Hoje é o último dia do ano com uma coluna livre minha, com tema à minha escolha. Daqui pra frente será um amontoado de postagens temáticas. Minha ideia original era fazer uma retrospectiva de 2020, mas acho que este ano complicado está bem marcado na cabeça de cada um de nós, todo mundo sabe muito bem o que aconteceu.

Além disso, não há razões para fazer uma retrospectiva 2020, em uma frase a gente resume o que aconteceu neste ano: pandemia, negacionismo e mortes. Mas sim, há razões para falar sobre 2021, já que tem muita gente achando que com a mudança de ano mudará também a realidade na qual estamos vivendo. Tenho uma notícia meio chata para dar…

O antigo normal não vai voltar. À meia-noite do dia 31 não vamos gritar “Jumanji!” e voltar ao que era antes. Melhor ou pior? Não sabemos, mas as coisas serão diferentes daqui pra frente, como por sinal avisamos que seriam em março.

Mudança não é nada novo, ela faz parte da vida, mas esta foi abrupta, repentina e muito significativa, por isso se faz sentir mais, gerando, muitas vezes, uma sensação de tristeza similar a um luto: perdemos a vida como ela era. Pode até ser que venha uma vida melhor, mas a sensação de perda existe. E está tudo bem que exista.

O problema é se apegar à vida antiga como um objetivo: só vou ser feliz quando puder fazer tal e tal coisas novamente. Isso é uma receita para a decepção. Esperar que em 2021 venha uma vacina e te devolva sua antiga vida, sua antiga rotina seu antigo lazer é infantil e ilusório. Vai te frustrar, vai fazer com que você sinta que seu ano foi uma merda.

Muitas vezes a gente brinca aqui dizendo “acaba logo 2020”, mas é apenas isso, uma brincadeira. O que está acontecendo no mundo hoje, a pandemia e seus desdobramentos, não está atrelada ao ano de 2020, é uma realidade atemporal que vai durar o quanto tiver que durar. Não vai seguir um cronograma de calendário.

Entrar em 2021 esperando ter de volta tudo que você tinha e fazia em 2019 é uma furada, que fique bem claro. Não vai acontecer, por diversos motivos. O mundo já está mudado e o mundo não retrocede, muito menos para atender a um desejo seu.

É fato que não teremos toda a população vacinada em 2021. É fato que não teremos uma vacina 100% eficaz aplicada a todas as pessoas do mundo. É fato que vírus sofrem mutações e uma delas pode tornar necessária uma nova vacina. É fato que muitas pessoas no mundo, que estão transtornadas da cabeça, vão se recusar a tomar a vacina. É fato que em algum momento, a qualquer momento, virá uma nova pandemia.

São muitos fatos na mesa para que alguém tenha a esperança de que tudo se conjugue de uma forma milagrosa e 2021 devolva o antigo estilo de vida, rotina e hábitos que tínhamos em 2019. Se você encarava 2020 com um breve intervalo até que o vírus “passasse”, tenho uma notícia para você: você vai ter que viver nesse intervalo, não se sabe por quanto tempo. Paralisar sua vida nesse período é inviável e causará muito sofrimento.

Todos os que deixaram a vida em suspenso esperando que o “vírus vá embora” terão que aprender, no amor ou na dor, que não dá mais para esperar nada. Tem que voltar a viver. E por “voltar a viver” eu não me refiro a sair e agir como se nada estivesse acontecendo, falo de adaptação a esta nova realidade: encontrar uma forma de viver, de ser feliz, de seguir com sua vida dentro das limitações impostas pela nova realidade.

Não existem salvadores que te poupem da realidade: vacina, Presidente, teoria da conspiração que te é mais agradável… a realidade não está nem aí para nada disso e ela te será imposta, no amor ou na dor. Melhor que seja no amor, com você se adaptando, aprendendo como desfrutar da vida mesmo que seja trancado em casa, do que na dor, com a realidade sendo enfiada goela abaixo, à força, na forma de uma doença ou do enterro de uma pessoa que você ama.

“Ah mas não dá para viver trancado”. Dá sim. Talvez você não goste, talvez você não queira, mas dá. Toda minha vida eu saí para trabalhar até que um dia me dispus a fazer uma transição e trabalhar de casa. Para isso me prontifiquei a abrir mão de status, de rotina, de muito tempo de estudo que foi deixado de lado. Se eu fiz, você também pode fazer, é só querer. É só vencer o medo. É só quebrar a inércia.

“Ah, mas não dá para viver sem sair com os amigos”. sim. Talvez você não goste, talvez você não queira, mas dá. É possível reaprender, recriar o conceito de lazer em vez de ficar chorando por aquilo que foi perdido. Fazer beicinho e dizer que só se diverte ou só aproveita a vida se sair de casa é infantil. Pare de ser criança, para de resistir ao que é adapte-se, que você vai sofrer muito menos. Não sabemos quanto tempo isso vai durar, esteja adaptado, pois pode durar mais do que você imagina.

“Você está do lado do vírus!”. Não, está do lado do vírus quem dá a ele o que ele quer e precisa para se perpetuar: quem se expõe a contágio, quem se contamina e leva o vírus para outras pessoas. Continuar saindo, continuar fazendo o que sempre fez, na marra, não é uma forma de resistência, é uma forma de desistência.

Se existe algo sine qua non no seu conceito de “ser feliz”, “aproveitar a vida” ou “estar completo” é uma ótima hora para repensar isso. Se você precisa sair de casa para estar bem, para estar feliz, para estar mentalmente equilibrado, você tem um problema que precisa ser trabalhado. É aquilo que eu sempre repito: não deposite seu bem estar em nada externo, cedo ou tarde vai dar merda.

Peguem tudo que vocês acham que “precisam” para ser feliz (um cargo, um relacionamento, um lazer, um bem material) e joguem no lixo mentalmente. Você não precisa de nada disso para ser feliz. Existem muitos caminhos para ser feliz, se você encasquetou que só vai estar feliz com um deles, saiba isso não é uma verdade, é um bug do seu cérebro que, em vez de combater, você alimentou.

Não quero dizer que todos vamos viver de luz e de amor. Pessoas precisam de um mínimo para viver com dignidade e, para ter esse mínimo, é preciso trabalhar e ganhar dinheiro. Mas, também existem mil formas, modalidade e possibilidades de fazer isso desde a sua casa, basta não ter medo de mudar, basta deixar ir o roteiro que você tinha idealizado para a sua vida e estar aberto às novas circunstâncias e ao que elas te apresentam. Para dar espaço para que o novo entre, o antigo tem que sair.

Não dá para dourar a pílula: vai morrer muita gente no Brasil antes de todo mundo ser vacinado e estar imune, principalmente neste começo de ano. Talvez alguns dos que estão lendo isso agora venham a falecer. Talvez os entes queridos de alguns que estão lendo isso agora venham a falecer. Talvez refletir um pouco sobre o que eu estou escrevendo hoje faça a diferença para alguém, mude sua atitude e, com essa mudança, a pessoa salve sua vida ou a vida de seus entes queridos. Não custa tentar, se salvar uma pessoa que seja, terá valido a pena.

O que eu quero te dizer é que você não deve esperar uma mudança em 2021 que te devolva sua antiga rotina de volta e não deve ficar sentado esperando que no futuro surja qualquer solução que te traga sua antiga rotina de volta. Seja protagonista da sua vida, não um coadjuvante esperando que algo externo resolva um problema.

Sim, você pode trabalhar de casa, ainda que não seja no que você faz hoje em dia. Sim, todo mundo tem algo que pode ser monetizado e fornecido online. Não, você não vai morrer de fome, é apenas sua insegurança te impedindo de agir, de mudar, de tentar.

Talvez seu medo seja tão grande que faça com que brote uma certeza de que não tem como trabalhar de casa sem reduzir seu nível de vida, talvez você esteja pensando que o que eu estou falando é utópico, ilusório. Não é. Por sinal, muito triste que eu tenha mais confiança em você do que você mesmo. Leve mais fé em você.

Velha frase: as coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. Hoje, a realidade é que sair e entrar em contato com outras pessoas, mesmo com “todas as medidas de segurança” te coloca em risco e coloca em risco as pessoas que você convive. Máscara, álcool gel, distanciamento de 2m e tudo mais que você quiser não são uma garantia de que você não vá adoecer, morrer, ficar com sequelas, matar seus pais, seus avós, seus filhos.

Desculpa a forma ríspida de falar, mas alguém precisa dizer sem floreios. A mídia não pode, pois uma coisa desagradável dessas não rende audiência ou cliques. Pessoas da ciência acham contraproducente esse discurso pois poderia causar pânico na população. Eu trabalho com a premissa que o leitor daqui não é criança e está preparado para escutar algumas verdades.

Em vez de fazer 2021 um ano de esperança baseado em uma solução mágica (como uma vacina) que virá de fora e te fará feliz novamente, faça de 2021 um ano de esperança baseado em uma solução real que virá de dentro: adapte-se você à realidade e encontre formas de viver e ser feliz sem se colocar em risco e sem colocar em risco os outros. Você não pode mudar o que está fora (nem a realidade, nem outras pessoas), mas pode mudar o que está dentro (você mesmo)

Pessoas são capazes das mais radicais adaptações. Pessoas que, de um dia para o outro sofrem restrições ou limitações reconstroem suas vidas e voltam a ser felizes. Se tem gente tetraplégica, que não pode nem levantar da cama, que só pode mexer os olhos, que se adaptou e voltou a ser feliz, você também pode.

Mas, para isso tem que soltar o controle, tem que soltar essa birra de que as coisas têm que ser da forma que você espera, quer ou idealizou. A realidade não liga para o que você espera, quer ou idealizou, é você quem tem que se adaptar a ela, e não o contrário. Bata de frente, faça birra, recuse a se adaptar e tudo que você vai receber é sofrimento – causado por você mesmo.

Essa zona que está o planeta não melhora em 2021, muito pelo contrário, piora. Isso ainda piora muito antes de começar a melhorar e não há nada que você possa fazer a respeito. Quem luta contra o que é, sempre perde. Essa é a realidade do mundo agora, você não pode mudá-la, ninguém pode mudá-la. Não virá uma salvação mágica. Ou você passa a ver a nova realidade de outra forma que não sejam “restrições que ferraram com a sua vida” ou muito sofrimento te espera.

Eu nem peço para ressignificar e ver como uma oportunidade de onde, talvez, surja algo muito melhor, pois isso é um patamar avançadíssimo de controle da mente que poucas pessoas têm. Mas dá para ficar aberto: as coisas terão que mudar e você não tem subsídios para dizer se isso é bom ou ruim, pois frustrar as suas insignificantes expectativas não faz de nada ruim, é você quem joga um atributo negativo por falta de flexibilidade e teimosia.

Então, como primeiro passo, procurem estar abertos ao que vem. Não sabemos o que vem, mas, seja lá o que for, é melhor estar aberto e se adaptar do que ficar esperneando e lutando contra o que é. Nunca lute contra a realidade, você vai levar uma surra dela. Use suas forças para mudar a você mesmo, que é o que você pode fazer, não para mudar seu entorno, pois ele não está sob o seu controle.

E não precisa mudar sua essência nem se violentar. É questão de ver as coisas por outro ponto de vista. Você gostava muito de sair com seus amigos para tomar um chopp? Pois é, não é mais seguro fazê-lo, mas não é possível que entre todas as opções seguras que existem no mundo nada te faça feliz, coisas que você sequer cogitou ou experimentou estão sendo descartadas por pura birra.

Existem infinitos caminhos para ser feliz, não apenas o combo “se formar, casar e ter filhos”. Explore novos caminhos. Existem infinitas opções de lazer que vão te divertir e te agradar, não apenas o combo “pegar mulher, beber e sentar em mesa de bar”. Explore novos caminhos em vez de espernear. Você vai encontrar coisas novas que não te coloquem em risco e que te satisfaçam.

2021 será daqueles que tiverem maior capacidade de adaptação, daqueles que, em vez de fazer birra olhando para o que perderam, forem criativos e focarem em ter novos ganhos dentro da atual realidade. Esse é o caminho para a sanidade, para sair desta fase da melhor forma possível.

Não esperem que 2021 seja um ano de resolução, de solução de desfecho, uma pandemia dessa magnitude, onde precisam ser vacinadas 8 bilhões de pessoas, não se soluciona em um ano. Não depositem suas esperanças de felicidade nisso.

Caso aconteça algo totalmente inesperado e a solução venha, que bom, todos agradecemos. Mas, caso não venha, estejam preparados para tocar a vida e serem felizes com o que lhes é dado. Ninguém sabe quanto tempo mais isso vai durar, não deixe sua vida em suspenso por tempo indeterminado, aprenda a viver com o que está disponível. Hoje e sempre.

Para dizer que graças a este texto vai começar o ano deprimido, para dizer que Desfavor tinha que fechar o ano com uma baita patada se não, não seria Desfavor ou ainda para dizer que não sabe o que dizer: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Eu sinto muito por todos os que perderam pessoas queridas, espero que encontrem conforto apesar da dor.

    Teremos outro ano caótico e difícil, porém, diferente do ano passado, quando ficamos na sensação de sermos pegos desprevenidos, tendo que fazer um grande esforço de adaptação. Pra quem continua isolado e seguindo as recomendações, sem mudanças na rotina.

    Vacinas nesse momento são uma possibilidade de amenizar o caos, não uma certeza.Mas os cientistas continuam se empenhado no desenvolvimento das vacinas e medicamentos. Apenas profissionais sérios poderão nos dizer quando será seguro retomar reencontros presenciais, na certeza de que nada mais será como antes.

  • A nossa vida é o que fazemos dela. Ou, muitas vezes, também o que deixamos de fazer… E a realidade jamais deu e jamais dará a mínima para o que vocês, eu, ou qualquer um queiramos, pensemos ou sentimos. Cabe a cada um de nós ter fé em si mesmo e a força interior necessária para conseguir enfrentar os obstáculos que, por casualidade ou destino, sempre se colocarão à nossa frente. Tudo muda o tempo todo e, querendo ou não, é preciso saber mudar junto. No melhor e no pior. E não desperdicem seu tempo lamentando perdas ou com esperneio querendo de volta o que já passou e não volta mais. Tempo é o que temos de mais precioso. Porque é justamente disso que é feito o próprio viver.

  • Só mas uma citação (prometo que é a última):

    RECEITA DE ANO NOVO

    Para você ganhar um belíssimo Ano Novo
    cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
    Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
    (mal vivido talvez ou sem sentido)
    para você ganhar um ano
    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
    novo
    até no coração das coisas menos percebidas
    (a começar pelo seu interior)
    novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
    mas com ele se come, se passeia,
    se ama, se compreende, se trabalha,
    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
    não precisa expedir nem receber mensagens
    (planta recebe mensagens?
    passa telegramas?)

    Não precisa
    fazer lista de boas intenções
    para arquivá-las na gaveta.
    Não precisa chorar arrependido
    pelas besteiras consumadas
    nem parvamente acreditar
    que por decreto de esperança
    a partir de janeiro as coisas mudem

    e seja tudo claridade, recompensa,
    justiça entre os homens e as nações,
    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
    direitos respeitados, começando
    pelo direito augusto de viver.

    Para ganhar um Ano Novo
    que mereça este nome,
    você, meu caro, tem de merecê-lo,
    tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
    mas tente, experimente, consciente.
    É dentro de você que o Ano Novo
    cochila e espera desde sempre.

    Carlos Drummond de Andrade

  • “Let me tell you something you already know: the world ain’t all sunshine and rainbows. It’s a very mean and nasty place, and I don’t care how tough you are, it will beat you to your knees and keep you there. Permanently, if you let it. You, me, or nobody is gonna hit as hard as life. But it ain’t about how hard you hit. It’s about how hard you can get hit and keep moving forward! How much you can take and keep moving forward. That’s how winning is done!

    BALBOA, Rocky

  • Genial, como sempre.
    Infelizmente no dia 2 de dezembro perdi minha mãe para essa doença maldita. Ela ficou 12 dias na UTI aqui no RJ, em coma induzido…ela era médica.
    Estou devastada, fim de ano não existe pra mim agora. E o pior é ver o bairro que moro (Bangu) lotado, aglomerado, todos sem máscara ou com a máscara no queixo…clima de festa e felicidade. Mas é pq não foram eles q enterraram a própria mãe há menos de um mês.
    Enfim…pessoas sendo pessoas.

  • Eu aprovo distanciamento social! Ninguém merece essa cultura latina que peca pelo exagero de contato físico, ainda mais no verão :P
    Sabe, ainda sou meio cética sobre a consolidação desse “novo normal”, ainda tenho a sensação de que assim que tiver uma brecha tudo vai voltar ao que era antes. Não sei se vocês se lembram daquela semana em que um país tal, que eu não vou me lembrar agora, autorizou a reabertura de lojas de marca e as filas foram enormes. No Brasil aconteceu o mesmo nas praias e bares, fora que muita gente ainda nem viu esse novo normal, que nem o anônimo que comentou no texto de ontem sobre a cidadezinha dele. Ah, sei lá.

  • “Para dizer que graças a este texto vai começar o ano deprimido”, pelo contrário, Sally, tô aqui pra dizer que esse é mais um dos textos que me orienta a permanecer em busca de serenidade mental. As chapuletadas que levei daqui realmente me acrescentaram muito. Obrigada a vocês dois, e Feliz Natal!

  • …Não sei quais habilidades que realmente seriam monetizáveis (só penso em “tarefas voluntárias” em web fóruns e Wikipédia), mas preciso do dobro do que recebo de aposentadoria por invalidez…

    Ficar no quarto com internet quase sempre tudo bem, mas…

  • ”Nunca lute contra a realidade, você vai levar uma surra dela.”

    Aplaudindo em pé e esperando ansiosamente o dia da mentira!

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