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FAQ: Coronavírus – 20

FAQ: Coronavírus – 20

| Sally | | 28 comentários em FAQ: Coronavírus – 20

Sally explica a história dos CPFs no próximo CoronaFAQ?

Todo governo tem ou deveria tem um controle das pessoas que adoecem e morrem no país, pois são dados extremamente úteis para uma série de circunstâncias. No Brasil, esses dados são colhidos pelos hospitais e inseridos em um sistema chamado Sivep-Gripe – Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe, onde os próprios profissionais da saúde fazem a contabilidade e, ao final do dia, inserem os dados no sistema pelos computadores dos hospitais. Alguns dados são obrigatórios (mesmo com pressa ou grande demanda tem que preencher) e outro são opcionais (se a pessoa estiver em um dia tranquilo e tiver boa vontade, pode inserir). Até então, o CPF era um dado opcional.

No dia 23 de março o Ministério da Saúde determinou que o CPF tenha inclusão obrigatório no Cartão SUS/Cadastro de mortes na plataforma Sivep-Gripe, usada pelos estados para notificar os casos. E nem foi por desconfiança de estarem forjando mortes, eles sabem muito bem que não estão. Seria para ter um controle dos casos de reinfecção. Para entender se uma mesma pessoa pegou a doença duas vezes, é preciso individualizar o paciente.

Em tese parece justo e faz sentido, porém, na prática, é um pedido desumano e desnecessário. Já vamos entender o porquê.

Para quem não sabe como essa “contabilidade” é feita, se designa um dos funcionários do hospital para preencher uma planilha, algo similar a um Excel, que não é propriamente difícil, mas também não é para qualquer um. Tenham em mente que são locais cujos funcionários estão cansados, estressados, exaustos por dobrarem turnos, apavorados com as cenas de terror que estão presenciando. Não é como se o governo estivesse mandando uma secretária para cada hospital, são os profissionais de saúde que tem que fazer isso.

Além de ser um trabalho maior digitar mais essa informação nos formulários, o CPF do paciente nem sempre é algo que o profissional de saúde tem em mãos. Nem todos que chegam morrendo a um hospital levam o documento, nem todos sabem o documento de cor, nem todos tem esse documento (como por exemplo, é o caso de crianças, estrangeiros e outros).

Se a pessoa não tem o documento em mãos, o número do CPF não pode ser registrado, afinal, quem te garante que o paciente está dando o CPF correto? Não raro as pessoas querem negar ou esconder que tiveram covid, ou simplesmente não lembram do número e falam qualquer outro. Não é exigível pretender que alguém que vai ao hospital muito mal (e hoje em dia só vai para o hospital quem está morrendo) se lembre de levar CPF. Também não é exigível que se cadastre qualquer número dito de cabeça pelo paciente.

Então, como vocês podem perceber, a maioria das pessoas que vai a um hospital sem conseguir respirar, em pleno desespero, não costuma levar o CPF, pois nunca foi um documento de apresentação obrigatória. Por isso, uma mudança como essa, feita no auge da pandemia, obviamente atrasou e dificultou a coleta de dados, fazendo com que muitos deixem de ser registrados e outros sejam registrados com atraso.

Além da questão do paciente não saber que tinha que levar CPF, ocorreram muitos outros problemas que tumultuaram a vida de todos, desde falhas na comunicação dessa exigência aos estados até o sistema travando, o que impedia que os dados fossem inseridos. Com essa obrigatoriedade, os pobres profissionais de saúde levaram mais tempo para preencher os dados e isso deixou o sistema lento e travado. Com isso, muitos lugares não conseguiram enviar o número de mortes no dia, seja pela falta do CPF, seja por um sistema que não estava preparado para receber tantas informações novas por dia.

Eu sei que parece importante inserir o CPF, mas se você souber como funciona a contagem de mortos, vai ver que é um pedido que não faz muito sentido, pois não dá para forjar mortes sem que isso seja descoberto, mesmo enviando os dados sem CPF. Como vamos ver em detalhes mais abaixo.

Paranoicos dirão que “sem CPF as mortes caem”, como se estivessem forjando mortes e com CPF não pudessem mais forjar. Isto não é possível. Os números estimados de mortes diárias são apenas isso, uma estimativa. Não faria sentido mentir na estimativa, quem é esperto mente no documento oficial, que é o que conta para comprovar as mortes por covid. E, cá entre nós, se forja um monte de coisa com CPF falso, desde voto até compra, então, não seria garantia nenhuma.

Essa estimativa de mortos por dia não é nada além disso: uma estimativa. O número oficial de mortes pode ser verificado pelas certidões de óbito expedidas por cartórios, o documento oficial que comprova a morte de uma pessoa no Brasil. E para emitir esse documento, tem que apresentar o CPF. Se a pessoa não tiver CPF, se faz uma ressalva e isso também pode ser contabilizado. Se, do nada, 50% das certidões de óbito começarem a ser emitidas sem CPF, nós seremos os primeiros a desconfiar e chamar a atenção para isso. Hoje, são apenas 5% sem CPF, irrelevante para o alto número de mortes. Provavelmente, como dissemos, representam crianças, indigentes, pessoas sem identificação, estrangeiros e outros grupos.

Então, vamos supor por um instante que todos os hospitais e médicos do Brasil estivessem mentindo há um ano, tentando enganar a todos, dizendo que está morrendo mais gente do que realmente está. Isso seria facilmente investigável, pois o que eles dizem não é a palavra final. Quando os dados fossem comparados com a quantidade de certidões de óbito, a fraude saltaria aos olhos: ou teríamos menos certidões de óbito do que os números declarados pelo hospital, ou teríamos um altíssimo índice de certidões de óbito sem CPF. Nenhum dos dois está acontecendo.

Mas, vamos supor que além dos médicos, todos os cartórios do Brasil também estivessem mentindo para inflar o número de mortes (haja teoria da conspiração!), forjando CPFs que não existem nas certidões de óbito. Ainda assim haveria mais uma forma de saber: número de enterros. Os números dados pelo hospital são comparados com o número de certidões de óbito e com o número de enterros realizados. Então, teríamos um alto número de mortes declaradas, mas um baixo número de corpos enterrados.

Mas, contra conspirador nada pode. Apesar de todos os argumentos, negadores negarão. O que eles dizem: todos os hospitais e todos os profissionais de saúde mentem, os cartórios mentem e os cemitérios mentem também, pois estão enterrando caixões com pedras dentro para inflar o número de mortes. Esse boato babaca já fez com que muitas famílias abram o caixão de entes queridos achando que haviam pedras do lado de dentro. Resultado: acabaram se contaminando. É muito difícil argumentar com quem acha que todos os médicos, todos os hospitais, todos os cartórios e todas as funerárias do Brasil estão mentindo de forma sincronizada. O brasileiro não tem nem capacidade de orquestrar uma mentira desse tamanho.

CPF se pede para documentos oficiais, não para estimativas. Se tivessem feito de outra forma, em outro momento, até seria possível. Agora é como trocar um pneu de um carro em alta velocidade, no meio da estrada. A medida é tão irracional que o próprio governo reconheceu a impossibilidade de sua aplicação e tiveram que voltar atrás e retirar a exigência de CPF.

Quem achar que as estimativas estão inflacionadas, basta comparar com o número de certidões de óbito (com CPF) e número de enterros realizados. Ou então se encarrega de que 1) o paciente tenha CPF; 2) o paciente leve o CPF no momento da internação; 3) se disponibiliza um funcionário administrativo do governo para preencher essas planilhas diárias e 4) se disponibilize um sistema decente que não trave quando o Brasil inteiro está inserindo dados.

Não, as mortes não caíram ao exigir CPF na comunicação. As mortes ficaram represadas e não conseguiram ser passadas para o sistema por todos os motivos que explicamos aqui. Não acredita? Vá aos hospitais, vá aos cemitérios, vá aos cartórios checar o aumento de certidões de óbito com CPF.


Quando, oficialmente, acontece o fim de uma pandemia?

Para que uma doença seja considerada uma pandemia, é preciso, por definição, que ela afete o mundo todo ao mesmo tempo. Para que deixe de ser uma pandemia, é preciso isso pare de acontecer. Então, basicamente, é preciso que o coronavírus deixe de ser uma ameaça mundial. Não precisa necessariamente desaparecer, mas não deve estar em todos os países ao mesmo tempo, circulando pelo mundo. Por exemplo, a gripe é uma doença que afeta o mundo todo, porém não ao mesmo tempo.

Daí você pode estar se perguntando qual é o limite territorial para rebaixar uma pandemia a uma simples epidemia local. Basicamente, quando o vírus parar de circular pelo mundo, ou seja, não importa quantos países ainda tenham o vírus, quando ele não for mais transportado de um país para o outro, a OMS pode decretar o fim da pandemia. É uma questão de lógica: se ele ainda circula, ele afeta todo mundo ao mesmo tempo. Se ele não circula, ele afeta apenas alguns lugares.

Ao que tudo indica, o vírus não vai sumir por completo, mesmo com as vacinas. Percebam que todo ano a gente ainda se vacina contra a gripe, um vírus que surgiu em 1918. É provável que o mesmo aconteça com o coronavírus, ele tende a se tornar um problema endêmico, com picos sazonais.

A pergunta de um milhão de dólares: em quanto tempo?

Por projeções de computador, ou seja, números frios, indicam que a pandemia (ou seja, a circulação do vírus por todo o mundo) acabaria entre um a dez anos. O Diretor Geral da OMS estimou em dois aninhos. A Gripe Espanhola de 1918, que tem muitas semelhanças com o covid, durou, como pandemia, dois anos (porém não havia a facilidade de circulação de pessoas que temos hoje). Temos várias projeções, mas, na real, ninguém sabe.

A verdade é que certeza ninguém tem, pois estamos nas mãos de eventuais mutações do vírus. Se surgir uma mutação que escape às vacinas e o mundo precisar ser revacinado, pode durar mais. Mas, se surgir essa variante e o mundo se encarregar de murar o país onde ela nasceu e não permitir que ela saia de lá, ela pode não interferir. Vai ser um conjunto de adaptação do vírus mais atitudes humanas. As atitudes humanas nós já sabemos que são as piores, resta torcer para que o vírus não emplaque uma mutação que faça o jogo recomeçar.


Deu ruim na América do Sul. Chile é um dos países do mundo que mais vacinou e mesmo assim está na merda. Uruguai é um ovinho, sempre controlou bem e agora está fora de controle. Tem explicação para isso?

Tem sim.

No Chile as variantes, principalmente a de Manaus ajudaram no estrago, mas o país também tem sua parcela de culpa. O Chile vacinou mais de 35% da sua população e mesmo assim teve que fechar as fronteiras e declarar lockdown. É por isso que a gente sempre diz que vacina não é solução para quem está com muitos casos. Pena que os chilenos não são leitores do Desfavor, caso contrário eles saberiam que pode vacinar absurdamente e, ainda assim, se afundar buraco abaixo.

O grosso das vacinas aplicadas no Chile está na primeira dose. A primeira dose não protege por completo. Depois de aplicada a primeira dose, serão necessárias duas semanas para que as pessoas desenvolvam alguma imunidade, mas a imunidade total só vem cerca de quatro semanas após a segunda dose. Isso significa que depois de tomar a primeira dose pode demorar um mês e meio, dois meses para a proteção acontecer. É preciso que quem toma vacina colabora.

Fica muito difícil dizer para pessoas que estão presas em casa há um ano “olha, você tomou uma primeira dose, mas é como se nada, continua mantendo as mesmas restrições”. Os chilenos abriram demais, foram às ruas demais, com uma sensação falsa de proteção pela vacina. Taí o resultado, um gráfico assustador. Fica a dica para o Brasil: quando as pessoas jovens começarem a ser vacinadas, nada de tomar a vacina e sair fazendo vida normal.

Tem também o fator de que grupos são vacinados em tempos diferentes. A população não é vacinada toda de uma vez. Então, essa sensação de “liberou geral já tem vacina” só se torna real cerca de um ano depois que começa a vacinação: o vacinado não adoece, mas pode portar o vírus e contagiar os não vacinados. Some-se a isso que, quanto mais transmissível é o vírus, mais eficiente a vacina tem que ser e maior a cobertura vacinal tem que ser para dar conta de segurar. A vacinação do Chile seria show de bola no ano passado, mas com as novas variantes, não está dando conta.

No caso do Uruguai, coitados, foi pura variante. Dá para ver isso claramente, pois o país perdeu o controle dos casos de covid começando pelas cidades que fazem fronteira com o Brasil e a coisa foi se espalhando para dentro.

Segundo testes que eles estão fazendo, a maioria dos casos por lá é da P1, a variante brasileira de Manaus. Então, o que aconteceu com o Uruguai foi o Brasil.

E o mesmo está acontecendo com a Argentina. Não sei o quanto a imprensa está divulgando, mas é questão de meses para a Argentina ter gente morta pelo chão, na rua (salvo um milagre de organização e logística do governo), graças à variante de Manaus, que entrou e já circula de forma assustadora. Vai acontecer uma tragédia anunciada.


Eu sei que vocês estão de saco cheio de que eu só escreva sobre coronavírus. Eu também estou de saco cheio de só escrever de coronavírus. Mas, sinceramente, eu não consigo falar sobre fulaninho que fez isso, sicraninho que fez aquilo quando morrem mais de 4 mil pessoas por dia. Enquanto eu achar que a informação pode ajudar, vocês continuarão sendo bombardeados de FAQ.

Para dizer que não tem problema pois você vai passar a ler só os textos do Somir, para dizer que além de matar os seus o Brasil começou a matar os vizinhos ou ainda para dizer que além de sair do Brasil, tem que sair para muito longe se não o Brasil te alcança: sally@desfavor.com

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