Não-binariedade binária.

Hoje apareceu uma matéria no UOL ensinando a usar linguagem neutra de gênero para acolher pessoas que se identificam como não-binárias. Aquela história de “todes”, “elus” e outras coisas que já comentamos antes. Não vou voltar exatamente no assunto da linguagem neutra, mas sim fazer uma pergunta… vamos mesmo ter que fingir que pessoas que se dizem não-binárias são claramente binárias?

Para esclarecer: binário significa uma divisão entre dois estados claramente definidos. O que é binário tem duas opções. Nessa nova onda de sexualidades livres, a “luta” é contra a obrigatoriedade de ser masculino ou feminino, pleiteando a possibilidade de existir fora dessa dualidade. A pessoa não quer ser definida como homem ou mulher pelos outros, quer ter o poder de estar em qualquer ponto entre as duas coisas quando quiser, ou até mesmo fora dessa categorização.

Ok, eu não sou uma pessoa burra, eu consigo lidar com conceitos mais abstratos. O “em tese” de não ser binário entra na minha cabeça. Posso até não ter o sentimento, mas o racional aceita a possibilidade. O problema é que todo meu sistema de definição de significados através de imagens espera algo que a realidade dos não-binários simplesmente não consegue entregar.

Parece complicado, mas não é: imagine que temos, lado a lado, um quadrado e um círculo. Sua mente identifica as linhas do quadrado e do círculo como elementos diferentes. Se te pedirem para imaginar algo diferente desses dois elementos, você pode pensar num triângulo, num losango, numa estrela… se te disserem para pensar num meio termo entre as duas formas, você talvez pense num quadrado com os cantos arredondados. O cérebro tem essa capacidade de enxergar além.

Quando se fala em pessoas não-binárias, o cérebro espera uma mistura entre homem e mulher, ou algo completamente diferente. Mas na prática, é realmente difícil que uma pessoa consiga se parecer com algo alheio à dualidade masculina-feminina. Não sei quanto a vocês, mas eu sempre vejo um gênero disfarçado de outro.

Como se tivessem desenhado um quadrado dentro do círculo, ou um círculo dentro do quadrado. Eu acho que é politicamente incorreto dizer isso hoje em dia, mas… na maioria absoluta das vezes, é muito fácil saber qual o sexo original da pessoa. Mas muito fácil mesmo. Eu fico me perguntando se quem é transsexual ou não-binário tem noção disso. Que salvo alguns casos extraordinários, todo mundo sabe qual é a especificação de fábrica da pessoa.

E não é um talento meu, é coisa que até criança faz sem pensar meia vez. O ser humano tem uma noção claríssima de que existem dois tipos de corpos bem definidos. Pode ensinar pra criança que um é “Glargh” e outro é “Glurgh” se quiser, mas ela vai ver duas coisas obviamente diferentes. Você está vendo que é uma mulher de cabelo curto e roupas largas, é óbvio que é um homem com cabelos longos e implantes. Sua visão não corrobora com a ideia abstrata de gênero fluido. Você sempre vê um ou vê outro, mesmo em casos de androginia, você define mentalmente como homem andrógino ou mulher andrógina.

Não existe um estado de aparência humana que seja não-binário. Aliás, sinto dizer, não existe sequer a possibilidade de se tornar visualmente indiferenciável do gênero oposto, por mais que alguns transsexuais cheguem muito perto. Não com a tecnologia disponível atualmente. O sistema de compreensão da realidade dentro do seu cérebro não consegue evitar de definir um dos dois estados possíveis de gênero humano.

E não existem exemplos visuais do que seria uma mistura perfeita ou mesmo algo fora dessa dualidade. É mais ou menos como imaginar uma cor nova: eu consigo conceber a ideia de uma cor que nunca vi antes, mas não tem nada na minha memória ou capacidade de imaginação que consiga dar conta disso. É puramente abstrato. Eu não consigo demonstrar para outra pessoa como seria essa cor, e não consigo tomar decisões baseadas nela.

O “espectro de cores” da sexualidade humana vai de homem até mulher. Não estamos equipados para perceber algo além disso. No máximo tons médios entre as duas cores. Só que ao contrário das cores, não existe um estado médio perfeito entre homem e mulher como o roxo existe entre vermelho e azul. O ser andrógino nunca está exatamente no meio, sempre parece mais vermelho ou mais azul do que propriamente roxo.

Talvez com mais tecnologia, avanços em genética e cirurgias plásticas, consigamos criar esse híbrido perfeito e dar um nome, mas no final das contas, só vamos ter um caso de sistema trinário. Ainda vamos ter nomes para cada uma das etapas. Vai existir o exemplo esperado de meio termo e vamos pensar em homem, “Glergh” e mulher. E aí, vamos ter pessoas não-trinárias?

Estou falando tudo isso para passar a mensagem escrota deste texto: por mais que eu queira que as pessoas sejam livres e felizes, quando me pedem para lidar com a não-binariedade na vida real, estão fazendo um pedido muito mais complicado do que simplesmente usar vogais mais inclusivas. Estão pedindo para que eu traia o mecanismo de funcionamento de um cérebro baseado em reconhecimento de padrões. Coisa que eu até gostaria de ter o poder de fazer, mas infelizmente não tenho.

Eu estou vendo uma mulher disfarçada de homem ou um homem disfarçado de mulher. Até aqui, podíamos usar palavras como transsexuais para definir o que nossos olhos estavam vendo, mas quando se coloca nesse pacote pessoas não-binárias, a sua percepção não corresponde mais à realidade. Você não tem dúvida alguma sobre qual o gênero da pessoa, mas deve suspender essa percepção até que ela comunique para você como quer ser tratada.

O que muitas vezes pode “esticar a corda” do que estamos dispostos a fazer. Um homem barbudo dizendo que se sente mulher no momento tem o direito, mas não cumpre os elementos básicos do acordo social humano sobre ser uma mulher. Não quero que ela seja infeliz, mas se for uma forma obviamente masculina pra mim, é evidente que eu não vou conseguir adaptar todo o meu cérebro para enxergar uma mulher ali. Eu jogo junto se a pessoa souber que existem limites.

Mas quando a conversa avança para “educar as pessoas” a usar linguagem neutra como se fosse o mínimo esperado para ser educado, eu começo a duvidar se as pessoas que defendem isso entendem esses limites. Se viver numa bolha de aceitação não pifou alguma coisa na cabeça delas e elas realmente acham que não estamos vendo o gênero de nascença delas. Pessoas podem se iludir se acabarem convivendo apenas com quem faça suas vontades.

Eu sei que gênero a pessoa é, eu sei o que isso implica em elementos como força física… me adapto aos desejos dos outros como sempre fiz na vida, afinal, ninguém é uma ilha, mas simplesmente não dá para ignorar a realidade. Ninguém é tão bom assim em misturar elementos masculinos e femininos para criar algo realmente diferente das duas coisas. Todo mundo está vendo. Todo mundo sabe nos primeiros milésimos de segundo a qual dos lados do sistema binário de gênero a pessoa pertence.

Posso FINGIR que não estou vendo se isso deixa a pessoa feliz. Mas que fique claríssimo: é fingimento. É linguagem social. Como a gente não tem medo de cancelamento aqui (vai cancelar o quê? Só gastamos dinheiro com o Desfavor) podemos falar essas coisas, mas cada vez mais fica difícil dar esse choque de realidade em pessoas que não se identificam com o gênero genético delas. Se ser transsexual ou não-binário te faz feliz, seja! Mas existe um limite prático de quanto eu consigo partilhar dessa ilusão.

Já disse várias vezes aqui: a força dessa onda conservadora é diretamente proporcional ao grau de escape da realidade que muitos progressistas entraram nessa questão sexual. De uma certa forma, pessoas com a mente mais aberta tentaram compensar séculos de repressão “mimando” as pessoas que não se sentiam confortáveis com o próprio gênero. Sim, eu também quero dar sorvete e brinquedos para quem foi maltratado por gente estúpida, mas não podemos esquecer que existe um mundo difícil fora da bolha.

E nesse mundo difícil, coisas como linguagem neutra não se criam. O cidadão médio vai continuar olhando para a pessoa como ela realmente se parece, e vai ficar puto da vida com a obrigação de fingir que está vendo algo que não existe. O fingimento deles está do lado da religião, e já deve ser bem cansativo. Porque se eu estou vendo claramente, mesmo tentando manter a mente muito aberta, eles com certeza estão vendo também.

Transsexual e não-binário são conceitos abstratos que não refletem um objeto da vida real. É homem disfarçado de mulher ou mulher disfarçada de homem, é quase impossível criar o caminho neural que leve a pessoa a não categorizar dentro da mente. Se já é pedir muito de alguém que quer ter a mente aberta, imagina de quem sequer conseguiria ler esse texto?

Para dizer que eu sou transfóbico, para dizer que não concordar 100% é o mesmo que ser do Estado Islâmico, ou mesmo para dizer que é tudo para não ter que ficar digitando as palavras no celular tudo de novo: somir@desfavor.com

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Comments (34)

  • GÊNERO – como você se vê no mundo (homem, mulher, não-binário)
    SEXUALIDADE – por quem você se atrai (homens, mulheres, os dois, nbs)

    Distinguindo as duas categorias, fica muito mais fácil de entender. O gênero vem de um constructo social (leia Butler, Preciado, Michel Foucault, Guacira Lopes Louro), que nos impõe desde sempre um modelo binário. Sair desse modelo não é algo nada novo, os povos originários dos EUA (Two Spirits) e do México (Muxes) fizeram e ainda o fazem há milênios.

    Por fim, busque conhecer. Leia, estude. Não é moda dos jovens millenials não, há eras temos esse tipo de existência. Quando somos ignorantes em algo, o primeiro passo é estudarmos. Abs!

  • Você não deve se achar uma pessoa ruim por ter instintos que foram moldados há milênios. Machos sabem distinguir fêmeas, fêmeas sabem distinguir machos. Voz, formato do corpo, feições, etc. Isso não vai mudar, a menos que alguma ditadura global maluca imponha o transumanismo pra fazer todos os humanos nascerem sem dimorfismo sexual.
    Se esse papo não-binário fosse um nicho tipo nerds, seria apenas mais uma tribo com peculiaridades e vocabulário próprios, algo completamente normal. Mas eles querem impor essa brincadeira de faz de conta pra todo mundo. Não vejo diferença entre eles e os “transespécie” que a Sally já escreveu um texto sobre.

    • Tentam impor aos incautos (em especial aqueles mais vulneráveis ao proselitismo demagógico desses hipsters de classe média que se acham os disruptivos, mesmo sendo meras crias perdidas em meio a distopia social contemporânea) pra garantir a janelinha em meio a um ambiente social onde “o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo… com cada vez mais pessoas competindo pelas vagas do mercado”.

    • Nunca tinha ouvido falar nesse termo “heteroflexíveis”, mas fui procurar alguma informação a respeito. E, de acordo com a Wikipédia: “A heteroflexibilidade é uma forma de orientação sexual ou comportamento sexual situacional que se caracteriza por atividades homossexuais limitadas em uma orientação fundamentalmente heterossexual, que se considera igual ou distinta da bissexualidade. Tem sido caracterizada como “predominantemente heterossexual”. É frequentemente associada à bi-curiosidade, que descreve um amplo processo contínuo da orientação sexual entre a heterossexualidade e a bissexualidade. A heteroflexibilidade pode distinguir-se como o “desejo de experimentar… com homoerotismo e excitação somente, não mais que isso” e se refere ao termo bi-curioso; podendo ser um estilo de vida.”

  • O buraco é mais embaixo… Bem mais embaixo.
    É essa turma querendo impor o vocabulário do “todes” a força para as pessoas forçando uma política que a despeito de ser vendida como inclusiva, na prática é uma política TOKENISTA que aliás, é bem conveniente pra grandes corporações, que podem fazer imagem de inclusivas enquanto continuam moendo gente, só que agora com o pretexto da “inclusão” do “não-binário” (vulgo queerativista) como prática inclusiva pra limpar a própria barra.
    Ai não estamos discutindo os casos por exemplo das disfunções de caráter genético que redundam numa expressão diferente dos caracteres sexuais, como os casos do X0, do XXY, do XXX e de outras modificações que dizem respeito especificamente a esse campo e sim a ideia de que se a pessoa se diz gênero sbrubles, ela o seria.
    Inclusive a Teoria Queer é PSEUDOCIENTÍFICA, dado que na tentativa de prová-la se recorreu a um experimento vibe Menguele que ao fim não serviu de nada nesse sentido, mas como tem influencer fazendo a cabeça dos “famosos” hipsters por ai, essa de “gênero neutro” é a nova onda do momento.
    E essa tribo “não binária” é mais um grupo de intocáveis, que recorre ao pretexto de uma suposta “transfobia” para estigmatizar quem não concorda seus preceitos, sendo que mesmo os transsexuais são alvos de tal tribo.
    Se deixar, logo não falaremos mais todos, mas todes, como se tivessemos com um caralho dentro da boca.

  • Bom, em primeiro lugar, linguagem neutra já é uma palhaçada em inglês, em que eles não precisam inventar palavras novas pra isso. Em línguas latrinas como o Português, em que até os substantivos tem gênero, é uma verdadeira aberração.

    Eu acho irônico como esse tipo de moda imbecil floresce nos campus de humanas, adubada por PSOLeiros, que dizem odiar tudo que vem dos Estados Unidos, mas são os primeiros a importar ou imitar essas merdas. Será infrutífero, claro, porque quem promove esse chorume é a academia, que já costumava ser um bioma alheio à realidade, mas de 2007 ou 2008 pra cá, virou praticamente uma dimensão paralela. As pessoas que propagam esses absurdos vivem num Planeta Bizarro em que bandido é vítima, polícia é vilã e os grandes problemas do Brasil são racismo, machismo e homofobia. Me assusta um pouco ver esse tipo de merda sair da bolha do cu e maconha da universidade e aparecer na bolha do cu e maconha das redações jornalísticas, mas, por enquanto, está restrita ao UOL, que é efetivamente uma “Malhação” para os futuros jornalistas da Folha e do G1.

  • Nerd posso sugerir de vc falar sobre a novidade do dinheiro ser digital a partir de 2023? Isso não vai dar muita merda, visto que o governo é incompetente e vão hackear? E sobre imitar a China de colocar data de validade no dinheiro? Estaremos todos fodidos?

    • Não existe sistema a prova de golpes e falcatruas. Vou me informar mais sobre isso, mas em linhas gerais, eu ainda acho bizarro que dinheiro seja de papel…

    • Na prática, grande parte das transações já são eletrônicas, sem uso de dinheiro de papel, sendo basicamente transferências bancárias.

  • Middle Class People Problem. “Olhe meu cabelo azul neon joãozinho enquanto uso vestido vermelho e batom amarelo-gosma-de-lesma! Quero que me reconheçam como nxn-binárie!”

    Enquanto isso, no mundo real, algumas pessoas acabam com outro tipo de reconhecimento que passa beeeeem longe dessa algazarra aí: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/05/02/so-mando-produto-que-tem-meu-selo-de-qualidade-diz-homem-suspeito-de-comandar-trafico-de-mulheres.ghtml

    Na hora de molhar o biscoito ou o bolso, cada um sabe qual instrumento tem que tocar na banda.

  • Somir, não sei se você já viu, mas lá fora já existe até cirurgia para quem é não-binário ficar com os genitais zerados (??): chama gender nullification. Loucura total.

  • Sinceramente, eu nem quero cruzar com esses vizigodos porque me recuso a participar dessa doideira, na minha opiniao, essas criaturas precisam de tratamento psiquiatrico.
    Tamo Fudidis!!!

  • Ou seja, pessoas completamente normais que, assim como todo mundo, não atendem 100% as expectativas de seu gênero. Mas se acham especiais por algum motivo. Pra mim só estão projetando o próprio sexismo.

    • Verdade, quem está forçando a ideia de gênero numa sociedade que meio que tinha dado de ombros pra isso foram esses lacradorxs…

    • Exato, Gabs. Lá nos anos 1970, Ney Matogrosso usava collant, paetê, brilho e maquiagem e sabia que continuava um homem mesmo estando fora dos estereótipos de gênero. Hoje em dia, tal de Liniker só por usar batom e delineador já se declara uma mulher. Faça-me o favor, né?

  • Eles simplesmente inventaram um gênero pras “not like other girls” LOL
    Pra mim a classificação não-binário nem faz sentido, acho até meio sexista, porque o ser humano é não-binário por padrão. Ninguém atende 100% as expectativas de seu gênero, e está tudo bem, não precisa criar um rótulo pra algo normal.

  • Quem mais fala que o “modelo tradicional” de vida/casamento/sexo/whatever está acabando é quem menos casa e tem filho.

    Sei que o contexto atual é restrito, mas recomendo saírem mais de casa e verem o mundo lá fora. A maioria das pessoas, inclusive aquelas que nem são tão religiosas nem conservadoras, têm uma vida “normal”, casam e formam uma “família tradicional” com “filhos tradicionais”. Boa sorte tentando cancelar literalmente milhões de pessoas (leia-se trabalhadores) ao redor do mundo.

  • Jovens brancos ocidentais classe média que não aceitam que o mundo não gira mais em torno de gente branca desde a descolonização.
    Negros/asiáticos/deficientes: “Somos tratados como inferiores há séculos! Estamos cansados de sofrer, queremos um mundo mais justo!”
    Brancos: “Nãããão! Eu sofro muito mais porque sou um unicórnio assexual!”

  • Cacildis! E se eu não quiser falar com eles na linguagem do Mussum? Vai ter punição? Se não vai, então foda se o UOL!

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