Como ser um guru.

Eu honestamente não sei se o ser humano anda mais suscetível ao papo furado de gurus ou se é apenas reflexo da facilidade de comunicação na internet, mas estamos vendo um aumento consistente no número de pessoas ganhando a vida ensinando os outros como viver. Não importa se vem de uma base mística, tecnológica ou econômica, o que não falta por aí é gente disposta a dar atenção para a conversa de quem parece ter descoberto os “segredos de uma vida melhor”.

Eu já sou mais cético em relação a isso. Pra mim, a melhor definição de sociedade é “um bando de gente fingindo que sabe o que está fazendo”. Talvez a ideia tenha raízes na arrogância, afinal, se uma pessoa que se considera inteligente como eu me considero não sabe muito bem o que fazer na maioria das vezes, é difícil acreditar que os outros saibam.

Ainda mais trabalhando com publicidade, um setor inteiro da economia baseado na ideia de convencer pessoas a comprar alguma coisa (ou ideia), fica difícil acreditar que esse mundo não é baseado na cara de pau de dizer que tem certeza sobre algo que não tem certeza. Não é o que se fala, é como se fala. O ser humano é ruim para analisar inúmeras variáveis ao mesmo tempo, mas sabe reconhecer as expressões de uma pessoa confiante. Perceber confiança no outro tende a diminuir nossa ansiedade. Diga a besteira que quiser, mas diga com segurança!

E é por essa visão de mundo cínica que eu me considero apto a te dizer como funciona o processo de se tornar guru e fazer outras pessoas te ouvirem a espera de dicas e palavras de sabedoria de como viver suas vidas. Você pode usar esse conhecimento para criar seu próprio grupo de seguidores, ou, se quiser seguir o meu objetivo com o texto, aprender a reconhecer pessoas tentando fazer isso pra cima de você. Conhecimento é poder.

A primeira coisa a se considerar é o caminho pelo qual você quer convencer as pessoas que sabe do que está falando. A profissão de guru foi se modificando com o passar das décadas, especialmente na era da internet. Muitos dos gurus se chamam de influencers hoje em dia, embora nem todo influencer seja guru, a imensa maioria dos gurus se aproveita da internet para se fazer presente para seu público-alvo. Quase sempre o guru se apresenta como alguém que conhece bem um determinado tema, e daí extrapola para uma filosofia de vida. A maioria das pessoas não consegue separar bem na cabeça uma habilidade específica de capacidade geral.

Um médico de qualidade não sabe necessariamente sobre relações interpessoais, um excelente investidor talvez não seja bom para te indicar uma carreira. Uma pessoa muito bonita nos atrai, mas nada garante que tenha outras qualidades. Mas como o cérebro acaba misturando tudo na hora de formar uma opinião sobre aquela pessoa, é muito provável que todas suas opiniões e visões de mundo pareçam igualmente válidas por causa de um elemento específico.

O guru precisa lidar com dois elementos importantes: sua imagem e seu discurso. A imagem que ele projeta para os outros deve ser, de alguma forma, condizente com o que vai dizer para seus potenciais seguidores. Claro que alguém muito bom de papo pode acabar quebrando essa regra, mas não é muito comum que as pessoas busquem gordos para aprender a ser mais saudáveis ou mendigos para saber como lidar com suas finanças. Se quiser quebrar as regras, precisa conhecer as regras.

Você precisa passar a imagem de sucesso. Embora carrões e piscinas funcionem muito bem para isso, depende também do contexto. Um guru que fala sobre espiritualidade e estar bem consigo mesmo pode se dar muito bem exibindo como vive com pouco. Mas é bom ele mostrar cenas bonitas de natureza ou uma casinha bem arrumada, porque por mais que não seja obrigatório demonstrar riqueza, ainda estamos falando de cenas atraentes. Se você for uma pessoa bonita, pode ter menos preocupação com o cenário.

Mas seja como for, a sua imagem deve ser atraente. Como bem sabemos, o ser humano é muito mais irracional do que racional. Muito embora eu vá falar sobre como é importante ter um discurso, ele depende da imagem que você passa. O que você diz deve vir num pacote atraente, porque isso dá a base para o que realmente acontece em qualquer interação entre guru e seguidor: aspiração. Você tem que mostrar algo que a pessoa queira para a vida dela. O que é meio cruel em temas mais superficiais como beleza, mas é uma tática testada e aprovada por milênios.

Pessoas querem ser como as pessoas que admiram. Querem o que elas têm, querem saber como fizeram para conquistar aquilo. E nem é papo de inveja, é natural que o ser humano use outros para se medir. Quando você vê algo no outro que deseja para si, aquela pessoa se torna muito mais interessante (mesmo que algumas pessoas não saibam lidar com esse interesse e acabem querendo o mal do ser admirado).

Normalmente você vai ver o guru trabalhando essa imagem o tempo todo. Especialmente os que vendem sucesso. Quanto mais dinheiro você parece ter, mais as pessoas se importam com o que você tem pra dizer. Dinheiro é um objetivo comum para quase todo mundo, então é sempre mais fácil empurrar suas ideologias se fizer parecer que elas te trouxeram esse dinheiro. O cidadão que diz que tem que acordar às 5 da manhã não pode parecer que está passando dificuldade…

E quase sempre, o guru ganha muito mais deixando as pessoas presumirem seu sucesso do que propriamente mostrando esse sucesso. E aí, nem precisa ser a questão financeira. Um guru que fala sobre relacionamentos tem que passar a imagem de um casamento feliz, o que pode ser criado com mentiras deslavadas acompanhadas por algumas cenas armadas para a rede social. O ser humano completa as lacunas por conta própria, numa lógica circular muito útil para o guru: se eu admiro a pessoa, é porque ela tem uma vida invejável. Quanto mais as pessoas admiram o guru, maior a probabilidade de inventar uma vida perfeita para ele, mesmo que não tenham informações para comprovar.

Por isso, o segredo é saber se mostrar apenas nos melhores momentos e deixar qualquer aspecto problemático da sua vida em segundo plano. Deixe que as pessoas imaginem você melhor do que realmente é, elas fazem isso muito bem sozinhas. Sua imagem cria credibilidade porque os seguidores querem que você tenha credibilidade. Perceber o guru como falho é um fracasso dos próprios planos, e o cidadão médio vai lutar bastante antes de perder esse bastião de esperança. O guru precisa dar o primeiro empurrão, o resto são os seguidores que fazem.

E agora, falemos do discurso. O discurso do guru é importante, mesmo que a imagem seja mais. O discurso é o que permite que os seguidores criem racionalizações das suas crenças (normalmente falhas). Mesmo religiões milenares aprenderam que não basta fé, tem que ter uma forma da pessoa se convencer que aquela projeção tem algum sentido na vida real. Sem isso, fica parecendo que o sucesso alheio (aquele que você quer pra você) aconteceu por sorte ou qualquer outro elemento fora de controle.

E a última coisa que um guru precisa é dúvidas sobre a sua importância no processo. O discurso do guru é organizado de forma a colocar uma ou mais de suas ideias como pedágio para uma vida melhor. Muitos fazem isso sem a menor consciência, alguns acreditando piamente que descobriram uma fórmula de sucesso para a vida (que não existe) ou mentindo descaradamente se convencendo que no final das contas estão fazendo o bem. Na vida real, pouca gente quer fazer coisa errada. A pessoa se convence que tem um objetivo maior e que é justificável ter comportamentos ruins por causa disso.

E o mais importante nesse discurso é modelo de realidade criado pelo guru. Modelo de realidade é o funcionamento do mundo segundo a visão dele, como as coisas acontecem, resultados esperados e preconceitos que desenvolveu até ali. Todos temos nosso modelo de realidade, mas algumas pessoas são mais capazes de colocar o seu em palavras. A maioria dos gurus tem essa habilidade.

Para que suas opiniões e conselhos funcionem, eles precisam estar numa espécie de sistema fechado, o mundo todo precisa seguir um conjunto de regras específico para que tudo funcione como você espera. Tem guru que diz que dinheiro vem para quem se esforça, tem guru que diz que dinheiro vem para quem relaxa. O modelo de realidade que eles apresentam colapsa as inúmeras variáveis do universo num conjunto simples de ações e consequências. Não é atraente a ideia de que você pode fazer tudo certo e ainda sim ter um resultado negativo.

O guru, assim como religiões e cultos de todos os tipos, prega que existe ordem no caos da realidade, e tenta te mostrar um caminho para alcançar essa ordem. Uma das coisas mais comuns é o guru tentar extrapolar seu conhecimento sobre uma área para outras, utilizando a lógica que aprendeu num campo para explicar o funcionamento do resto do universo. O modelo de realidade que ele apresenta é baseado no que conhece, e qualquer variável externa tem que ser adaptada a isso. Gurus raramente dizem que não sabem uma resposta.

Outro elemento importante é a megalomania: mesmo os gurus que se dizem mais simples acabam cometendo o pecado da ganância intelectual. Querem explicar fenômenos gigantescos como comportamento humano em larga escala com visões simplórias baseadas em seu conhecimento atual. Se fosse simples assim, alguém já teria encontrado a resposta e ela se espalharia como fogo no mato seco pelo mundo. O simples fato de existirem milhares (quiçá milhões) de gurus com discursos tão diferentes já prova que nenhum deles chegou num modelo viável de realidade para a maioria da humanidade.

E o engraçado é que mesmo tentando ser um anti-guru, eu acabo caindo nos mesmos problemas. Meu modelo de realidade está estampado neste texto, e em todos os outros. Acabamos forçados a criar esses pequenos universos onde as coisas funcionam de forma previsível e pessoas podem ser simplificadas imensamente só para poder se comunicar com outros. Alguns de nós são mais hábeis para transformar isso em palavras, e se não houver um pouco de cinismo (ou autocontrole) dentro da mente, o caminho do guru é muito tentador de seguir.

E com tanta gente sedenta por alguma direção na vida, o que não falta é mercado.

Para dizer que ainda não sabe o que fazer (bem-vindo ao time), para dizer que guru é quem diz o que você não acredita, ou mesmo para dizer que precisa parar de seguir algumas pessoas e já volta: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Influencer é uma praga da era da internet, me assusta o cidadão médio dar tanta importância pra esses nobodies. Somir, o que achou da campanha de marketing de algumas empresas que deram “cargos” importantes pra Anita? Eu acho que é oficial: já podemos pegar nossos diplomas da usp, puc, mackenzie, faap, ibmec e fgv e limpar a bunda com eles. Mundo corporativo é onde se ganha dinheiro com o cérebro, muita humilhação levarem pra lá gente que ganha dinheiro com a bunda. Ah sim, ela é uma influencer, como eu disse… praga moderna.

    • Puxar sacos funciona desde… bom, desde que existem sacos. Não posso vir aqui dizer que não funciona bajular gente como a Anitta, considerando que tanta gente (muitas com dinheiro) admira essa trabalhadora anal. Meu medo é que cada dia mais esse tipo de guru vai se enfiando dentro de empresas, logo logo não vai sobrar ninguém que trabalha de verdade, só vai ter consultor de lacração e mídia social…

  • Sucesso é 20% esforço, 80% estar no lugar certo na hora certa (aqui pode incluir contatinhos, mas não necessariamente). Pra cada Felipe Neto, mil youtubers fodidos que levam anos pra chegar aos 500 inscritos. Pra cada Belle Delphine, 200 pardinhas pobres implorando pra comprarem seus packs precariamente fotografados por 3 reais. Pra cada Neymar, 5 mil meninos que nunca vão sair do futebol como um hobby. A internet meio que democratizou o sucesso, mas na maior parte é uma loteria. E como o dinheiro da loteria, não basta só ter, tem que planejar estratégias pra manter e até aumentar, senão a pessoa fica pra trás.

  • Coach foi um jeito que arrumaram de exercer profissão de psicólogo sem precisar perder tempo fazendo faculdade. Tem em quem pague pelo serviço, óbviamente os riquinhos que não tem boletos pra pagar e nem se assustam no supermercado com a alta dos alimentos.

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