podia e me apavoro com a possibilidade de passar por isso também…

    • Diga tudo que tiver que dizer, faça tudo que tiver que fazer. E se não o fizer, não se penitencia, você fez o melhor que podia no momento.

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