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Mimimi da pandemia.

Mimimi da pandemia.

| Desfavor | | 32 comentários em Mimimi da pandemia.

Começa a Semana do Mimimi da República Popular do Desfavor, e com ela, já temos uma competição de quem tem o maior “White People Problem”, também conhecido como problema de primeiro mundo, durante a pandemia. Deixe o bom-senso de lado, nessa semana a gente só reclama.

Tema de hoje: qual é o seu White People Problem da pandemia?

SOMIR

MAIS inclusão digital. Não é nem a reclamação que o nível na internet já foi muito melhor quando eram apenas os nerds conectados (lembrando que eu estou ativo na rede há quase 25 anos, vi praticamente todas as etapas da internet), eu já tinha até feito as pazes com as pessoas “normais” participando mais, mas a pandemia garantiu uma infestação quase que total.

Em questão de meses, eu comecei a ver gente rindo com “kkkkkk” em lugares que eu nunca imaginei antes. O tempo extra diante do computador fez com que conseguissem achar refúgios que eu considerava sagrados. De repente, gente começava a fazer perguntas incessantes sobre coisas simples respondidas segundos atrás em sites, canais e chats que não precisavam lidar com essa massa analfabeta funcional antes.

Sim, eu sei que por um lado é positivo: não foi todo mundo que cagou e andou para a pandemia e muitos realmente tentaram digitalizar mais sua vida nesse meio tempo, mas hoje eu falo sobre o que me incomoda sem pensar em contexto.

Os sites de streaming tiveram que baixar a qualidade dos vídeos porque encheu de gente vendo ao mesmo tempo. Disseram que não tinha problema porque a maioria das pessoas assiste no celular… oras, eu não sou um selvagem sem costumes que assiste filmes e séries numa tela minúscula, eu gastei dinheiro num monitor 4K para poder ver as coisas numa qualidade decente. Eu percebo a diferença entre vídeo de baixa resolução e vídeo de alta resolução. Eu percebo artefatos de compressão de vídeo, eu percebo som de baixa qualidade.

Chegou no ponto de eu ter que piratear coisa que eu pago pra ver porque a qualidade da Netflix ou da Prime está uma merda! Essa gentalha que assiste tudo no celular baixou o nível de tudo. Mas como o Cleyton ou a Regislane não reconhecem qualidade, tudo bem arrombar o vídeo! Voltem para os sites de stream pirata e me deixem em paz.

Sinto muito dizer, mas se você é uma pessoa normal, seu lugar não é na internet o dia inteiro. Arranje algum hobbie longe da tela, porque internet é para viciados em informação que conseguem absorver conteúdo em alta velocidade. Como eu já disse inúmeras vezes antes, não é nem questão de inteligência, é um modo de funcionar que combina com a quantidade de informações que gira pela rede mundial de computadores.

Você pode ser um gênio em outros contextos, mas nem todo mundo foi feito pra cair de paraquedas num tema complexo e fazer senso dele rapidamente. Cada novo interesse que eu encontrava na pandemia estava lotado de gente que claramente não tinha essa capacidade. Gente que fica perguntando mil vezes a mesma coisa e acha que todo mundo tem obrigação de explicar quantas vezes forem necessárias. Quando eu encontro uma comunidade de algo novo pra mim, eu passo semanas, às vezes meses, lendo e absorvendo a informação antes de começar a perguntar.

A graça da internet é que o conteúdo está lá, é só pesquisar. Ninguém precisa ficar segurando a sua mão, ninguém precisa ter dúvidas que já foram respondidas. Comece a interagir e perguntar quando você já souber o básico! Mas não, o novo incluso digital acha que é que como chegar numa roda de conversa de uma festa, puxando papo. Depois reclamam de elitismo quando o mandam ir pesquisar antes de fazer pergunta idiota.

É que nem entrar no cinema no meio do filme e começar a perguntar para as pessoas ao lado o que está acontecendo! Na internet você busca informação sozinho primeiro e depois tira dúvidas mais avançadas com outras pessoas mais estudadas e/ou experientes. Senão as coisas não funcionam. Senão fica todo mundo com as mesmas dúvidas pra sempre, respondidas por pessoas com cada vez menos paciência.

Nem tudo é o Instagram onde as pessoas ganham dinheiro para fingir que se importam com você. Nem todo mundo está vendendo alguma coisa e se interessa por responder a mesma pergunta mil vezes. Internet é para dividir conhecimento, não é serviço de atendimento ao consumidor. Quando for para uma parte dela onde o conhecimento é mais avançado, estude um mínimo antes de encher o saco dos outros, porque ninguém é obrigado a lidar com sua preguiça. Dica: se você perguntou algo duas vezes e não entendeu a resposta, provavelmente o tema exige estudo por conta própria.

E isso se espalhou para relações de trabalho também: o povo que só via bunda na rede social de repente se viu obrigado a trabalhar de verdade pela internet. E é justamente o povo que mais desperdiça o tempo alheio com reuniões inúteis e má comunicação em geral. Internet não é igual vida real, as informações fluem de forma diferente.

Tem gente que sabe se comunicar muito bem falando ao vivo, e isso de forma alguma quer dizer que sabe se comunicar muito bem por meios digitais. Antes fazíamos reuniões virtuais e trocávamos mensagens com gente que sabia mais ou menos o ritmo da internet, agora temos que lidar com todo mundo. Resultado: um show de textos confusos em e-mails e mensagens de gente que não tem o hábito de escrever de forma prolixa e coerente o que quer, e um aumento brutal no número de reuniões que podiam ser apenas um e-mail ou mensagem escritas de forma decente.

Gente que quer que você ligue a câmera para “ver com quem está falando”, como se isso fizesse alguma diferença. E lá vai você ter que arrumar um fundo decente e colocar uma roupa melhor só para falar oi para alguém que nem sabe muito bem porque convocou uma reunião. Trabalhar de casa significa usar o tempo ganho em convenções sociais como não estar de pijama e não pegar trânsito para otimizar seu dia e ter mais tempo livre para seguir outros interesses. Há uma diferença clara entre quem já estava preparado para trabalhar de casa e quem caiu nesse mundo: quem estava preparado fez por onde se adaptar e quem não estava ficou pentelhando todo mundo com reuniões inúteis e exigências sem sentido.

Eu quero essa gente fora da internet, ou pelo menos de volta aos seus cantos como páginas de comentários sobre BBB e curtindo fotos de bundas no Instagram. A internet mais complexa não é o seu lugar, a não ser que você se esforce para mudar sua mentalidade. Volta pro barzinho assim que a pandemia acalmar, ok? Todo mundo era mais feliz com você por lá.

Para fazer perguntas que eu já respondi no texto, para dizer que isso explica alguns comentários recentes no Desfavor, ou mesmo para dizer que nerd nunca vai ser feliz: somir@desfavor.com

SALLY

Existe uma coisa que os americanos chamam de “Me Time”, para o qual não conheço termo equivalente no Brasil. Em uma tradução literal, seria “tempo para mim”, mas é mais do que isso: é poder estar em paz, sem ser perturbado e escolher fazer qualquer coisa (inclusive nada) sem interrupções. É ter a certeza de estar sozinho, desimpedido, podendo fazer o que quiser.

Eu não tenho um tempo sozinha comigo mesma faz muito mais de um ano, por motivos de força maior, mesmo antes da pandemia. Eu estou exausta e eu não consigo sequer ouvir meus pensamentos. Penso que a única razão pela qual eu consigo escrever o Desfavor é por ser algum tipo de psicografia com textos ditados por um Exu da Discórdia ou coisa do tipo, pois só isso explica uma pessoa conseguir produzir nessas condições.

Há anos que eu não olho para os lugares onde moro e vejo tudo parado, aquele silêncio que indica que não tem ninguém, aquela quietude que te faz pensar “se eu morrer agora só vão achar meu corpo quando apodrecer e feder”. Tem sempre alguém falando, fazendo barulho, alguém por perto. Ok, talvez eu seja injusta, pois, tirando o cachorro, não vivo com incivilizados, muito pelo contrário. Mas só o fato de existirem perto de mim 24h por dia é desgastante.

E não é como se eu quisesse usar drogas, fazer uma ligação secreta ou nada que não possa ser visto. Eu só quero ficar sozinha um pouco, não ter nenhum ser vivo por perto. Me conforma ter a possibilidade de fazer o que eu quiser, mesmo que no final das contas eu acabe não fazendo nada ou apenas dormindo. Eu preciso dessa possibilidade, mesmo que não a use. Eu preciso de algum tempo completamente sozinha, e nem tão cedo isso vai acontecer.

“Mas que diferença faz se você se trancar em um cômodo e ninguém te incomodar”. FAZ. Por isso enquadrei esse tema na categoria “mimimi” (reclamação fútil e despropositada). Para mim faz. Eu não quero ninguém presente na casa, eu quero horas completamente sozinha com a certeza de que não vai ter ninguém por perto. Chamem de autista, chamem de mimada, chamem do que quiserem, eu quero meu “Me Time” de volta.

E, não me entendam mal, eu amo todos os que moram comigo, inclusive meu doguinho, mas porra, 24h por dia debaixo do mesmo teto é foda. Hoje eu reclamo mas se alguém me faltar vou sofrer mil vezes mais do que agora (por isso é um mimimi). Eu não quero que ninguém suma, eu só quero umas duas horas por dia completamente sozinha. Não de silêncio ou ser ignorada, sozinha mesmo. Se tiver uma pessoa dentro da casa, por mais que fique imóvel e calada, não é “Me Time”.

Eu quero poder pintar o cabelo e botar uma touca térmica sem ser vista. Eu quero poder olhar pro teto em absoluto silêncio. Eu quero poder sambar vestida de Pikachu se me der vontade. Isso significa que eu vou fazê-lo? Não, isso significa que eu quero a possibilidade de fazê-lo. Mas não tem como exigir isso nesse momento (nem tão cedo), pois colocar quem mora comigo na rua para que eu tenha a possibilidade de, se quiser, sambar vestida de Pikashu, é risco de vida.

Então, aqui estou eu, o oposto do meme: never alone. Por mais boa vontade que exista em quem convive, basta estar presente para que eu não tenha “Me Time”. E não tenho previsão de, quando na minha vida, terei esse tempo só meu, esse grande espaço livre onde eu posso fazer o que quiser. E todo dia minha alma vomita um pouquinho por causa disso.

Novamente, bato na tecla de que eu sei que estou sendo mimada: tem gente em apartamentos com um único cômodo tendo que lidar com filhos 24h por dia. Eu estou em uma casa sem crianças, com quintal, com área verde, com espaço. Mas, já que é semana do mimimi, vou continuar reclamando de forma despropositada.

O fato de existir mais gente na casa além de você, 24h por dia, é um desgaste. Quando existia a rotina de sair para trabalhar e retornar no final do dia, a convivência era mínima. Convivência demanda um pouco de logística e um pouco de esforço. Convivência 24h por dia demanda mais esforço e mais logística. E eu estou exausta, com zero vontade de esforço de convivência.

Some-se a isso que eu sou chata pra caralho. Tanto para trabalhar como para dormir preciso de silêncio absoluto. Infelizmente não fui criada em uma casa com pais pagodeando, ouvindo música alta ou discutindo aos berros (crianças que são criadas nesses ambientes ficam calejadas para barulho). Fui criada em uma casa silenciosa com pessoas focadas em hábitos de leitura. Isso fez de mim uma mimada sensorial: preciso de silêncio, caso contrário não consigo nem trabalhar nem dormir.

Considerando que eu passo pelo menos oito horas por dia trabalhando (geralmente mais) e pelo menos oito horas por dia dormindo, para que eu esteja feliz e em harmonia precisaria de, no mínimo, 16 horas de silêncio diário. Eu comentei que eu tenho um cachorro?

É bastante difícil, por mais santa que seja uma criatura, que se mantenha o silêncio em uma casa na maior parte do dia. Salvo que tenha um bicho letal como o do filme “Um lugar silencioso” (meu sonho de consumo cair um alien desses no meu quintal) que te mate se você derrubar uma colher no chão, as pessoas acabam fazendo algum barulho.

Isso significa dormir mal e trabalhar com mais interrupções do que minha mente pode suportar antes de começar a ter fantasias homicidas. Isso significa viver sabendo que meu “novo normal” é estar com o freio de mão puxado, rendendo menos, por estar dormindo mal e por ter uma linha de pensamento interrompida por barulho. “Você acaba se acostumando”, um idiota comentou. Não, não acabo. Na realidade, quanto mais tempo passa, mais difícil fica. Vai tomar no cu todo mundo que leu o texto e pensou que eu vou acabar me acostumando.

Mas, a pior parte é se sentir mal por isso. Sim, ainda tem a culpa: estou cercada de amor e mesmo assim reclamo, fica puta, sinto raiva cada vez que alguém comete o “crime” de se expressar de alguma forma (cantando, latindo, falando). Que tipo de filha da puta sou eu que quer que todos fiquem calados, no mais absoluto silencio e, mesmo assim, continua descontente, pois para ser feliz preciso que tudo desapareça algumas horas por dia para ter “Me Time”?

Aí vem aquele pensamento tóxico de “quantas pessoas não gostariam de ter esse barulho dentro de casa, mas não o tem pois perderam seus entes queridos”. E, lógico, com isso vem a vergonha de estar com tanta raiva simplesmente por seres vivos estarem existindo à minha volta. Como posso desejar que entes amados desapareçam algumas horas para que, só assim, eu possa sentir uma dose de paz diariamente? Que tipo de psicopata filha da puta egoísta sou eu?

Basicamente, minha vida é uma luta entre tentar retomar o sono cada vez que sou acordada e não conseguir por ficar muito puta + tentar recuperar minha linha de raciocínio que foi cortada por alguma interrupção e ficar puta + me sentir um lixo por ficar puta com coisas pelas quais eu deveria ser grata.

Talvez seja hora de construir um bunker no quintal, assim eu finalmente posso estar completamente sozinha várias horas por dia e ter a possibilidade de sambar vestida de Pikachu, mesmo sabendo que nunca vou fazê-lo.

Para dizer que eu sou egoísta, para dizer que eu sou mimada ou ainda para dizer que você também precisa de “Me Time”: sally@desfavor.com


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